PEQUENO STEVE
Ilustração: Thiago Cayres
Eram sempre graúdas,
doces, se possível geladinhas. Tenras maçãs desde tenra idade.
- Incrível, Steve.
Você nunca esquece. Um dia sem suas maçãs na minha mesa e meu ânimo não seria
mais o mesmo. Mal devoro uma e já fico à espera da atualização.
- Que bom,
professora. Acredito que toda pessoa precisa deixar sua marca no mundo, de
alguma forma. Visível, presente. Garanto que esse pequeno gesto fará com que a
senhora jamais esqueça de mim, ainda que a partir do semestre que vem nós nunca
mais nos vejamos na vida.
- Você parece tão
adulto e assertivo. Às vezes você me assusta, garoto. Mas é ao mesmo tempo tão
infantil a ponto de não fazer nunca a lição de casa, e sinto que você faz isso
– ou não faz isso - de caso pensado.
- Resposta certa,
teacher. É que o caderno branco me parece perfeito. Gosto do branco, da coisa
clean.
- Percebo que,
enquanto estou lá na frente explicando a matéria, muitas vezes você fica o
tempo todo olhando para as janelas...
- A professora não
pode imaginar as ideias que elas já me deram. Mas prefiro não abrir minha boca,
sob pena do Bill estar ouvindo atrás da porta e amanhã na hora do recreio sair
dizendo pra todo mundo que a autoria é dele.
- Bill? O da
primeira fila?
- Ele mesmo. Essa
cara de escoteiro pode enganar a todos, menos a mim.
- Não fique assim,
com o pé atrás. Acho que você está fazendo mau juízo, nunca vi William Gates
colando na prova ou coisa parecida.
- Não me venha com
essa, teacher. Tenho uma opinião muito bem formatada sobre Bill, e não há nada
que você possa fazer a respeito. Estive em sua garagem no verão passado e pude
ver de perto seus métodos, ok?
- Tá certo, mas
vamos mudar de assunto. Isso que você chama de estojo também é algo muito
peculiar. Fale-me sobre ele.
- Ah... gostou? Fica
tudo mais à mão desse jeito. É uma espécie de arquivo zipado. Basta um toque
aqui no zíper e tenho acesso a todos os recursos que preciso, onde quer que
esteja. Melhor que deixar tudo jogado de qualquer jeito nestas enormes pastas
escolares. No tempo que meus colegas perdem procurando suas coisas eu já fiz o
que tinha que fazer.
- Mas acontece que
você não faz o dever...
- É preciso que a
senhora entenda que não gosto de fazer a tarefa, gosto de pensar no jeito mais
fácil de executá-la. O que se vai colocar no caderno, na lousa, na prova, é
consequência. Cada um fará do seu jeito, e eu prefiro abrir atalhos enquanto os
outros andam em círculos.
- Sabe, Steve, eu
poderia reprová-lo ou mandá-lo para a diretoria por insubordinação. Mas sinto
que a insubordinada no caso seria eu, pela audácia de fazer o revolucionário
Jobs repetir de ano. Prefiro que a história diga que eu fui a primeira pessoa a
acreditar em suas ideias, por mais insanas que elas me pareçam no momento. Por
favor, não me decepcione.
(upgrade na edição
2.0)
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Reservados
Marcelo Pirajá Sguassábia é redator
publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
Blogs:
www.consoantesreticentes.blogspot.com
(contos e crônicas)
www.letraeme.blogspot.com
(portfólio)
Email: msguassabia@yahoo.com.br
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