NOVAS REGRAS DO JOGO
Está causando alvoroço no setor de
informática a recente determinação da presidência da república de obrigar a
nacionalização temática de todos os videogames e games para computador. Para
quem desconhece a medida provisória, a mesma estabelece que, no prazo de seis
meses, os jogos eletrônicos terão de ter seus personagens e enredos adaptados
para o contexto do folclore brasileiro e suas lendas.
Ao justificar a medida, a
presidência apóia-se no argumento de que as nossas crianças e adolescentes,
debruçando-se sobre seus consoles com heróis e vilões estrangeiros, acabam por
esquecer completamente o rico elenco de figuras do nosso folclore - hoje
relegadas a pequenos comentários nos livros didáticos do Ensino Fundamental.
Atenta ao prazo final determinado
pela nova lei e buscando antecipar-se à observância das regras, a EA –
Electronic Arts promete para as próximas semanas o lançamento do Cuca Soccer,
com os maiores craques do mundo devidamente metamorfoseados com cabeças e
caudas de jacaré. Já a Sega trabalha na substituição do porco-espinho Sonic
pela Mula sem Cabeça, mudando também os cenários das diferentes fases do jogo para
a amazônia, o pantanal matogrossense, as serras gaúchas e a chapada diamantina.
Microsoft e Sony optaram por entrar
com recurso contra a medida provisória, por entenderem que a mesma acarretará
uma vertiginosa queda nas vendas e no interesse do público pelos produtos
adaptados. Os dois fabricantes atentam ainda para o fato de que o leque de
personagens lendários brasileiros não é tão extenso, o que acabaria por
restringir o número de títulos nas prateleiras e a criatividade dos
desenvolvedores. "Ficamos limitados basicamente ao Boitatá, ao Saci
Pererê, ao Neguinho do Pastoreio, ao Curupira e às já citadas Cuca e Mula sem
Cabeça".
Outro problema levantado está na
adequação entre personalidade das lendas e as características dos jogos. "Como vamos
substituir, no caso da Fórmula 1, o Fernando Alonso pelo Boitatá? Ele me parece
um tanto lento para o cockpit, não acha?", argumenta o gerente de
engenharia da Microsoft, empresa que produz o XBox.
Há dificuldades de ordem técnica praticamente
incontornáveis. A notória deficiência física do Saci Pererê tornará impossível
a adaptação do lendário afro-descendente ao Mortal Kombat, ao Street Fighter e
a outros jogos de luta. Ele teria necessariamente que perder todas as pelejas
que disputasse, o que tornaria o game previsível e sem atrativos. No entanto,
alternativas vêm sendo discutidas para contornar o problema. Uma delas é fazer
do Curupira o adversário do Saci, o que tornaria a disputa mais equilibrada, já
que o dito cujo também é deficiente físico (tem os pés voltados para dentro,
com os calcanhares para a frente e os dedos para trás).
Enquanto isso, sabe-se que a Pelopidinhas Advogados
Associados já entrou com uma ação judicial em nome dos herdeiros do Curupira,
que reivindicam royalties sobre o uso de imagem de seu célebre antepassado.
Tais royalties corresponderiam a 3%das vendas dos novos cartuchos e DVDs,
independentemente do fato do Curupira ser ou não o personagem principal do
jogo. A fim de ganhar força na disputa judicial – que em casos dessa natureza
tende a se arrastar por décadas, a família do Curupira cogita entrar com uma
ação conjunta com os descendentes do Negrinho do Pastoreio. Já a viúva do Saci
e as oito sobrinhas da Cuca anunciaram sua intenção de ceder definitivamente os
direitos aos fabricantes de games mediante o pagamento de 1.680 salários
mínimos a cada uma delas.
© Direitos Reservados
Marcelo Pirajá Sguassábia é
redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e
eletrônicas.
Blog:
Email: msguassabia@yahoo.com.br
0 Comentários:
Postar um comentário
<< Home