A MORTE PEDE SUBORNO
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De que lhe vale esta mansão estilo Tudor, se dorme no chão
para não gastar os lençóis? Atravessa os dias e as noites contando dinheiro, e
a única coisa que consegue interromper esse passatempo vitalício é o boletim
com a movimentação da bolsa e a cotação das commodities.
Ele ainda confia na eficácia redentora do óleo de fígado de
bacalhau e desconfia dos comprovantes de banco.
"Que segurança pode ter um papel cuja impressão some
toda com meia hora de sol ou três dias dentro da carteira? Se é para ser
comprovante e documentar a transação, o que está impresso nele não deveria
sumir nunca."
E aí ele tem toda razão. Não dá mesmo pra explicar esse
negócio. Mas ele tinha outras e impagáveis assertivas, que repetia em tom
ranzinza.
"Há muito tempo ouvi dizer que Aristóteles Onassis
começou sua fortuna catando na rua bitucas para fazer novos cigarros. Isso é
senso de oportunidade. Isso é erguer tudo do nada, revidando ao mundo e ao
destino a pobreza de nascença."
Come maçãs acompanhadas de coisíssima nenhuma, pois lhe
disseram que, ao mesmo tempo em que nutre e faz bem à saúde, conforme é
mastigada a fruta já vai limpando os dentes, o que lhe poupa gastos com escova
e creme dental.
"Uma maçã todo dia, não mais que uma. A ruína de Adão
me blindará e será o meu salvo-conduto para o século que vem. Viverei mais que
todos e evitarei o Alzheimer contando minhas lindas notas. Contar dinheiro
exercita a mente e é tão terapêutico quanto fazer palavras cruzadas."
É, e pelo menos para ele, trata-se de uma tarefa que serve
para alguma coisa. De qualquer forma, jamais deixaria outra pessoa fazer isso
em seu lugar.
Arranca todas as etiquetas visíveis de suas roupas. Entende
ele que essa é uma forma de propaganda do fabricante e, até onde sabe, jamais
será remunerado pela veiculação. Então, tesoura nelas. Nem bem saem das lojas e
as roupinhas de grife viram artigos genéricos.
"Ainda se a roupa saísse de graça, vá lá, tudo bem. Até
toparia a permuta. Eles me dariam as calças, camisas e sapatos e eu sairia pra
rua desfilando as marcas deles".
“Caixão não tem gaveta”, para ele, é só uma frase
feita - nunca uma sentença. Como não tem mais ninguém nesse mundo, ocupará
sozinho o imenso mausoléu que mandou construir em meados dos anos 80. Sobrará espaço
bastante para abrigar, ao lado dos seus ossos, as notas que conta e as que
ainda irá contar. Enquanto isso, conforma-se em abrir mão de algumas delas para
subornar a morte, que de vez em quando aparece com sua foice para levá-lo.
©
Direitos
Reservados
Marcelo Pirajá Sguassábia é
redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
Blog:
Email: msguassabia@yahoo.com.br
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