PARA O PAPA, EM MÃOS
Imagem: Wikimedia Commons. Public Domain.
Se der tudo certo conforme
planejei, meu filho lhe entregou este bilhete dizendo tratar-se de um pedido de
oração meu - sua mãe. Desculpe o pequeno pecado, Santo Papa, mas isso é
mentira. Tive que mentir para ele a fim de que esta minha súplica chegasse às
suas piedosas mãos.
Sei que, como membro oficial da
guarda do Vaticano, ele está aí para tomar conta de Sua Santidade, mas peço que
Sua Santidade também tome conta do meu menino. Zelo com zelo se paga. Se puder
recrutá-lo apenas para os afazeres domésticos e menos arriscados, seria para
mim um alívio e uma forma de aumentar seus créditos junto ao Todo Poderoso.
Montando guarda na porta de seus aposentos, por exemplo. Ou trocando a água da
sua moringa, mexendo seu cafezinho, escovando suas próteses dentárias, sei lá.
Tendo o senhor a influência que
tem, penso que preces em favor dele serão muito bem-vindas. Assim, pelo
pé-chato que o atormenta desde tenra idade, peço que reze um rosário todo os
dias. Pelo medo que tem do escuro, talvez uma Ave-Maria e um Pai Nosso sejam
eficazes e providenciais. Pelas frieiras, especialmente nos dias quentes e
propícios à disseminação de fungos nos pés, o Santo Padre poderia interceder
com uma Salve Rainha, quem sabe um Credo, o que acha?
Quando faz a barba, é frequente
acontecer de encravar um pelo próximo à costeleta esquerda, o que o aborrece
muitíssimo e o debilita a ponto de meter-se o dia todo debaixo das cobertas ou
necessitar de uns cafunés de Tia Frida, a madrinha de batismo dele que mora em
Berna. Estando a tia tão distante, não sei como ele vai reagir numa eventual
crise... o senhor compreende minha aflição?
Sua guarda, estimado Papa, tem 110
membros, e fazer do meu filho o seu protegido é um ato de caridade cristã. O
senhor dispõe de outros 109 marmanjos para pegar no pesado, pode muito bem me
quebrar essa.
Penso também que alguns outros
detalhes ajudariam para que meu filho mantenha-se em condições de combate. Esse
uniforme multicolorido de bobo-da-corte, que Michelangelo criou para não sei
que Papa em momento de inspiração duvidosa, é ideal para que se apanhe um vento
encanado, que pode muito bem se transformar em pneumonia. Seria muita ousadia
de minha parte sugerir uma armadura, ou pelo menos algo não tão vaporoso? Para
defender os outros, um soldado que se preza tem que estar bem protegido,
concorda?
Meu menino também não pode com o
sereno, e durante o dia seria prudente que evitasse o sol mais forte. O período
entre sete e nove e meia da manhã parece o ideal para o seu turno de trabalho,
evitando desidratação e exposição excessiva aos raios UV.
Bem, sem querer abusar da sua
bondade e já abusando, tenho uma outra solicitação à Sua Santidade. Há pouco
mencionei sobre a frieira – mal incurável e atroz, que judia impiedosamente do
meu primogênito. Soube que, na quinta-feira santa, é o Papa quem escolhe as
pessoas que participarão da cerimônia de Lava-Pés. Por favor, seja benevolente
e escolha meu menino, lavando seus pezinhos com sabonete e água misturada com
bicarbonato e vinagre. Em seguida, enxugue-os bem e evite beijá-los como
costuma fazer, para evitar propagação de bactérias.
Muito obrigado, Santo Padre. Vida
longa ao seu pontificado.
© Direitos Reservados
Marcelo Pirajá Sguassábia é
redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e
eletrônicas.
Blog:
Email: msguassabia@yahoo.com.br
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