DORIVAL NÃO ERA ASSIM
imagem: wikimedia commons
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Estou lhe dizendo e tenho como provar. Fui o personal trainer do Dorival Caymmi
de 1976 até o dia do desencarne. Ele fazia a vida toda o marketing da preguiça
baiana, essa é que é a verdade. Ninguém chegaria aos 94 se entupindo de vatapá,
espraiado na rede e só saindo dela para ficar se lamentando de saudade da
Bahia.
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Mas nenhum baiano fez isso tão bem quanto ele.
- Lógico.
Quem sou eu pra questionar? Mas se tinha tanta saudade assim da terra dele,
porque não voltava logo de uma vez pra lá? Podia morar onde bem entendesse, o
homem era mito, monstro sagrado. Ele não queria era sair do Rio de Janeiro, da
academia de ginástica particular que tinha em casa, das doses cavalares de Mega
Mass.
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Você é um caluniador, está chutando cachorro morto. Cometa suas infâmias com
quem é vivo e pode se defender. O que você quer é difamar o bom nome do ícone
da letargia soteropolitana. A malemolência malandra do brasileiro deve muito ao
sábio sedentarismo de Dorival.
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Pois eu lhe digo que o homem puxava ferro como ninguém, meu amigo, das quatro
às sete e meia da manhã, inclusive aos domingos. E depois dos aparelhos de
musculação vinham as sessões infindáveis de abdominais e bicicleta ergométrica
na carga máxima. Aí quando chegava a imprensa ele escondia tudo, me dispensava
mais cedo e vinha com aquela conversa que não fazia esforço pra não gastar o
corpo, que esse era o segredo da longevidade, a baboseira toda que você já
conhece e que a mídia só foi ajudando a espalhar. Baiano esperto, espertíssimo.
Aquele andar moroso era cansaço físico. Era fadiga muscular, ligamento estirado
e outros transtornos de quem pega pesado demais na malhação. E o Brasil inteiro
pensando que o homem ficava ensaiando três dias antes de se levantar pra fazer
xixi...
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Mas e a barriga? Quem faz tanto exercício assim fica lisinho de abdômen.
- Já
viu alguma foto dele de barriga de fora?
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Não.
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Pois então. O que parecia ser barriga debaixo da camisa era enchimento, e
enchimento de chumbo - o que ajudava ainda mais a manter a forma enquanto ele
ia pras gravações, programas de auditório e coletivas de imprensa. Uma vez,
quase que um paparazzo deu um flagra.
A cortina da sala tinha ficado um pouco aberta e ele estava em pleno trabalho
de tríceps, com a toalha em volta do pescoço e mamando isotônico de canudinho.
Foi depois disso que eu disse a ele pra trocar o squeeze por um coco verde de
plástico com revestimento térmico.
- Sei,
sei. Você quer é ganhar holofote e dinheiro com essa história. Aposto que já
tem um livro pronto, coisa de jornalista decadente e endividado que aparece do
nada com biografia caluniosa não autorizada, feita pra criar polêmica e arrumar
encrenca judicial com a família do morto.
-
Olha, esse desaforo eu vou fingir que não escutei, tá certo? Outra falácia foi
o que alegaram como sendo a causa mortis
do Dorival: um câncer renal. Faz-me rir, se soubessem o quanto eu alertei o
Caymmi pra pegar leve... mas ele era teimoso e dizia que ia fazer só mais um
pouquinho de exercício. E aí era mais uma série de 100 flexões, no outro dia
mais 200, depois 500 a
mais do que o recomendado pra idade dele. Não demorou muito para o dia fatal.
Ele tinha terminado o step e foi direto pro halteres, começando com 150 quilos.
Fez 22 levantamentos consecutivos, depois 40 minutos de esteira a 25 km por hora. Quando ia sair
para se abastecer de anabolizante, a máquina finalmente entrou em pane irreversível
e o maior atleta baiano de todos os tempos foi encontrar Mãe Menininha.
- Sei... aquela que todo ano vencia a maratona de Nova York,
né?
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Marcelo Pirajá Sguassábia é
redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e
eletrônicas.
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Email: msguassabia@yahoo.com.br
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