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sexta-feira, 29 de agosto de 2014

O REI DA SARJETA



"Eu vou tirar você da sarjeta". Felizmente, quis o destino que ninguém dissesse isso quando ele era um zé ninguém. O que a princípio soaria como uma ação redentora e beneficente, no caso dele seria uma maldição. O infeliz que fizesse isso  privaria o mundo da oportunidade de testemunhar a saga de um dos mais bem-sucedidos empreendedores de que se tem notícia. Um homem que fez história com o suor de seu rosto e a originalidade de suas sinapses, cantadas em verso e prosa até mesmo em nossa literatura de cordel.

Claro, o começo foi duro. Da acanhada garagem da casa de seu tio, que limitava a produção a ridículos  11 metros de sarjeta/dia, Eustáquio passou para uma pista desativada de kart indoor, localizada na zona norte de Barbacena. Dali saíam ao menos 23.600 metros diários de suas vistosas e bem afamadas sarjetas, de variados acabamentos e tamanhos, para os mercados interno e externo. Isso em tempos de vacas magras.

O crescimento vertiginoso, no entanto, se deu com o lançamento da Mult Kolours, a linha de sarjetas coloridas - lampejo que lhe veio à mente em meio a um delírio febril de caxumba. Com ela, Eustáquio punha fim à ditadura do cinza nas nossas vias de pedestres. Sarjetas pink, verde-limão e azul-calcinha tomaram de assalto a paisagem urbana, fazendo despencar as estatísticas de suicídio junto à população e elevando-as entre os psicanalistas, psiquiatras e pastores messiânicos.

Depois veio a sarjeta esponja, lançamento com dupla função: absorver água da chuva em situações de enchente e evitar danos às rodas e calotas dos carros nas manobras de baliza. Dois anos após esse retumbante sucesso, a consagração internacional: Eustáquio vencia acirrada concorrência para a renovação dos seis quilômetros de sarjetas da célebre Avenida Champs- Élysées.

Não há como calcular ao certo o quanto o nosso rei faturou com um aplicativo recentemente lançado, com o nome de write rihgt. Com ele, o usuário recebe alertas, de dez a doze vezes ao dia, lembrando que sarjeta se escreve com j, e não com g. Levando-se em conta a frequência que o cidadão médio se vê forçado a escrever essa palavra, e a dúvida ortográfica que surge a cada vez que tem de fazê-lo, é claro que o programinha nasceu fadado ao sucesso - e chega à versão 4.2 com a exclusiva função do aviso de grafia em painéis de autorrádio.

Agora, o próximo desafio,  já nas mãos da equipe de engenharia de produto: a sarjeta falante, equipada de fábrica com dispositivos sonoros para alertar os pedestres cegos e daltônicos quando da mudança do sinal verde para o vermelho, e vice-versa. Mais de 400 municípios  brasileiros já demonstraram interesse pelo invento, que certamente alargará ainda mais as fronteiras do já extenso império de Eustáquio.


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