UM DE CARNE E DOIS DE QUEIJO
Imagem: quecoisaboa.com.br
- Se você
fosse assim, um grande vulto como diz, não estaria aqui vendendo pastel.
- Você fala
de um jeito... vergonha é vender pastel ruim. O pessoal vem aqui comprar ouro
com recheio de carne, queijo e palmito, meu amigo. Estou muito bem com meus 50
mil por dia.
- 50 mil
reais?
- Não, 50
mil pastéis. A 3 reais cada um. Faz as contas.
- Nossa! Tá
de brincadeira…
- Tendo em
vista que 100% da humanidade considera o pastel frito a iguaria das iguarias, e
sendo eu o autor do melhor pastel do mundo, não tenho do que reclamar... Meu
amigo, a verdade é que muitos buscam a Deus, mas a maioria acaba cansando,
baixa um pouquinho a expectativa e vem buscar pastel comigo.
- Mas…
- Ainda assim,
fazem pouco do nosso ofício. Por exemplo, quando as pessoas usam a expressão
"fritar pastel" no sentido figurado, querendo significar algo
realizado às pressas, que se faz de qualquer jeito. Nada tão longe da verdade,
pelo menos no meu caso. Se bem que, por outro lado, eu até acho bom que os
outros pasteleiros "fritem pastel" mesmo, assim eu me sobressaio
ainda mais. Existem pastéis e existe o meu pastel, compreende?
- E a
garapa da sua banca? Vai me dizer que também é a melhor do sistema solar?
- É a única
à altura da minha obra-prima. Mais cremosa, impossível. Tem Certificação ISO
desde 2002 e título de patrimônio imaterial da humanidade, pela Unesco.
- Espera
aí, eu acho que…
- E digo
mais: tá vendo aquele quadrinho do lado do alvará da prefeitura? É o autógrafo
do Paul McCartney. Quando veio aqui pediu só de palmito, porque é vegetariano.
Depois de se entupir, tirou foto com os empregados e saiu com dois rolos de
massa de pastel debaixo do braço. Toda quarta, às quatro e meia da manhã, o
Alex Atala aparece na minha barraca. Disfarçado, mas vem. Pede sempre dois de
carne, um de palmito e se empapuça de garapa direto no bico da jarra, nem pede
copo. Outra freguesa firme é a Glorinha Kalil. Mas essa eu nunca vi, a gente
entrega a encomenda em casa. O Caetano, quando vem fazer temporada em São
Paulo, liga pedindo uma boa remessa pro camarim dele. Aliás, numa das nossas
conversas ele jurou que a minha banca fazia parte da letra de
"Sampa", mas no fim ele teve que tirar porque não dava rima...
- Mas você
concorda que eles não admitem publicamente o vício do pastel, certo?
- Olha,
você pensa o que quiser. Sua inveja não vai diminuir minha fama e nem minha
autoestima. No tempo em que você está aí me atirando pedra, a assessoria da Dilma
me manda torpedo pedindo pra entregar duas dúzias no salão do Wanderley Nunes,
pra Presidente dar uma forrada enquanto corta o cabelo.
- Tá, no
seu caso a distinta freguesia é distinta mesmo. Então porque não faz uma versão
"select" da banca, com pastel de caviar e Prosecco?
- Porque ia
ser um fiasco. A graça está na comida suburbana, no delito que a celebridade
comete comendo de pé, com o sol castigando a carcaça, mosca pousando no nariz e
correndo o risco de ter uma intoxicação alimentar por causa do vinagrete
vencido. Se você quer saber, usar palito de dente é quase um fetiche sexual pra
esses endinheirados. Aqui eles ficam mais à vontade que no banheiro das casas
deles. E ainda tem a perspectiva de serem pegos pelos paparazzi, o que aumenta
a adrenalina da empreitada. Eles gostam de correr perigo… e aí, mais um de
queijo?
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Marcelo Pirajá Sguassábia é
redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e
eletrônicas.
Blog:
Email: msguassabia@yahoo.com.br
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