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sábado, 17 de novembro de 2012

AUTOSSUFICIÊNCIA






Ele mantém sua própria horta e um pomar variado, com galhos que vergam ao peso dos frutos.

Segue à risca a recomendação nutricional de consumir frutas, verduras e legumes crus, para extrair o máximo de suas vitaminas, proteínas, fibras e sais minerais.

Por só comer alimentos in natura, não precisa de gás de cozinha. A água quente para os banhos de inverno é providenciada com um ou outro toco de lenha e uma caixa de fósforos (que dura décadas, tão poucos são os dias frios).

A horta e o pomar são adubados com o seu excremento, o que a muitos pode parecer uma indireta e bucólica forma de autofagia.

Faz uma hora e meia por dia de bicicleta ergométrica, ligada a um acumulador de energia. A força gerada pelas pedaladas produz eletricidade mais do que suficiente para que funcionem luzes, chuveiro e eletrodomésticos da casa.

O ganho de saúde com a bicicleta mantém sua boa disposição e o livra de idas ao médico, mensalidades de planos de saúde e despesas com remédios.

Uma nascente de água quase na divisa da propriedade supre suas necessidades potáveis e movimenta um monjolo que faz fubá, em tempos de milho, e farinha, quando é época de mandioca.

Não tem carro, porque a rigor não é requisitado em lugar algum, sob hipótese nenhuma, já que não depende de ninguém e ninguém dá pela sua falta.

O Imposto Territorial Rural, de valor ínfimo, é pago anualmente com o excedente do fubá e da farinha de mandioca, vendido aos vizinhos. É a única ocasião em que suja as mãos pegando em dinheiro. Mas logo livra-se dele na boca do caixa, ao recolher o tributo.

Entretanto, não é um ermitão das cavernas: tem computador e passa boa parte do tempo, entre as cruas refeições, conectado à internet através de sinal roubado de outro sitiante. Escreve mas não imprime, para não precisar de papel.

Recita preces à Nossa Senhora e tem domicílio eleitoral em outra cidade, para poder justificar ao invés de votar. Voto, só de castidade. Do qual não se queixa, mas que, se fosse o caso, poderia resolver a questão solitariamente com a vasta oferta online.

Na safra de manga, ao menos três caminhões médios abarrotados de fruta são permutados por algumas demãos de tinta nos beirais e calhas da casa. De forma que conserva sempre em bom estado a rústica vivenda de tijolo à vista, tão vistosa que já rendeu a ele generosas ofertas de compra e de casamento. A todas recusa, solenemente. A quem insiste, argumenta que se basta com sua ótima companhia.

Quando chegar a sua hora, não quer macular seu currículo e precisar recorrer, finalmente, a alguém. Para isso, providenciou um alçapão bem ao lado da cama, para que possa se jogar no buraco cavado abaixo do assoalho assim que perceber que o coração está prestes a dar sua última batida.

Qualquer cagada no circuito autossustentável acima descrito é muitíssimo bem aproveitada, pois serve de adubo extra para a horta e o pomar citados na primeira linha.


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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
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