SEXO ASSÉPTICO
- Paiê!
- Chora, pequeno carrasco. Que é que foi dessa vez?
- Eu tô sabendo de tudo, o Rafa me contou e ainda me mostrou
fotos. O jeito que eu nasci, que você nasceu, o jeito que todo mundo nasce. Eu
sei que foi você, papai, que colocou aquele seu negócio de fazer xixi naquele
outro negócio da mamãe, que é pra fazer xixi também. Achei essa história muito
porca.
- Ahnn??
- Devia ser tudo online, o procedimento seria mais limpo,
sem contato manual nem genital. Tudo começaria numa rede de relacionamentos,
passaria pra uma conversa inbox, depois rolaria um clima numa área de acesso
restrito e protegida por senha e aí os pixels do homem se misturariam com os
bytes da mulher. Nove sessões de Windows depois, o menino estaria pronto.
- Esse seu senso prático realmente me espanta, garoto. Veja
bem...
- Sem ter que ficar gemendo, fazendo caras e bocas, suando
um em cima do outro. Eca!! Arghhhh! Sinceramente, pai, quando me disseram que o
processo era desse jeito eu custei pra assimilar a ideia. Achei a coisa toda
muito suja, o ritual é nojento. Um órgão excretor dentro de outro órgão
excretor, tem algo muito errado nisso. Ah, tem.
- Ai, ai, ai, você diz isso porque mal está entrando na
puberdade. Deixa os hormônios começarem a explodir nessa sua carinha lisa e
depois a gente volta a conversar.
- Uma outra coisa que eu não consigo entender é que,
geralmente, tudo começa dentro da tela, certo? O encontro entre duas pessoas de
sexo oposto, no caso. Depois elas vêm pro mundo aqui fora, se conhecem
pessoalmente, namoram, se casam e não demora muito para que de novo passem a
ficar dia e noite com a cara enfiada no computador. Dá pra me explicar o
sentido disso? Por que saíram de lá, então? Por que não deixam tudo virtual
logo de uma vez?
- Filho, a atração entre os sexos é que garante a
preservação da espécie. Olha só: a pessoa estuda, trabalha, junta algum
dinheiro e depois o que faz? Arruma uma cara metade e começa a fazer nenê. É
assim sempre, sem distinção de cor, credo ou classe social. Imagina um sujeito
milionário, por exemplo. Ele compra uma mansão, um iate, uma Ferrari... e no
fundo pra quê? Pra enfiar uma mulher dentro da Ferrari, mostrar a casa linda
dele pra ela, arrastar a moça pro quarto, no quarto rolar pra cama e aí então
fazer aquilo. O mundo gira em torno daquilo, menino. É a sonhada consequência
de todos os esforços.
- Ok, mas depois que se emporcalham com aquilo, o que é que
os dois fazem? Dão uma descansada, limpam os pentelhos e secreções alheias que
grudaram em seus corpos e voltam, rapidinho, para os seus tablets e notebooks -
loucos pra verem o que é que tem de novo, o que é que aconteceu enquanto
perdiam tempo fazendo uma coisa sem nenhum sentido prático.
- Eu não acredito no que estou escutando. Se bem que, como
pai, é até um alívio que você pense assim. Continue nessa, filhão. Papai dá o
maior apoio.
- Me diz, pai, é tão irresistível assim a vontade de fazer
filho?
- Não, não. Na maioria das vezes, filho é o que o casal
menos quer.
- Então porque prosseguem com os movimentos ritmados de vai
e vem?
- Porque é gostoso.
- Espera aí, tem alguma coisa que não tá encaixando. É
gostoso fazer uma coisa que eles querem evitar?
- Eles evitam o filho, não o ato.
- Mas o ato não é pra ter filho???
© Direitos Reservados
Marcelo Pirajá Sguassábia é
redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e
eletrônicas.
Blog:
Email: msguassabia@yahoo.com.br
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