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sábado, 3 de janeiro de 2009

DO PAU OCO


Já não foi a primeira vez que a câmera de segurança da fábrica de santos e anjos de gesso flagrou o inspetor de controle de qualidade e uma loiraça gesseira, toda coberta de pó branco, fazendo o que estava no Gênesis em posição ainda não catalogada pelo Kama Sutra. Espionando diariamente os dois excomungados, em serões que se estendiam das seis e quinze da tarde às nove e tanto da noite, Genaro, do serviço terceirizado de circuito de TV, junta mais um flagrante ao gordo dossiê e aguarda o momento certo: a nomeação do inspetor a gerente, “pela conduta irrepreensível no exercício de suas funções”.

Mas Genaro estava longe de ser a única testemunha da sacrílega safadeza. Das estátuas, todas viram. Exceto 16 São Judas que ainda estavam sem os olhos.


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- Eu quero entrar pro ramo, Pai Zóim. Diz aí com quanto é que eu tenho que morrer pra abrir uma tenda com tudo nos conformes, daquelas de cair o queixo.

- Aí já começa mal, fio precisa entender que dinheiro vem sozinho, por merecimento. Não tem que correr atrás dele. Sejamos simples de coração...

- Que é, meu pai, tá com medo da concorrência? Sou pequeno, não nasci pra Pai Zóim...


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Temos em estoque e para pronta entrega ampla gama de bolas de cristal nos diâmetros de 9 a 25 polegadas, com ou sem efeitos luminosos, estrelas e luas holográficas, 100% transparentes e com mecanismo giratório discretamente acoplado debaixo da mesa do vidente. Funcionam com quatro pilhas, não inclusas. Mas tome cuidado para que os clientes não vejam o “Nadir Figueiredo” na base da bola, fatal indicativo de que a mesma não é exatamente de cristal.


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Cortamos um zero na mensalidade dos cursos por correspondência de numerologia: de 99,90 por 9,90, em 3 vezes de 3,30. É sua chance de começar o ano com o pé direito e muito dinheiro no bolso. Faça de 2009 o seu número de sorte.


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O que se observa é o que podemos chamar literalmente de círculo vicioso. O fabricante do baralho dissemina, querendo ou não, a maldição do jogo. Perdendo o que tinham e o que não tinham nas mesas de pano verde, os desesperados procuraram uma saída com as videntes do tarô, cujas cartas são fabricadas pelo mesma empresa do baralho. É ganho na diversão e no arrependimento. A coisa toma outro rumo nos tempos de bonança econômica. É quando pouca gente joga e consequentemente quase ninguém corre depois atrás do tarô. Aí o jeito é alocar o parque fabril à produção de baralhos de mico preto, para as raríssimas crianças que se dispõem a trocar o Playstation 3 por esse passatempo idiota.


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Se existe alguém que mereça respeito e medo nesse mundo, esse alguém é o dono da fábrica de patuás. Por maiores que sejam seus calotes, desvarios administrativos, apropriação indevida de verbas trabalhistas, ninguém quer correr o risco de uma maldição ou “coisa feita” em represália. E assim, entre falcatruas mil e respeito nenhum a quem quer que seja - funcionários, fornecedores, leis e poderes constituídos - , ele amplia mês a mês o volume produzido e diversifica o seu mix, que já inclui figas de madeira de reflorestamento e galhinhos de arruda cultivados em hortas hidropônicas.


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Novas seitas pululam descontroladamente, fora do alcance da razão e sobretudo do fisco em suas instâncias diversas. Com elas surgem inovações tecnológicas que jamais passaram pela cabeça de Matuzalém, Barnabé, Zebedeu e seus contemporâneos, como a maquininha coletora de donativos por transferência de titularidade, ou seja, basta que o fiel insira o cartão de crédito ou débito para assegurar em suaves parcelinhas o seu pedaço de céu.



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