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sábado, 4 de julho de 2015

CORCOVADO DE NOTRE DAME




Ser corcunda não é fácil. Até a palavra soa pejorativa. Muita gente não sabe, mas corcunda é o mesmo que corcovado. E foi assim, consultando um dicionário para saber um pouco mais de mim mesmo - um corcovado de nascença, que me veio a ideia para ganhar a vida. Ou melhor, que me permitiu sobreviver, mal e porcamente, graças ao famoso cartão postal carioca, onde batia ponto das 8 da manhã às 10 da noite. Incluindo sábados, domingos e, principalmente, feriados. 

Os turistas tiravam fotos minhas de perfil, em posição análoga à do Corcovado, e depois pagavam pelo monóculo. Parecia algo sádico, com requintes de humor negro, e a intenção talvez fosse essa mesmo. Era uma humilhação assumida e consentida, por ser meu ganha-pão. Quantos bocós eu vi e ouvi exclamando, cheios de incabível orgulho, após tirar minha foto junto ao meu gêmeo de pedra:  " Ha, ha, ha, ha, ha, ha! Deixa o pessoal lá do escritório ver isso!"; ou então: "A Maria das Graças não vai acreditar... ha, ha, ha, ha, ha, vai se matar de rir com essa!".

Somos os dois parecidos, e ao mesmo tempo opostos. O Corcovado lindo por natureza, e eu horrível por um descuido dela. Lamentações à parte, assim se passaram alguns anos de temporada no célebre morro. Até que uma crise econômica brava se abateu literalmente em minhas costas, e ninguém mais queria torrar seu contado dinheirinho com retratos de corcunda. Havia possibilidades esteticamente mais interessantes para gastá-lo, ainda mais em se tratando da Cidade Maravilhosa.

Estava eu nesse estado de pré-miséria quando o Totonho das Mercês, colega de turma de Crisma e morador do Realengo, veio com a redentora solução: ir para Paris e encarnar o famoso Corcunda de Notre Dame na porta da Catedral de mesmo nome. Pesquisando, descobri que Notre Dame é a segunda atração mais visitada da capital francesa, só perdendo para a Torre Eiffel. Em número de turistas/dia, deixava o Corcovado no chinelo. 

Assim resolvido, comprei minha passagem de ida e segui a caracterização do personagem, conforme o livro de Victor Hugo. Depois montei uma tabela de preços e a afixei, obviamente, sobre o meu defeitinho congênito. O faturamento tem dado para o gasto, não posso me queixar do apartamento de 3 quartos no melhor ponto de Saint German, do Citroen 0km e da casa de praia em Cannes. Seguem abaixo meus honorários, sem desconto para grupos.

Foto do corcunda sério: 1 euro.
Foto do corcunda sorrindo: 1 euro e meio.
Foto junto com o corcunda sério: 3 euros.
Foto junto com o corcunda sorrindo: 4 euros.
Foto ou vídeo de criança na carcova do corcunda: 7 euros.
Foto ou vídeo de criança maiorzinha ou de marmanjo anão na carcova do corcunda: 8 euros.
Voltinha em torno da Catedral montado no corcunda: 14 euros.
Subida ao campanário de Notre Dame, em visita guiada pelo corcunda: 20 euros.
Corcunda Strip Tease, toda quinta às 23h no Moulin Rouge: 35 euros por pessoa (adesões com pagamento antecipado na barraquinha de crepe ao lado da igreja).
Algo mais com o corcunda, em moita discreta no Bois de Bologne: 110 euros.


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