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sábado, 5 de novembro de 2011

VIU UMA, VIU TODAS




Com raríssimas variações, entrevista de ator em talk-show é sempre a mesma coisa. Ainda que pegue a conversa já começada, dá pra entender tudo. Inclusive que ela é exatamente igual às outras.







(pergunta óbvia do apresentador)






Bom, acontece que eu estava de férias em Nova York, como eu faço todo ano, quando eu vi a peça em cartaz na Broadway. Me apaixonei de cara pelo texto e voltei pra rever o espetáculo umas oito vezes. Quando eu regressei pro Brasil, ainda no aeroporto eu liguei para o (Diretor consagrado), convidando pra fazer a direção. Pra minha surpresa ele também conhecia o texto e topou na hora.






(pergunta óbvia do apresentador)






Ah, tem o talento mas também vale a sorte, viu. Tipo estar na hora certa no lugar certo e ao lado das pessoas certas. Aí a carreira anda sozinha, uma coisa vai puxando a outra. Pelo menos comigo, a ida pra televisão foi bem por acaso mesmo, quando o Daniel Filho apareceu num ensaio que estava fazendo pra uma peça do Guarnieri. Assim que acabou o ensaio, ele foi até o camarim e me fez o convite pra substituir o (Ator Consagrado), que estava com amigdalite e teve que se afastar das gravações. Hoje muita gente comenta que não conseguiria imaginar outro ator fazendo aquele personagem...






(pergunta óbvia do apresentador)






São linguagens completamente diferentes. A minha formação você sabe que vem toda do teatro. Fiz a Escola de Arte Dramática, o Tablado com a Maria Clara Machado e trabalhei um tempo com o Abujamra e o Zé Celso, grande Zé Celso do Oficina. O teatro é aquela coisa cara a cara, tem o improviso, um dia nunca é igual ao outro. Televisão é linha de produção, a interpretação é mais contida, a impostação de voz é diferente, a câmera e o microfone pertinho. E conforme se comporta a audiência a história vai mudando. É uma indústria, né, a gente tem que acatar as regras do jogo.






(pergunta óbvia do apresentador)






Eu acho assim, é uma troca, entendeu? A gente manda energia pro público e recebe energia de volta. É uma troca mesmo. No caso da comédia, tem o "timing", você tem que ter o tempo certo da piada, e isso depende também muito do humor da plateia naquele dia. Você sobe no palco e já sente - hoje vai rolar legal, o público tá mais receptivo, ou não... é mais ou menos por aí.






(pergunta óbvia do apresentador)






Tem uma hora em que você não consegue mais se livrar do papel, e incorpora o personagem na sua vida mesmo. Você quer matá-lo mas ele já ganhou vida própria, é mais forte que você. E aí você se pega na sua casa agindo como o personagem, falando como ele, pensando como ele. É muito louco esse processo. Precisei de uns anos de análise até aprender a lidar melhor com isso.






(pergunta óbvia do apresentador)






Depois da temporada eu pretendo dar um tempo, ficar com a família, viajar um pouco. Já tenho dois convites pra novela, mas por enquanto eu ainda estou analisando.






(despedida óbvia do apresentador)






Imagina, o prazer foi meu em estar aqui com você e com esta plateia maravilhosa. Mas, antes de ir embora, se você me der licença eu queria citar os patrocinadores da peça, tudo bem? Você sabe, mesmo com a lei Rouanet, não é nada fácil nesse país encontrar empresas que prestigiem e apoiem a nossa cultura.






(pergunta óbvia do apresentador)






De quarta a sábado, às 20h30 e aos domingos às 18 e às 21. Espero vocês lá, heim?






(apresentador, obviamente, pede pra repetir)






De quarta a sábado, às 20h30 e aos domingos às 18 e às 21.






(apresentador diz que já volta e pede pra não mudar de canal)




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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.


Blogs:

www.consoantesreticentes.blogspot.com (contos e crônicas)

www.letraeme.blogspot.com (portfólio)

Email: msguassabia@yahoo.com.br

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