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sábado, 12 de fevereiro de 2011

CASA GRANDE

Não, sinhá não é o tempo todo esse poço de virtude que a vila pensa que é. Vira e mexe, sinhá tem pensamentos impublicáveis. O pulso descontrolado, se vira e mexe na cama, com o bagaço da cana exalando seu azedo no ar parado do engenho. Descarações com heróis de livros, romances com entes sem rosto. Coisas de sinhá sonhadora, pecados mortais que o padre não poderá absolver porque sinhá não há de ter a cara de confessar. Sinhá tem urgências da alma, que não sabe definir nem dizer de onde é que surgem. Calores e calafrios que vêm e vão como os aguaceiros, trazendo o medo doentio de ter seu nome no mármore antes da hora.

Sinhá é devota, e louva oito vezes ao dia o santo padroeiro da fazenda. Para ele faz oferenda e promessa, e guarda para o clero o filho que ainda não teve mas que um dia há de parir, se sinhô der sossego pras mucamas e comparecer com mais frequência.

E por mais que sinhá saiba o quanto vale ser sinhá, o que sinhá anda querendo, lá no fundo das funduras, é deixar sinhá pra lá. Virar palmeira, pedra de ribeirão, casco de cavalo, tulha de guardar “os trem”. Ser a lua de São Jorge e tudo ver lá de cima, tentando enxergar sentido nesse ofício da existência.

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