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domingo, 3 de abril de 2016

O QUASE



Entre o vegetariano inflexível e o carnívoro inveterado, desponta uma nova categoria de comensal. Fica a meio caminho de uma coisa e outra. Trata-se do quase-vegetariano, aquele que já assumiu a validade filosófica de não comer bichos defuntos, mas que ainda não consegue evitar eventuais recaídas.

Considerando que o refogado de acelga é oito e o churrasquinho grego é oitenta, proponho aos quase-vegetarianos uma alternativa conciliadora: a opção pelo miúdo, entendendo-se por miúdo o rim, o coração, o bucho, a moela, o fígado, o miolo, a língua e outros ítens não tão miúdos no tamanho e na forma. Digo conciliadora porque tudo isso que elenquei é órgão, e não carne.

Ninguém engorda porcos, abate rebanhos inteiros ou extermina quilômetros de granjas para arrancar miúdos. Eles são subprodutos. Que acabam sendo aproveitados para engrossar embutidos, fazer ração de cachorro, despacho de macumba e outras variadas coisas, que até Deus duvidaria se não estivesse vendo tudo. Além, é claro, de abastecerem as partes menos nobres dos balcões dos açougues. O fato é que a crueldade se dá para extrair a carne e saciar o pitecantropo que resiste bravamente no engravatado do século 21. Aos órgāos nāo cabe culpa, porque a carne era o alvo dos matadores (ou matadouros). Não fosse isso, continuariam cumprindo regularmente seus papéis de vísceras, até os animais morrerem de velhos.

Há outras vantagens em dar preferência aos miúdos. De maneira geral, os órgãos têm maior valor nutricional que a carne - um saudável motivo para que mereçam um julgamento mais complacente. Depois tem o preço, que é muito menor. Dependendo do tipo de miúdo, o quilo chega a custar dez vezes menos que a carne de primeira do bípede ou do quadrúpede morto.

Temos que admitir que muitos sentem nojo pelo caráter funcional do órgão. Carne é carne e pronto, parece algo ancestralmente admitido para se comer. O órgão não: ele processa alguma coisa, tem um papel fisiológico na vida do animal.

Veja a moela, por exemplo. Ela faz parte do sistema digestivo das aves, uma espécie de bolsa musculosa que tritura mecanicamente os alimentos ingeridos, especialmente os grãos. Talvez esse singelo esclarecimento lhe trave o apetite quando se deparar com uma porção acebolada da dita cuja à sua frente. Mas pode ser também que essa definição deixe um pouco mais tranquila sua consciência quase-vegetariana, por estar comendo algo que ia ser desprezado por quem matou o frango para devorar-lhe apenas o peito ou as sobrecoxas.

Bem, fica a ideia. Vai um miúdo aí?



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Foto: cozinhafacil.blogspot.com

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