ESTAÇÃO PARADISO
Abre com lua e estrela, a pleno
brilho em lugar qualquer. Clima de épico bíblico. Cena 2: panorâmica nos
trilhos da linha azul do metrô. O filme dentro do filme dentro do filme. Metrô
é espaço de passagem e não de saudosismo, destrói sem dó pessoas, memórias e o
que restar de humano na meia dúzia de desolados a esperar na plataforma.
Ninguém "é" estando ali, fica-se provisoriamente. Centenas de cópias
piratas de DVD do monumento de Tornattore, prontas para serem esmagadas pelo
próximo trem. Do jeito que fazem quando a Polícia Federal apreende contêineres
de ray-bans falsificados. Travelling lento. Slow. Fusão para mim, dizendo em
off algum lamento indecifrável. Uma cópia de cinquenta centavos do Cinema
Paradiso não deixa de ser uma irônica continuidade dele. A banalização da
permanência, diria o crítico com ar blasé ajeitando os óculos. A saga das
películas salvas e guardadas, as âncoras enferrujadas na conversa dos dois na
praia, o ancião cego ordenando que o menino vá embora da aldeia e não olhe para
trás. A ferrugem da âncora, metáfora. Totó morreu do coração após aquele choro
todo vendo as cenas de beijos censuradas pelo padre - imprevisto que não
constava no roteiro. Ennio Morricone é outro que pode morrer em paz depois da
trilha que fez, ela também nos trilhos agora, esperando a morte vestida de
bites. Ninguém quase soube quando há meses um estilhaço de meteorito colidiu
com o estacionamento onde fora o Nuovo Cinema Paradiso, que por sua vez era a
reconstrução do antigo que pegou fogo. Pegaram fogo o velho cinema e o velho
Alfredo, queimados o celulóide e o projecionista. Um dedo de poeira acumulada
sobre a ruína da ruína da ruína. Daqui do buraco da estação eu sei que chove lá
fora, no pavimento dos autos. É triste, não gosto. Quero de volta o meu
ingresso, trazido pelo Totó menino com vestes de coroinha que vem chegando de
bicicleta.
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