CIENTISTA DE ABADÁ
Digerido o mingau de maizena das dezoito e trinta, reparti o cabelo ao meio, calcei minhas botinas e rumei em desabalada carreira à grande festa de Momo.
Em meio à balbúrdia generalizada, ouvi algumas pessoas ao meu lado proferirem reiteradamente o termo “cheirar lança”. De imediato meu sistema cognitivo associou a expressão a um aborígene aspirando sofregamente seu instrumento de caça, e tal quadro afigurou-se-me exageradamente surreal. Não dei maior importância, ainda que considerasse estranho aqueles rapazes rindo sem motivo aparente, e prossegui embalado nos folguedos, circundado por um manancial de regiões glúteas bem proporcionadas.
Foi quando percebi assomar em minha direção, a uma velocidade média que pelos meus cálculos girava em torno de
Cismava nessas conjecturas quando um alto-falante próximo anunciou que dentro de meia hora teria início o desfile das escolas. Ora, pensei, o 7 de Setembro já se fora há mais de 5 meses; além do que não via naquele cenário de perversão e sodomia o ambiente propício a uma parada cívica, com alunos de escolas estaduais e municipais saudando o dia da Pátria.
Importante frisar que, ainda que empreendesse todos os esforços para permanecer imóvel e em atitude meramente contemplativa, aquela procissão de excomungados me empurrava a contragosto. Era por assim dizer arrastado, em efeito análogo ao refluxo do mar quando estamos com as marolas batendo na altura das canelas,
Artefatos circulares de papel colorido e rala espessura, denominados confetes, eram arremessados sem mãos a medir na direção dos meus olhos, como se os foliões quisessem deliberadamente levar-me à cegueira a todo custo. É bem verdade que nem todos os acima designados confetes atingiam o sistema ocular – 16% se alojavam entre a mucosa da boca e a laringe e outros 7,8% pousavam inertes sobre o copo de leite batido que empunhava ao som do “Alalaô”. Considere-se nesta estatística uma margem de erro de três pontos percentuais para mais ou para menos, estabelecendo como desprezível a resistência do ar entre a posição de arremesso e o alvo.
Questões outras também eram por mim analisadas, como a fadiga e a dilatação de corpos e materiais, o poder de abrasão das fantasias de califa quando roçadas com as de odalisca e a ação mensurável das forças centrífuga e centrípeta nos chamados cordões carnavalescos. Por volta das três e meia da madrugada, uma mulher de aparência polaca e olheiras fundas – provavelmente causadas por falta de sono reparador – agarrou-me à força e beijou-me demoradamente, passando em seguida às minhas mãos um lenço umedecido e um cilindro de vidro translúcido com líquido não identificado em seu interior, trazendo um rótulo onde se lia “Universitário”.
Sem entender bem o porquê do presente, pressionei a válvula, muito semelhante à de um extintor de incêndio. Imediatamente rondaram-me dezoito elementos vindos não sei de onde, todos com lenços nas mãos e olhando ávidos para meu pequeno tubo transparente. Estupefato, perguntei ao grupo em que poderia ser útil. Uma fração de segundo depois, um dos indivíduos me socava a cara enquanto outro me furtava o cobiçado “Universitário”, como se o apetrecho fosse a chave do paraíso. Acordei na delegacia, onde me encontro agora em companhia de nativos, cujas peculiaridades comportamentais merecem um detalhado estudo antropológico.
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