.

sábado, 4 de setembro de 2010

A ALÇA, ESTA ESQUECIDA


O publicitário e quase psicólogo Humberto de Almeida, co-autor do consagrado “O moço e seus problemas”, surpreendeu há poucas semanas a comunidade acadêmica com ensaio onde discorre formidavelmente sobre a utilidade do cabo em sua dupla função – quer seja, a de empunhadura e/ou apoio para o manejo dos mais diversos utensílios e ferramentas, da panela à enxada. Uma empreitada de fôlego, em que o insigne estudioso alicerça sua argumentação em torno do cabo e sua descomunal influência sobre a história e o comportamento dos caucasianos, dos aborígenes e dos afrodescendentes. Absorto nestas e noutras considerações tecidas por Almeida, me dei conta da ausência de teses e outras fontes bibliográficas que versassem a respeito de sua prima-irmã, tão vulgarizada no âmbito prático quanto relegada a segundo plano no universo teórico: a alça, este prosaico e seminal artefato.

Assim, ousaria elencar algumas dentre as muitas acepções da alça que se prestariam como riquíssimos objetos para futuras dissertações e estudos de maior envergadura.

. A alça de sacola de feira, suas peculiaridades ergonômicas e sua relevância como agente alavancador especialmente da economia informal, nos grandes e pequenos burgos da América Espanhola;

. A alça de trem de metrô, sua evolução ao longo dos anos e seu papel gregário no contexto do transporte coletivo, haja vista que não raro cada alça é dividida – frequentemente em horários de pico - por duas, três ou até mais mãos que nela se apoiam simultaneamente durante o trajeto;

. A alça de sutiã e a de vestido, entendidas não apenas como elementos de sustentação das citadas peças de vestuário mas também como fetiches que povoam o imaginário masculino deste tempos imemoriais – independente de peso, estatura ou estado civil (não das usuárias das alças, mas dos admiradores das mesmas);

. A derradeira alça, a de caixão. Seu design, material e disposição nas diferentes formas de ataúde espalhadas pelo globo.

Há, contudo, algumas exceções que não se encaixam devidamente à função literal da alça:

. A chamada alça de mira – que, como todos sabem, não tem nem nunca teve a finalidade de alça nas escopetas, carabinas, metralhadoras e pistolas;

. A expressão “mala sem alça”, cunhada originalmente no Reino Unido em meados dos anos 1950 como “Suitcase without handle”, que em geral denomina os doidivanas que pululam à nossa volta e por assim dizer não apresentam serventia para coisa alguma, a não ser aborrecer-nos com sua loquacidade enfadonha e sua avidez perguntativa. Vale enfatizar que o vocábulo “alça” vem caindo em desuso para designar estes estorvos em forma humana, permanecendo apenas a abreviação “mala”;

. O verbo “alçar”, de onde deriva a expressão “alçar vôo”, que significa decolar por si mesmo, ou seja, por propulsão própria – não havendo, por conseguinte, a necessidade de uma alça para erguer a ave ou a aeronave do solo;

. A enigmática e quase hieroglífica definição do Dicionário Houaiss para “alça” como termo de marinha: “estropo adaptado à goivadura da caixa de moitões, cadernais ou sapatas”. Quem puder que lance luz...

Por ter atingido os píncaros da glória nas lides freudianas – dedicando-se nos últimos anos tão somente às tardes de autógrafos e às coletivas de imprensa nos simpósios internacionais de que participa, é pouco provável que Almeida consagre à alça a mesma relevância que deu ao cabo em seu antológico tomo. Todavia, fica aqui a sugestão para que outros teóricos de igual quilate arregacem as mangas e se debrucem com o devido afinco a tema tão rico e pouco investigado.

© Direitos Reservados

0 Comentários:

Postar um comentário

<< Home