DECOTE DE ANDREZA
Tela: Edouard Manet
Os seios de Andreza eram
indecentemente belos. Tão ostensivamente lindos que não havia como não serem
expostos em decotes generosos, sempre em tecido leve e transparente.
Tamanha era a beleza de
seus contornos que, não raramente, Andreza provocava divórcios e outras
desavenças conjugais por onde passasse. Não só pelo ciúme das esposas ao
notarem os olhares demorados dos maridos sobre os bem torneados gêmeos, mas
também pelo efeito contrário: quando não sucumbiam ao transe hipnótico dos
seios da moça, resistindo bravamente à tentação, os maridos acabavam por
sugerir uma masculinidade vacilante, o que levava à desconfiança das mulheres
sobre o poder de fogo dos companheiros. "Será que é homem mesmo esse
traste que eu tenho em casa?", pensavam algumas. A dúvida sobre a
"macheza do cabra" causava mais cisma e desconforto do que o
interesse exacerbado - que seria a reação natural. Afinal, Andreza era Andreza.
Sua fama espalhava-se, e a
cidade devia a ela uma homenagem. Então, com toda a pompa e circunstância, ergueu-se
em praça pública um busto ao busto, esculpido em mármore de carrara e de
proporções gigantescas, podendo acomodar, amontoada sobre suas curvas, toda uma
família de até 12 pessoas e um cachorro de médio porte para a tradicional foto
turística. Sim, porque o turismo tornou-se, pouco a pouco, a principal fonte de
receita para o município, atraindo romarias de homens afoitos e mulheres
invejosas - todos querendo uma foto à frente do descomunal busto de pedra e um
vislumbre, ainda que rápido, dos dois homenageados originais.
A partir de projeto de lei
apresentado pelo presidente da Câmara Municipal, instituiu-se como ponto
facultativo o "Dia da Lavagem do Busto de Andreza", ocasião em que,
após remoção de fuligem, são pulverizados cerca de 15.000 litros de água de
cheiro sobre o monumento.
Tanta notoriedade fez dela
a figura mais popular das redondezas. Eleita em sucessivos pleitos ao
legislativo municipal, são de autoria de Andreza algumas polêmicas propostas.
Uma delas versava sobre a fabricação e distribuição de preservativos de quatro
diferentes bitolas nos postos de saúde da cidade: pequeno, médio, grande e
extra grande. O que parecia ser um benefício ergonômico tornou-se motivo de
constrangimento na comunidade. Nenhum homem que prezasse pelo seu bom nome e
virilidade ousava pedir à mocinha do balcão preservativos pequenos e médios.
Alguns apelavam a um manjado expediente: solicitavam dois extra grandes, que
diziam ser para uso próprio, e mais uma meia dúzia dos menorzinhos -
argumentando que estes seriam utilizados para iniciação sexual de um sobrinho
pré-adolescente, na zona local.
Outro projeto controverso
de sua autoria, que acabou por provocar escândalo, estabelecia um curso prático
de prevenção ao câncer de mama. A aula foi ministrada pela própria Andreza, que
dessa vez sem decote e de peito aberto mostrava às mulheres participantes como
realizar o autoexame em busca de nódulos suspeitos.
A louvável iniciativa
ficaria por isso mesmo, não fosse uma estranha estatística divulgada por Dona
Benedita Rosa Denófrio, então presidente da Associação Comercial, dando conta
de que, na véspera do curso, as vendas de perucas, vestidos, cílios postiços e
sutiãs com enchimento bateram todos os recordes.
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Marcelo Pirajá Sguassábia é
redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e
eletrônicas.
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