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sábado, 24 de julho de 2010

CITRUS


Deu-se o fato, como das outras vezes, ao sol quase posto das seis da tarde, e foi como se uma mão de força irreconhecível me empurrasse para o pomar das laranjas descascadas. Firmes, doces, sem sementes nem fiapos a se entranhar entre os dentes. Laranjas de Hollywood. Cenográficas, escolhidas e livres de suas cascas, sem um machucado de faca. Todas estranhamente dispostas em seus galhos de nascença, à mercê da humanidade preguiçosa. As melhores não necessariamente se apanhavam nos ramos mais altos das árvores, como nos pomares comuns e para tristeza dos meninos mirradinhos. Muitas das mais suculentas ficavam nas saias das laranjeiras, quase tocando a terra e ao alcance do casal de anões. Fartavam-se ambos, sorvendo até secarem os bagaços, naquele “chup-chup” a lembrarem porcos. Pus-me ali sem querer assustar, e ao verem-me ao seu lado não manifestaram outra coisa senão uma silenciosa indiferença. Ali éramos, somente, sem definido propósito. Dois anões e um intruso de outro tempo, a observar sem compreender, talvez despido das cascas da lógica, do senso de necessária causa e consequência para tudo que exista sob o sol – já praticamente lua, àquela altura do dia 18 de novembro de 1942.

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2 Comentários:

  • Marcelo!

    Excelente texto, onde as laranjas passeiam pelo tempo. Tempo de amadurecer o que há de cítrico na laranja.

    Por acaso, laranjas de hollywod (madeira sagrada), livres de cascas, suculentas a se exibir em toda a árvore, como se soubesse da existência do tempo e das circunstâncias.

    As mais suculentas, na bela imagem poética, das "saias das laranjeiras". Para a humanidade, nem sempre o fruto assim se oferece. As de mais difícil acesso, são as mais apreciadas.

    "Dois anões e um intruso de outro tempo." Aqui o leitor, ou eu leitora, me remeti ao espaço dentro do nosso tempo atual.

    Para se despir da casca da lógica, só mesmo tendo a necessidade da criança, que desconhece tais princípios.

    No final, a surpresa da data: novembro de 1942. Nesta época Hollywood, ainda não tinha exibido seus frutos, sem cascas e suculentos, como num filme. Nessa época a associação de cores e sabores, sequer era percebida. A humanidade, possuía a necessidade em primeiro lugar. O fato de saciar a fome pela beleza do fruto.

    Anões, eram uma espécie tida quase como amaldiçoada pela natureza. Mas aceita pelo olhar infantil e puro. Hoje damos o nome de "anões", à países que não somam as qualidades dos outros mais desenvolvidos; à pessoas que não atingem dentro do tempo, o quoeficiente de inteligência exigido pelos gigantes, ou adultos ou ainda os que possuem mais.

    Enfim, um texto reflexivo e sério.
    Particularmente apreciei muito a forma aqui descrita de uma cena que poderia ser comum, mas que foi desvendada por palavras estética, modo e conteúdo de forma rica e bela!

    Parabéns!

    Um forte abraço!

    Mirze

    Por Blogger Unknown, às 24 de julho de 2010 às 09:09  

  • Pois é, Marcelo!

    E ainda há os "laranjas" que atuam como sendo outros.

    Abraços

    Mirze

    Por Blogger Unknown, às 28 de julho de 2010 às 12:53  

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