CALA-TE BOCA
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Um doce pra quem me disser quando vamos poder conversar
tranquilamente, como nos velhos tempos.
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Ah, que tolinho... você e eu temos telhado de vidro. Pra tudo
que a gente disser, vai ter alguém na escuta. O pior é
que não dá pra confiar 100% em varredura. Muito menos
em quem varre.
-
Pelo Higino eu ponho a mão no fogo, está comigo desde
que comecei na vida pública. Era varredor na minha cidade e
não deixava passar um pelo de sobrancelha sem varrer.
-
Mas ele é um varredor de rua, não um perito em
espionagem.
-
O princípio é o mesmo. O homem é um cão
farejador. Está lotado no gabinete como assessor especial e
arrumei emprego pra família toda dele no almoxarifado do
Itamaraty. Eu desconfio da minha mãe mas não desconfio
do Higino.
-
Não sei, pra mim todo mundo é suspeito até que
se prove o contrário.
-
Como fazemos, então? Sinal de fumaça, pombo-correio,
telepatia...
-
Não vejo saída. Telefone é grampeado, email
deixa rastro, agora inventaram essa história de quebra de
sigilo eletrônico...
-
E carta?
- Nem pensar, ainda mais agora que os Correios podem entrar na mira da investigação. Lembra daquela história de distribuir santinho junto com a correspondência?
- Nem pensar, ainda mais agora que os Correios podem entrar na mira da investigação. Lembra daquela história de distribuir santinho junto com a correspondência?
-
A gente faz uma triangulação, uma quadrangulação
ou até uma octangulação pra dificultar que
alguém descubra. Eu mando a carta pra um laranja, que manda
pra outro laranja, depois outro e outro até chegar a você.
Pra responder você faz o mesmo, mas com laranjas diferentes.
Não vão pegar nunca.
-
Isso demora muito. Alguns assuntos temos que resolver rápido.
-
Bom, isso é.
- Mas espera aí... os Correios não são Correios e Telégrafos? Então vamos botar pra funcionar os telégrafos, que quase ninguém usa mais. Fazemos um curso de código morse e boa, conversamos à vontade. Nem por decreto vão pegar alguma coisa, porque jamais vão suspeitar que a gente use algo tão obsoleto.
- Tem também rádio-amador, tipo PX e PY... mas aí o sinal é por radiofrequência, podem interceptar.
- Olha, uma coisa é certa: em ambiente fechado você pode esquecer que nós nunca mais vamos poder falar. Até em primeira comunhão e missa de sétimo dia vão dar um jeito de instalar um microfone em nossas cuecas. Ou melhor, na minha cueca e no seu sutiã. Talvez no meu paletó e no seu tailleur. Quem sabe na sua calcinha e na minha abotoadura, sei lá. É muita gente cuidando do cerimonial, e tem sempre alguém levando uns trocos pra meter uma microcâmera onde não deve.
- É, seria perigoso mesmo. Um “amém” seu, um “Deus seja louvado” meu e pronto: já iriam falar que é código, que Nossa Senhora, Ofertório e Sacramento são codinomes e batizariam a coisa toda de “Operação Castigo Eterno”.
- E criptografia, aquele negócio que embaralha tudo?
- Não. Já inventaram um treco que desembaralha. Esquece.
- Bom, resumo da ópera: tamo na roça.
- Na roça e feito dois marrecos mudos.
- Mas espera aí... os Correios não são Correios e Telégrafos? Então vamos botar pra funcionar os telégrafos, que quase ninguém usa mais. Fazemos um curso de código morse e boa, conversamos à vontade. Nem por decreto vão pegar alguma coisa, porque jamais vão suspeitar que a gente use algo tão obsoleto.
- Tem também rádio-amador, tipo PX e PY... mas aí o sinal é por radiofrequência, podem interceptar.
- Olha, uma coisa é certa: em ambiente fechado você pode esquecer que nós nunca mais vamos poder falar. Até em primeira comunhão e missa de sétimo dia vão dar um jeito de instalar um microfone em nossas cuecas. Ou melhor, na minha cueca e no seu sutiã. Talvez no meu paletó e no seu tailleur. Quem sabe na sua calcinha e na minha abotoadura, sei lá. É muita gente cuidando do cerimonial, e tem sempre alguém levando uns trocos pra meter uma microcâmera onde não deve.
- É, seria perigoso mesmo. Um “amém” seu, um “Deus seja louvado” meu e pronto: já iriam falar que é código, que Nossa Senhora, Ofertório e Sacramento são codinomes e batizariam a coisa toda de “Operação Castigo Eterno”.
- E criptografia, aquele negócio que embaralha tudo?
- Não. Já inventaram um treco que desembaralha. Esquece.
- Bom, resumo da ópera: tamo na roça.
- Na roça e feito dois marrecos mudos.
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Que paranoia. Já pensou se captam essa nossa conversa, falando
do nosso medo do flagra? Não precisa de mais nada. Seria a
confissão de delito definitiva, sem chance de defesa.
-
Já sei: arrendamos uma das fazendas do Sarney e vamos uma vez
por semana pra lá. Sem assessor, sem segurança, sem
nada. Aí nós dois tiramos a roupa e vamos pro meio do
pasto. Pra maior segurança, cochichamos um no ouvido do outro.
Acho que aí funciona.
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Aborta o plano. Esqueceu dos paparazzi?
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