IRA DE ZEBEDEU
Mary_Salome_and_Zebedee_with_their_Sons_James_the_Greater_and_John_the_Evangelist - wikimedia commons
É claro que estou no céu, junto dos meus dois célebres filhos: João e Tiago, ambos apóstolos de Jesus Cristo. Moro no paraíso mas minha autoestima há mais de 2000 anos vive nos quintos dos infernos.
Que não existam muitas pessoas que se chamem Judas, Herodes ou Pôncio, vá lá, justifica-se. Mas a que se deve a ausência de Zebedeus nas certidões de nascimento pelo mundo afora? Meu nome é tão bíblico quanto os nomes de meus filhos, embora meus dois rebentos apareçam mais vezes que eu nas Sagradas Escrituras.
A propósito, pai de santo
(não confundir com a autoridade da Umbanda), e no meu caso de dois santos,
deveria com toda justiça ser tratado como santo também. No entanto, milhões
pessoas se chamam João e outras milhões são batizadas como Tiago. Mas por acaso
alguém conhece outro cristão, além de mim, que se chame Zebedeu?
Uma
explicação para essa repulsa talvez esteja no fato de que Zebedeu é quase um
anagrama de Belzebu. Sim, é uma hipótese. Assim como é provável que muitos
desistam de criar xarás deste que vos fala porque a criança seria a última a
constar nas listas organizadas por ordem alfabética - ficando à frente apenas
de improváveis Zildas, Zoroastros e Zulmiras. Outros podem alegar que o nome
simplesmente é feio que dói, mesmo que este seja um critério subjetivo.
É
bom lembrar ainda o desserviço que prestam alguns dicionários, ao definirem
"Zebedeu" como burro, palerma ou abestalhado, disseminando mais e
mais a maldição zebedêutica. Oh, Senhor dos Aflitos, o que será que fiz de
errado para merecer tanta e tão injusta humilhação? Mais triste ainda é ver
aqueles que recebem meu nome como apelido infame, muitas vezes horrivelmente
grafado como "Zé Bedeu". Também já me impuseram a vergonha de
associar minha sagrada pessoa a grupos de forró, blocos carnavalescos e duplas
sertanejas de mal afamado repertório, o que é ainda mais grave e ultrajante para
quem sempre andou na linha enquanto esteve na Terra.
Fosse
meu nome mais bonito, certamente a Igreja há séculos já teria me canonizado.
Mas não, fui sendo posto de lado e vendo, com indignação, gente bem menos santa
sendo elevada à santosfera sem maiores embaraços teológicos ou burocráticos.
Chega,
é hora de reabilitar minha moral na praça, custe o que custar! Para isso, deixo
desde já bem clara a minha intenção de abençoar pessoalmente e proteger cada
passo da vida do sujeito que batizarem com meu nome. Será coberto de
bem-aventuranças e terá minha intercessão exclusiva em favor dele junto à alta
corte celeste. Isso eu juro, ou não me chamo Zebedeu.
© Direitos Reservados
Marcelo Pirajá Sguassábia é
redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e
eletrônicas.
Blog:
Email: msguassabia@yahoo.com.br
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