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sábado, 9 de outubro de 2010

DEMOROU


- Teve uma hora que eu vi o parzinho na íntegra, cara. O vento bateu esquisito, e a blusa dela parecia vela de barco. Quando aconteceu, fez aquele barulhinho de bandeira tremulando. Não tem noção. Foi a cena do bueiro da Marilyn, só que na parte de cima. E eu de cara pregada naquelas duas coisas, iguais e enlouquecedoras.
- E aí?
- Ela viu que eu vi, flagrou o arregalo do olho. Cobriu depressa o patrimônio. Disfarçou, eu não. Uma visão dessa te deixa sem saber o que fazer com as mãos, pra onde correr. Mas correr é a última coisa que passa pela cabeça com aqueles dois olhos de carne te olhando de repente, no susto. Um ar quente e perfumado das lindezinhas guardadas, tesouro abafado posto pra fora. Você não quer que acabe jeito nenhum, quer levar a visão contigo, deixar que te persiga e te incomode. Nunca que a gente acostuma de olhar aquilo sem espanto. O Cara lá em cima inventou esse negócio pra ser mistério mesmo, e pronto.
- Nem. Conta mais aí, reparte direito essa paradinha comigo.
- Foi ir pro céu em dois segundos e voltar, véio. Ninguenzinho, nem de longe, pra cortar o barato. Barulho zero, só umas gaivotas foram chegando ali pelas cinco, quando o sol tava no ensaio e ela já tinha ido embora, me deixando ali largado e pensando no acontecido, daquele jeito de quem quer de novo. A parada foi bem essa. Mingau de sossego e paz, jardim de Alá. Foi por aí, meu. Uma tatoo feita no cérebro.
– Massa... o lance aí te deixou inspiradão, cheio de falar bonito. Quem diria, o rei da biscataiada parado numa mina só.
- Uns gêmeos rosados assim não podem nunca ter câncer, véio. O câncer sonda o material, chapa e desiste de acabar com aquilo. Animal sem pelo, só penugem fêmea e fina, loirinha que nem de neném. A serviço do papai aqui, aquela carninha tenra detona a larica toda que tiver no mundo. Subindo um pouco uma bocaça meio das antigas, batom forte, tipo Rita Hayworth.
- Tô ligado, femme fatale de filme pb. Cara, essa nega desorienta.
- Duas horas com aquilo e eu me acabo. Subo a escadaria da Penha plantando bananeira. E de costas. Fico refém, manda que eu faço.
- Bota meu nome aí, que um filé desse eu não ligo de ficar com o osso, não. A hora que desocupar, me dá um toque.
- Demorou.

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1 Comentários:

  • Marcelo!

    A cada dia me surpreendo com sua criatividade e inteligência. A imaginação ligou a vela do barco ao levantar de uma blusa. A visão que impressionou, destacou, a probabilidade do câncer, que no caso do visionário, jamais poderia. (?). Um alerta assim no meio de um texto onde a linguagem é notória de uma classe especial no nosso meio, deixa claro a conscientização do autor do texto.

    Diante de tão prolongada explanação de uma visão rica em detalhes, a intenção não seria de provocar desde o início o desejo do "filé"?

    Realmente, você é fantástico em criatividade, e diversidade de temas. Mas sempre evidenciando problemas sociais importantes.

    Parabéns, amigo!

    Fantástico!

    Abraços

    Mirze

    Por Blogger Unknown, às 9 de outubro de 2010 às 05:21  

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