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sábado, 30 de janeiro de 2010

PROVADOR NO ANALISTA


O PROVADOR
O emergente nicho de provadores é um mundo à parte. Muito à parte. Imune às oscilações do mercado de trabalho, ao desempenho dos fundos de renda fixa e ao terremoto do Haiti, não consta até hoje nem nas Delegacias Regionais do Trabalho nem na Caixa Econômica um único pedido de seguro-desemprego dessa categoria profissional. Ultraespecializados, sua sensibilidade peculiar em um dos cinco sentidos lhes garante a chamada jornada 8 x 4 – oito meses de trabalho e quatro de Club Med em sistema All Inclusive.

A habilidade inata para uma coisa só os torna, não raro, insensíveis a todas as outras. O resultado é uma autoestima exacerbada que fatalmente desencadeia algum distúrbio emocional ou neurológico. Basta citar as multidões de provadores de cerveja, vinho, perfume e sopa de cebola nos consultórios dos psicanalistas, alguns deles pagando fortunas por um encaixe emergencial na quarta-feira às 12h30.

À parte o egoísmo natural ou adquirido, são extremamente sociáveis. Entre eles, bem entendido. Possuem comunidades no Orkut, seguem uns aos outros no Twitter e organizam encontros na vida real várias vezes ao ano. No mais recente, realizado em Boiçucanga, fizeram até uma camiseta com os dizeres: “Encontro de Provadores 2009. Provei e aprovei!”. Foi vestindo uma delas que Sara chegou para sua consulta na clínica da Dra. Maria Carolina.


NO ANALISTA
- Fale-me mais sobre ele.
- É provador de café. E sofre de insônia, obviamente. Fico imaginando a cesta básica que a empresa dá para o cara todo mês. Deve ter Frontal, Valium, Dormonid, Rivotril, tudo quanto é tarja preta. A última vez foi horrível, doutora. Depois de um sexozinho bem Nescafé aguado, que tive que fingir ser um autêntico Arabica Coffee, ficou a noite inteira falando de um colega seu italiano, também provador de café, que fez um seguro da própria língua por 10 milhões de libras. Eu morrendo de sono e ele falando que no seu caso as papilas gustativas são tão importantes quanto as pernas para um jogador de futebol e as mãos para um pianista. E que eu, como provadora de perfume, tinha que fazer uma apólice do meu nariz...
- Prossiga.
- Então, mas no começo era bem diferente. E a doutora nem imagina onde tudo começou.
- Onde?
- No provador da M.Officer. Rolou o maior amasso. No auge da coisa, me segurei na cortininha e as argolas foram arrebentando uma a uma, descortinando tudo.
- Isso parece “Psicose”.
- Tá me chamando de louca?
- Não, tô falando da cena do chuveiro do filme do Hitchcock.
- Bom, mas aí ele começou a falar que na outra encarnação ele queria nascer classificador de pintos.
- Como é que é o negócio?
- Não deixa de ser uma espécie de provador. É um sujeito que usa a ponta do indicador esquerdo para determinar se o pintinho recém-nascido é galo ou galinha. Só de passar o dedo na genital do bichinho ele já sabe. A margem de acerto de um profissional de primeira linha é de 98 por cento, contra 76 por cento dos classificadores visuais. Vivem viajando mundo afora de granja em granja, ganhando o que querem. No Brasil tem um japonês famoso, que só faz isso. Três da manhã e ele me dizendo essas coisas...
- Ah.
- É estranho esse seu risinho de canto de boca. Parece até que você conhece o Diogo.
- E conheço mesmo, só não sabia da história do classificador de pintos. Aliás, ele tem consulta comigo amanhã.

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