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quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

OBRAS QUASE PRIMAS



JESUS, ALEGRIA DOS HOMENS

Sr. Johann,
Eu tentei falar ontem, antes de ir embora pra casa, mas quando eu terminei meu serviço o senhor já tinha saído pra tocar órgão na missa das cinco. É que pela manhã, arrumando sua mesa, esbarrei no tinteiro aberto, que estava em cima da partitura que o senhor vinha escrevendo. Desculpa, mas não sobrou uma semicolcheia pra contar a história. Sei que o transtorno não vai ser grande, pois o senhor compõe muito o dia todo e é capaz de ainda estar com a melodia na cabeça. Agora, se me permite o palpite, eu penso que Jesus não é a alegria dos homens coisa nenhuma. Achei esse título muito desrespeitoso, com todo respeito. Jesus é a salvação, o redentor, o refúgio, o escudo, a fortaleza. Mas alegria soa estranho, parece meio caricato, não acha? Sacrilégio. Mas também é só um palpite, o compositor é o senhor, longe de mim me meter onde não sou chamada...
Desculpa qualquer coisa.
Ingrid




DOM QUIXOTE

Foi um vento noroeste que chegou de repente, muito forte, abrindo com violência a porta da oficina onde o livro iria começar a ser impresso. Voaram todas as folhas manuscritas do original, sobraram só duas que se enroscaram na roda de uma carroça. Era como se os moinhos de vento do livro se pusessem todos a ventar ao mesmo tempo. E com aquelas milhares de folhas perdidas lá se foram também Sancho Pança, Dulcineia del Toboso e tantos outros personagens que, junto com o próprio Dom Quixote, provavelmente fariam do livro um fracasso retumbante, que a muito custo chegaria a 100 exemplares vendidos. E para os parentes do Cervantes, com toda certeza. Novelas de cavalaria não despertam interesse, é um gênero a que ninguém mais pode acrescentar algo de original.




MONA LISA 

- Vicenzo, pra quando que é pra fazer a moldura desse aqui?
- Joguei pra terça à tarde, tem mais uns doze quadros na frente. Semana tá puxada.
- De quem que é?
- Um barbudão que mora aqui perto. Tal de Da Vinci. Você já deve ter visto, vive trazendo quadros pra gente emoldurar.
- Humm, sabe que essa mulher aqui do quadro não me é estranha... não lembra a esposa do mercador?
- Mas será? Enquanto o marido tá mercadando por aí, ela ataca de modelo pro barbudo? Esquisito, heim.
- Não sei, pode ser que eu esteja enganado, mas eu acho que é ela, sim.
- Pintura esquisita, o sujeito quis dar um efeito esfumado nos olhos e na boca, só que acabou virando defeito. Não está nem séria, nem sorrindo. Ficou no meio do caminho, né? Coisa de mirim, essa pintura deve ser de algum aluno do velho.
- Então, e encomendaram a moldura mais cara. Desperdício. 
- Ai, olha aí o que aconteceu... A gente se distrai na conversa, ô meu Deus do céu...
- O que é que foi?
- Derrubei café aqui, bem no nariz da mulher. E a tinta ainda estava fresca, vê só o borrão que ficou!
- Perdeu grande coisa, não. Quando o cliente vier aí você explica a história, pede desculpa e dá duas telas novas pra ele, como forma de ressarcimento. Fazer o quê, acontece. E como deve ser mesmo trabalho de aprendiz, o barbudo vai ficar no lucro. A primeira tela vai servir para esse aluno ruinzinho ter a chance de fazer algo melhor. A segunda, ele usa pra treinar outro molecote.
- Boa. Acho que ele vai entender. 


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