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sábado, 26 de março de 2011

BENDITO TEMPLO


Sei que isso quer dizer bem pouca coisa para você, que não foi nem protagonista nem testemunha, mas ainda assim insisto. Observe que ocorre uma química interessante, no laboratório de física, entre o aluno número 11 e a aluna número 39. E que dessa química há bolhas púrpuras que entornam do tubo de ensaio. Em cada bolha um duende cativo, rindo de se matar, não se saberá nunca de quê. Elemental das minas, de dentes gastos e feios, primo daquele outro que dorme entre os halteres da sala de ginástica.

Presente, professora. A professora presente como a merenda intacta na lancheira, há décadas e décadas sem sinal de bolor e ainda ali mesmo, embaixo da carteira. Perto do taco solto, onde se guardava a cola. Não a que grudaria o taco: a que passaria de ano você, ele, os números 7, 15, 28 e a turma inteira do fundão.

Tudo pode acontecer no intervalo entre uma aula e outra, até o que poderia acontecer em qualquer tempo e lugar, menos no intervalo entre uma aula e outra de uma escola com brasão lustroso e nome a zelar. A normalista de 1915 deixou um recado na parede. Raspe as últimas quatro ou cinco camadas de pintura e verá uma mensagem cheia de PHs, escrita em tinta verde. Casta que nem meia três quartos, certinha que nem saia plissada. Sem nenhuma segunda intenção as poucas linhas da moça, prometida em casamento a um filho de fazendeiro. Terão uma renca de filhos num casarão de pé direito alto, com janelas enormes e vista para o morro.

É terminantemente proibido fumar mas todos fumam como se acreditassem que o fazem escondidos, fingindo supor que o inspetor não sabe. Ele que, à época, tinha essa idade minha. Vou te dedar. Vou te pegar na rua. Vou meter uma barata morta dentro da caixa de giz e espalhar que foi você.

Repare ainda que o cheiro da massa de modelar não muda, inspire fundo e tire a prova. Agora não se mexa, permaneça assim o tempo que aguentar, com o ar preso nos pulmões. Feche os olhos e morda a polpa da lembrança, a doce e sem semente, aquela de se guardar no cofre e jogar o segredo fora.

Os hormônios explodem e formam fila para fazer filhos embaixo da mesa do professor, atrás do muro da cantina, onde mais houver espaço e oportunidade de infringir as normas disciplinares do templo de instrução. Mas a façanha fica na vontade. Você nunca foi disso, nós todos não éramos. Ou éramos mas não tínhamos coragem, o que é muito mais provável. Cantemos então o hino nacional, com a mão direita no peito, vendo a bandeira que sobe.


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