400 MILHÕES DE LIBRAS
Tomo a palavra nesta tribuna para, em nome da nossa
comissão, me manifestar a respeito da confecção das cartilhas com o alfabeto
Libras - Língua Brasileira de Sinais, popularmente conhecido como alfabeto do
surdo-mudo.
Temos hoje no país aproximadamente 2 milhões de indivíduos
com deficiência auditiva severa, que não querem e não merecem ser tratados como
gente de segunda categoria. Por sua vez, os esforços de inclusão social
empreendidos pelo governo vêm privilegiando sobretudo as pessoas com
necessidades especiais, merecedoras do nosso respeito e do inalienável direito
à cidadania.
Isto posto, decidimos inovar, produzindo algo diferente do
costumeiro abecedário dos surdos impressos em grafiquetas de esquina e com
aquelas mãozinhas horríveis uma ao lado da outra, mostrando letra por letra.
Queríamos algo que de fato prestigiasse a notável e pujante categoria dos
surdos, que numericamente justificaria inclusive uma bancada que os
representasse no Congresso.
Assim, um lote de cartilhas foi confeccionado com fotos de
Sebastian Salgado e Bob Wulfenson, tendo os sinais das mãos executados por
celebridades e socialites de todos os Estados brasileiros. O outro lote
deixamos a cargo do renomado artista plástico Romero Brites, que aceitou a
encomenda e criou para cada sinal um quadro exclusivo, empreitada que lhe tomou
mais de um ano de trabalho. Em ambos os casos, o resultado foi maravilhoso. E a
satisfação que tivemos depois de tudo pronto foi muito maior que a nossa
amargura pelas caluniosas suspeitas de superfaturamento que pairam sobre a
nossa comissão.
Fomos duramente questionados pelo fato de imprimirmos 400
milhões de cartilhas. Entendemos que não há exagero nessa quantidade, uma vez
que os deficientes auditivos já conhecem o alfabeto Libras e, consequentemente,
os livrinhos não se destinariam a eles, e sim à população em geral - que
desconhece a linguagem e que precisa dela para se comunicar com os surdos.
Se fôssemos seguir a lógica de alguns parlamentares da
oposição, que entendem que as cartilhas com o Código Libras deveria ser
distribuída apenas entre os surdos, evidentemente que 400 milhões seria uma
tiragem absurda, já que cada surdo receberia 200 cartilhas, num verdadeiro
atentado aos cofres públicos.
Mas o nosso raciocínio foi muito mais abrangente e
democrático. Arredondando a população brasileira para um total de 200 milhões
de habitantes, e sendo conveniente que cada cidadão receba dois exemplares (um
para ter sempre à mão e outro para deixar em casa, na eventualidade de algum
extravio), chegamos ao número de 400 milhões. Justo e sem desperdício.
Desse montante, alguns poucos milhares de cópias serão
separadas para envio a organismos internacionais e embaixadas de países com os
quais mantemos relações diplomáticas. Assim mostraremos ao mundo a
sensibilidade do governo federal em relação ao problema e os vultosos
investimentos que destinamos para minimizá-lo.
A próxima etapa, ainda em fase de licitação de fornecedores,
consiste em exibir o alfabeto Libras na forma de animações 3D, em gigantescos
painéis de LED afixados nas praças públicas e estações de metrô. Dessa maneira
poderemos disseminar, em outras e ainda mais atraentes mídias, esse importante
instrumento de integração genuinamente brasileiro.
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