POLONAISE
- Este ré
bemol realmente está um atentado ao ouvido. Faz tempo que está desafinado desse
jeito?
- Mais de
ano. Vou deixando, evitando esbarrar nessa tecla quando toco, pra não acabar
com a música.
- O
problema é que agora não segura mais afinação. Vou ter que trocar a cravelha.
Se o senhor me chamasse assim que notou que estava desafinado... Que curioso,
nunca atendi cliente no carnaval. Ninguém chama pra afinar piano nesses dias.
Já tinha até planejado uma semaninha em Teresópolis, com a família, quando o
senhor ligou. Piano em casa já é raridade hoje em dia. Gente querendo tocar no
carnaval, então... Pleyel, esse piano aqui é uma lenda.
- Tem
quase vinte anos comigo. Estava encostado no porão de um convento. Uma das
madres tocava de vez em quando. Ela morreu e o instrumento ficou parado, até
que deu cupim e resolveram vender.
-
Personnalisé pour Frédéric Chopin!*
- Que foi
que você disse?
- Aqui,
escrito em grafite num selo, perto do pedal.
- Quer
dizer o que isso aí, moço?
- Nada.
- Como
assim, nada?
- Este
piano não vale nada. As cravelhas estão todas estragadas, a madeira está que é
só cupim, o marfim das teclas já vai começar a soltar...
- Do
jeito que o senhor fala, não sobra muita coisa.
- Posso
levar embora, mas pago pouco. A despesa que eu vou ter com o transporte é maior
do que o preço de mercado dele.
- Mas é
um Pleyel! Como o senhor mesmo disse, uma lenda…
- Um
Pleyel destruído pelo tempo. A fábrica, inclusive, fechou as portas em novembro
de 2013. Este aqui é apenas mais um, dentre duzentos e cinquenta mil produzidos
na França, em mais de duzentos anos.
- E
aquele negócio escrito no selo? O senhor arregalou um olho quando leu…
-
Imagina, é só nome do funcionário que fez o instrumento. Um tal de Frederico.
Do jeito que esse piano acabou ficando, devia ser um aprendiz na época.
- Ah.
- E aí?
Vamos desocupar espaço?
- Oito
mil e quinhentos reais.
- Pago no
máximo três mil e setecentos.
- Tá bom,
pode levar.
(Leva mesmo essa porcaria, seu trouxa. Se
fosse um perito mesmo, teria percebido que o selo é falso, que foi envelhecido
com betume e que o lápis que escreveu o nome de Chopin é coreano).
*Sob
encomenda para Frédéric Chopin
© Direitos
Reservados
Marcelo Pirajá Sguassábia é
redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e
eletrônicas.
Blog:
Email: msguassabia@yahoo.com.br
0 Comentários:
Postar um comentário
<< Home