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sábado, 16 de fevereiro de 2013

DORIVAL NÃO ERA ASSIM




imagem: wikimedia commons



- Estou lhe dizendo e tenho como provar. Fui o personal trainer do Dorival Caymmi de 1976 até o dia do desencarne. Ele fazia a vida toda o marketing da preguiça baiana, essa é que é a verdade. Ninguém chegaria aos 94 se entupindo de vatapá, espraiado na rede e só saindo dela para ficar se lamentando de saudade da Bahia.

- Mas nenhum baiano fez isso tão bem quanto ele.

- Lógico. Quem sou eu pra questionar? Mas se tinha tanta saudade assim da terra dele, porque não voltava logo de uma vez pra lá? Podia morar onde bem entendesse, o homem era mito, monstro sagrado. Ele não queria era sair do Rio de Janeiro, da academia de ginástica particular que tinha em casa, das doses cavalares de Mega Mass.

- Você é um caluniador, está chutando cachorro morto. Cometa suas infâmias com quem é vivo e pode se defender. O que você quer é difamar o bom nome do ícone da letargia soteropolitana. A malemolência malandra do brasileiro deve muito ao sábio sedentarismo de Dorival.

- Pois eu lhe digo que o homem puxava ferro como ninguém, meu amigo, das quatro às sete e meia da manhã, inclusive aos domingos. E depois dos aparelhos de musculação vinham as sessões infindáveis de abdominais e bicicleta ergométrica na carga máxima. Aí quando chegava a imprensa ele escondia tudo, me dispensava mais cedo e vinha com aquela conversa que não fazia esforço pra não gastar o corpo, que esse era o segredo da longevidade, a baboseira toda que você já conhece e que a mídia só foi ajudando a espalhar. Baiano esperto, espertíssimo. Aquele andar moroso era cansaço físico. Era fadiga muscular, ligamento estirado e outros transtornos de quem pega pesado demais na malhação. E o Brasil inteiro pensando que o homem ficava ensaiando três dias antes de se levantar pra fazer xixi...

- Mas e a barriga? Quem faz tanto exercício assim fica lisinho de abdômen.

- Já viu alguma foto dele de barriga de fora?

- Não.

- Pois então. O que parecia ser barriga debaixo da camisa era enchimento, e enchimento de chumbo - o que ajudava ainda mais a manter a forma enquanto ele ia pras gravações, programas de auditório e coletivas de imprensa. Uma vez, quase que um paparazzo deu um flagra. A cortina da sala tinha ficado um pouco aberta e ele estava em pleno trabalho de tríceps, com a toalha em volta do pescoço e mamando isotônico de canudinho. Foi depois disso que eu disse a ele pra trocar o squeeze por um coco verde de plástico com revestimento térmico.

- Sei, sei. Você quer é ganhar holofote e dinheiro com essa história. Aposto que já tem um livro pronto, coisa de jornalista decadente e endividado que aparece do nada com biografia caluniosa não autorizada, feita pra criar polêmica e arrumar encrenca judicial com a família do morto.

- Olha, esse desaforo eu vou fingir que não escutei, tá certo? Outra falácia foi o que alegaram como sendo a causa mortis do Dorival: um câncer renal. Faz-me rir, se soubessem o quanto eu alertei o Caymmi pra pegar leve... mas ele era teimoso e dizia que ia fazer só mais um pouquinho de exercício. E aí era mais uma série de 100 flexões, no outro dia mais 200, depois 500 a mais do que o recomendado pra idade dele. Não demorou muito para o dia fatal. Ele tinha terminado o step e foi direto pro halteres, começando com 150 quilos. Fez 22 levantamentos consecutivos, depois 40 minutos de esteira a 25 km por hora. Quando ia sair para se abastecer de anabolizante, a máquina finalmente entrou em pane irreversível e o maior atleta baiano de todos os tempos foi encontrar Mãe Menininha.

- Sei... aquela que todo ano vencia a maratona de Nova York, né?



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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
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