AUTOSSUFICIÊNCIA
Ele mantém sua própria horta e um pomar variado, com galhos
que vergam ao peso dos frutos.
Segue à risca a recomendação nutricional de consumir frutas,
verduras e legumes crus, para extrair o máximo de suas vitaminas, proteínas, fibras
e sais minerais.
Por só comer alimentos in natura, não precisa de
gás de cozinha. A água quente para os banhos de inverno é providenciada com um
ou outro toco de lenha e uma caixa de fósforos (que dura décadas, tão poucos
são os dias frios).
A horta e o pomar são adubados com o seu excremento, o que a
muitos pode parecer uma indireta e bucólica forma de autofagia.
Faz uma hora e meia por dia de bicicleta ergométrica, ligada
a um acumulador de energia. A força gerada pelas pedaladas produz eletricidade
mais do que suficiente para que funcionem luzes, chuveiro e eletrodomésticos da
casa.
O ganho de saúde com a bicicleta mantém sua boa disposição e
o livra de idas ao médico, mensalidades de planos de saúde e despesas com
remédios.
Uma nascente de água quase na divisa da propriedade supre
suas necessidades potáveis e movimenta um monjolo que faz fubá, em tempos de
milho, e farinha, quando é época de mandioca.
Não tem carro, porque a rigor não é requisitado em lugar
algum, sob hipótese nenhuma, já que não depende de ninguém e ninguém dá pela
sua falta.
O Imposto Territorial Rural, de valor ínfimo, é pago
anualmente com o excedente do fubá e da farinha de mandioca, vendido aos
vizinhos. É a única ocasião em que suja as mãos pegando em dinheiro. Mas logo
livra-se dele na boca do caixa, ao recolher o tributo.
Entretanto, não é um ermitão das cavernas: tem computador e
passa boa parte do tempo, entre as cruas refeições, conectado à internet
através de sinal roubado de outro sitiante. Escreve mas não imprime, para não
precisar de papel.
Recita preces à Nossa Senhora e tem domicílio eleitoral em
outra cidade, para poder justificar ao invés de votar. Voto, só de castidade.
Do qual não se queixa, mas que, se fosse o caso, poderia resolver a questão solitariamente
com a vasta oferta online.
Na safra de manga, ao menos três caminhões médios
abarrotados de fruta são permutados por algumas demãos de tinta nos beirais e
calhas da casa. De forma que conserva sempre em bom estado a rústica vivenda de
tijolo à vista, tão vistosa que já rendeu a ele generosas ofertas de compra e
de casamento. A todas recusa, solenemente. A quem insiste, argumenta que se
basta com sua ótima companhia.
Quando chegar a sua hora, não quer macular seu currículo e
precisar recorrer, finalmente, a alguém. Para isso, providenciou um alçapão bem
ao lado da cama, para que possa se jogar no buraco cavado abaixo do assoalho
assim que perceber que o coração está prestes a dar sua última batida.
Qualquer cagada no circuito autossustentável acima descrito
é muitíssimo bem aproveitada, pois serve de adubo extra para a horta e o pomar
citados na primeira linha.
© Direitos Reservados
Marcelo Pirajá Sguassábia é
redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
Blog:
Email: msguassabia@yahoo.com.br
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