MORRA, MATA, MORRA
Pra dar jeito nessa mosquitada, que
bota a gente de cama, só mesmo a golpe de machado. “Tem é que deitar abaixo
essa floresta dos diabos”, já dizia o sábio Firmino, meu bisavô, com muita
propriedade. Aliás, propriedade é o que não faltava para o velho. Quando morreu
de maleita, deixou para meu avô, pai de minha mãe, mais de 17 fazendas, duas
delas com os seringais mais produtivos da região norte.
Com um pelotãozinho de dúzia e meia de
agentes do Ibama para tomar conta desses milhões de hectares, fica fácil
depenar a vegetação nativa. A imprensa do sul maravilha diz que, só em 2014, a
área desmatada foi equivalente a 24 mil campos de futebol. Do lado bom da
faxina ninguém fala: sabe lá quantas espécies de insetos e outras pragas
peçonhentas foram felizmente dizimadas com essa assepsia providencial?
Gente come carne. Gente que não come
carne, come soja. Pois eu vendo a carne pros carnívoros e a soja pros
naturebas. Mas o grosso mesmo da soja vai para o bucho dos bois. A conta é essa
– metade do descampado para o gado, a outra metade para produzir a comida dele.
Conheço o desastre disso, sei bem o
estrago que faz. Faltando umidade e evaporação aqui nas bandas borrachentas vai
faltar chuva lá embaixo, no Sudeste. Mas aí eu ganho dinheiro de novo: tem
autoridade em Manaus propondo a implantação de aquadutos para abastecer São
Paulo, Rio e Minas com a água que transborda por aqui. O que o messiânico salvador
da pátria não sabe é que essa tubular muralha da china vai ter que passar em
cima das minhas terras, que vão ser desapropriadas. Com a indenização, que não
vai ser pouca, eu compro mais terra a preço de banana e juro subsidiado pelo
governo. Ladrãozinho como ele só, pra gente como eu esse governo é mais que
bom. É quase um sócio.
Essas novas terras serão de mata cerrada, com
madeira de lei pra exportar. Um ano de motosserra comendo solta e eu garanto:
não sobra um cipó pra contar a história. Com a dinheirama das toras eu encho de
gado o que era floresta imprestável. Caso o pasto não seja lá essas coisas, as
minhas fazendas de soja vão dar conta da ração. E que seja grande a flatulência
do rebanho - quanto mais metano no ar maior o efeito estufa, atazanando a vida
do povo lá no sul, que vai precisar ainda mais da água que o papai aqui vai
mandar pelo aquaduto.
Se a farinha é pouca, o meu pirão
primeiro. Mas nem esquento a cabeça porque a farinha por enquanto é muita, e eu
mereço que seja. O meu pirão eu quero com sustança, bem servido mesmo, pra
comer, repetir e arrotar. Que dê e sobre para mim e para os netos dos meus
netos. O resto eu quero que se dane.
O
aumento vertiginoso do desmatamento da Amazônia é mais um resultado
catastrófico do desgoverno que aí está. A continuar esse quadro, não é
descabida a possibilidade da perda de soberania e a intervenção de organismos
internacionais para conter a devastação. Entendo que um país só merece ser
soberano quando demonstra responsabilidade e respeito pelo que lhe pertence.
Não é esse absolutamente o caso.
Direitos Reservados
0 Comentários:
Postar um comentário
<< Home