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sábado, 23 de maio de 2009

DROPS PATERNOS




Me corrija se estiver errado, mas tenho sentido você um tanto desiludido, mais cabixbaixo e indolente que o costume. Filho, não se deixe abater, você não tem motivos justificáveis para entregar a rapadura. Lembre-se sempre daquele antiquíssimo ditado hindu, que o passar do tempo só reforça sua sabedoria e validade: “O espelho da vida é a sombra do infinito”. Nos momentos de desânimo e depressão, devemos nos agarrar ao bálsamo reconfortante destas palavras, que o seu padrinho, o palhaço Traquitana, repete religiosamente antes de subir ao palco.
Eu prefiro falar assim com você, um pouquinho por dia, como bilhetes de alguém que não se furta em dar o ar da graça mas não quer ser inconveniente, que vai entregando sua essência em doses homeopáticas. Não quero que me perceba como um caminho escancarado, prefiro abrir pequenas frestas. Você sabe, é meu estilo. Seu avô, baluarte dos malabares, também era assim.

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Ainda tem um pouco de mingau de maizena na geladeira, dá uma esquentada no microondas quando chegar. Não tente achar tanto sentido assim nas coisas que te disse ontem, quando conversamos a sós no picadeiro. É só a minha visão pessoal, que pode ou não ser considerada, dependendo do conceito que você tenha de mim enquanto pai. Ser pai é fácil, basta um momento de inconsequência ou de esquecimento na hora do bem-bom. Quero que a minha autoridade sobre você seja aceita pelo que digo e faço, não pelo que represento na hierarquia familiar. O fato de ser mais velho não significa que seja mais sábio que você ou que tenha me tornado menos louco com o passar do tempo. Todos dizem que eu não sou 100% da ideia, e é impossível que tanta gente esteja totalmente errada. Portanto, siga meus conselhos, mas com uma certa reserva.

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Esfrie a cabeça, literalmente: caia n’água, pegue uma piscina. Já tive lampejos mirabolantes entre uma braçada e outra, vale tentar. Estar desorientado em questões vocacionais é normal em sua idade, comigo não foi diferente. Antes de optar de vez pelo trapézio, fui corretor de ações da extinta Indústrias Reunidas Boi Gordo, me embrenhei alucinadamente na venda de jazigos para cães e até uma fabriqueta de troféus e medalhas já passou por minhas mãos. Em todas estas investidas admito ter quebrado a cara – o que, contrariando todas as óbvias expectativas, jamais aconteceu comigo sob a lona de um circo. É, meu filho, a vida tem dessas coisas. O que parece seguro esconde grandes ciladas, e vice-versa.

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Pelo menos nos quinze ou vinte primeiros encontros, uma mulher só se sentirá segura em suas mãos se suas mãos não forem além dos limites da decência. Entende o que quero dizer? Dê tempo ao tempo, extravaze os hormônios solitariamente por enquanto. Uma garota que aceita carícias naquelas partes logo de cara não serve para ser mãe dos meus netos. Ainda mais em se tratando da filha da engolidora de fogo, aquela piranhazinha... Vou lhe fazer uma confissão: só desembrulhei completamente a senhora sua mãe na noite de núpcias, e ainda assim depois de certificar-me que seus instrumentos de trabalho não estavam ao alcance da mão. Você sabe, ela era atiradora de facas no Stankowich, onde trabalhávamos na época.

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