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sábado, 19 de julho de 2014

PISCINA CHEIA



- Piscina é um negócio nojento mesmo. Se a gente parar pra pensar não entra numa de jeito nenhum.
- Ainda mais piscina de clube. Mas quem ligava pra isso? O que tinha que acontecer rolava aqui, em volta e dentro dela.
- Um caldo coletivo de bactéria, mas o que podia ser melhor que aquela vida irresponsável, cheirando a cloro? É, eu tinha cloro nos cabelos. Melhor ainda, eu tinha cabelos.
- Que graça tem hoje, com essa história de piscina em casa? Todo mundo tão isolado. Instrumentalizaram a piscina. Piscina serve pra não precisar ser sócio de clube.
- Lembro que você não tinha nenhuma estria ainda. Celulite, nem pensar. Pernas roliças, seios de pera. Ah, mulher, você era mais lisa e simétrica que os azulejos da Olímpica. Olha eles agora. Alguns soltos, muitos trincados, outros descorados, cheios de limbo verde.
- O que me comove é este seu transbordante romantismo.
- 1981, 82. Não havia como não olhar pra você, com aquele biquíni mínimo.
- Que depois eu acabei jogando fora, você não me deixou usar mais.
- Lógico. Aquilo ia bem na namoradinha dos outros. Quando te pedi em namoro já era pensando em casar. Nossa, você era pele e osso. Quase um desconforto te abraçar, Mirtes. Machucava.
- Me deixasse lá então, com meu biquíni mínimo. Se era mesmo essa faquir que você está falando, ninguém devia reparar em mim... nem você.
- Então, mas era uma magreza de modelo, esguia. Você era uma garça no meio das galinhas-d’angola...
- Na época você não me falava isso.
- Confete demais. Você se achava a última bolacha do pacote. Eu não repito nem pra mim os comentários da turma sobre você, antes da gente começar a namorar.
- Faz tanto tempo. Pode dizer agora, fiquei curiosa.
- Falar em confete, e os carnavais, heim? Muitos carnavais.
“Quando por mim você passa, fingindo que não me vê, meu coração quase se despedaça...
- ... no balancê, balancê”.
 Você bêbado feito um gambá, mamando aquela garrafa de tubaína cheia de Fernet com pinga.
- Tubaína, Fernet... volta pra 2014, Mirtes. Espana esse mofo, aí.
- Quem começou com o flash-back foi você.
- Olha outra do arco da velha... flash-back!
- Cinco noites e três matinês. Como é que a gente aguentava eu não sei.
- Uma folia emendava na próxima. Ia curando a ressaca de um dia com a bebedeira do outro...
- Você não valia nada, Bruno. Aposto que não se lembra mais daquela terça gorda quando te flagrei no carro com a Soraya-vai-que-é-fácil. E a gente já tinha aliança de compromisso.
- Efeito da tubaína. A Soraya era galinha-d’angola, como as outras...
- Ah, tá. Me engana que eu gosto.
- Eu até que era comportado. Pior foi o Julinho, que colocou uma câmera de vídeo no vestiário feminino. As debutantes todas, nuinhas. A fita circulou a cidade inteira, fizeram não sei quantas cópias. Sorte que você não apareceu no clube aquele dia.
- Olha lá, os caminhões de terra chegando.
- De novo, a velha piscina cheia. Antes fosse de gente.
- Sente comigo esse cheirinho bom de bronzeador. Pelo que vivemos aqui. Pelo que não volta mais.
- Mirtes, dá uma olhada no nome da empresa pintado nos caminhões.
- Júlio Piedade Terraplenagem e Engenharia. Que é que tem?
- É o Julinho. É a última do Julinho.

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