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sábado, 25 de abril de 2009

UM PARA O OUTRO


Tá certo que ele não era nenhum conhecedor profundo do moderno cinema iugoslavo. Mas ela também não era nenhuma marchand francesa especializada na fase azul de Picasso ou nas esculturas de Rodin. Tá certo que ele não era nenhum master-franqueado do Instituto Kumon, com 25 unidades só no Centro-Oeste e ótimas perspectivas de expansão. Mas ela também não tinha propriamente onde cair morta, e se tinha não sabia o número da sepultura nem o cemitério.

Tá certo que ele não era nenhum prodígio musical, capaz de assobiar as 32 sonatas de Beethoven de trás para a frente e em ordem cronológica de composição. Mas ela também não arriscava nem o “Atirei o Pau no Gato” debaixo do chuveiro e sem ninguém em casa.

Tá certo que ele não era nenhum Tom Cruise, ainda que seu convênio médico cobrisse cirurgia para correção de astigmatismo congênito em grau severo. Mas ela também era um estrago natural à prova de photoshop, e estava a léguas de distância da última colocada no Miss Birigui 1978, edição do evento especialmente pródiga em mulheres corcundas e fora do peso.

Tá certo que ele não era nenhum espertalhão pronto a dar o bote, sendo notória sua semelhança fisionômica com Mister Bean – com a diferença que este último amealhou uma montanha de dinheiro com sua cara de idiota. Mas ela também não era nenhuma megera movida a terceiras intenções, e não consta na delegacia boletim de ocorrência envolvendo seu nome.

Tá certo que ele não era nenhum iogue indiano, evoluído espiritualmente a ponto de ingerir um basculante de estrume com um sorriso nos lábios, em piedoso sacrifício pelo bem da humanidade. Mas ela também não nascera Madre Teresa de Calcutá, e trocaria sem pestanejar sua alma por um naco de quebra-queixo, desde que com bastante gengibre.

Tá certo que ele não era nenhum exemplo de autoestima, se considerarmos as três ou quatro vezes em que foi encontrado com o gás ligado e a cabeça dentro do forno, além de outras tantas em que o flagraram ouvindo a Perla no volume máximo (e no banheiro, onde o perigo é maior devido ao eco). Mas ela também não tinha motivos para nutrir por si mesma a mais remota simpatia, tanto que uma não olhava para a cara da outra quando se cruzavam no espelho.

Tá certo que eles não eram nenhum casal modelo. Ainda assim apaixonaram-se, casaram-se e previsivelmente não foram nem um pouco felizes. Mas também, antes mal acompanhados do que sós.


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sábado, 18 de abril de 2009

PRIMEIRO CONGRESSO INTERESTADUAL DOS PROFISSIONAIS DE TELEMARKETING


Desafios e perspectivas de um setor em vigoroso crescimento e em vias de extinção. De 23 a 27 de Julho de 2009, em Barra do Piraí – RJ.

Programação – 23/07/2009

FÓRUM DE DEBATES
Regulamentação e valorização profissional do operador de telemarketing versus lei que cria o Cadastro Estadual para Bloqueio do Recebimento de Ligações de Call Centers. Como contornar esta contradição?

PALESTRA DO DIA
O best-seller “O Segredo” e a Lei da Atração aplicados aos Call Centers e afins. O verbo vender dando sentido à vida e fundamento ao universo.

Coffe-break

MESA REDONDA
A lei que estabelece em 60 segundos o tempo máximo de espera para atendimento telefônico nos SACs.
“Um minuto de tolerância não é atendimento. É gincana, meu rei” – Depoimento de Carlinhos Girafanti, atendente em Salvador – BA.


Programação – 24/07/2009

FÓRUM DE DEBATES
Gerundismo: promovendo o controle eficaz do vício. Estaremos discutindo, debatendo, analisando e propondo alternativas para os compulsivos. Workshop com demonstração prática de casos crônicos com animadoras perspectivas de regeneração.

PALESTRA DO DIA
Crise econômica mundial: vamos fazer uma limonada com este limão. O desemprego crescente significa mais gente em casa para atender o telefone, e é preciso que o profissional do setor saiba tirar proveito desta preciosa oportunidade.

Break sem coffee (efeito da crise)

MESA REDONDA
O “tu-tu-tu” x a revolucionária tática “sim-sim-sim”: saiba porque concordando três vezes consecutivas com seus argumentos as chances de fechamento de negócio são 96% maiores.


Programação – 25/07/2009

FÓRUM DE DEBATES
O método “Vendendo pelo Cansaço” e seus 8 passos: abordagem, apresentação, explanação, argumentação, chateação, apelação, insistência e rendição.

PALESTRA DO DIA
Novas tecnologias: 72 músicas de espera inéditas para o seu negócio, incluindo “Bilu Teteia”, “A velha debaixo da cama” e aquela uma do Gonzaguinha.

Coffee-break:
Para café puro, tecle 1
Para suspirinho de padoca, tecle 2
Para bolacha com goiabinha no meio, tecle 3
Para suco aguado com sanduíche de metro de anteontem, tecle 4
Para voltar ao menu principal, tecle 5

MESA REDONDA
Profissional de telemarketing também é gente: como reclamar ao PROCON se o sujeito que atende o telefone desrespeita o seu direito de insistir.


Programação – 26/07/2009

FÓRUM DE DEBATES
Exibição de documentário sobre o call-center da Golden Selecta Minnesota Trading, que instituiu a jornada ininterrupta de 72 horas com administração intravenosa de nutrientes substituindo as pausas para refeições e, consequentemente, as posteriores necessidades fisiológicas.

PALESTRA DO DIA
Vendendo Fanta Uva como quem vende Coca-Cola: ao contrário do que se pensa, esquimós compram geladeiras. E estão ávidos por novos modelos.

Coffee-break

MESA REDONDA
Tele-assédio sexual: lidando profissionalmente com as inevitáveis “cantadas”.
Situações adversas: procedimentos a serem adotados quando o dono da linha diz que o dono da linha está pescando em Mato Grosso e só volta daqui a 3 meses.


Programação – 27/07/2009

FÓRUM DE DEBATES
Televendas com ligação tarifada: quando deixar o cliente esperando é mais negócio para a empresa.

PALESTRA DO DIA
Ocorrências extremas: mantendo a serenidade e a polidez quando o interlocutor sugere tomar bem no meio do olho de determinada parte anatômica. Descrição de um case de sucesso que terminou em casamento, com a presença e o testemunho dos nubentes.

MESA REDONDA DE ENCERRAMENTO, COM ENTREGA DOS CERTIFICADOS DE PARTICIPAÇÃO.



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sábado, 11 de abril de 2009

ENCOUNTRY O SUCESSO


Valdivino & Laudislano são um estouro nas paradas. Um sucesso talvez maior que mil estouros de boiada, coisa que nenhum dos dois viu de perto na vida, embora se proclamem cantores sertanejos como Januário & Vespertino, com seus cinturões dourados comprados numa excursão ao Mississippi. Dupla que por sua vez, a exemplo de Furacão & Hurricane, está com a agenda de shows lotada até julho de 2010 em feiras agropecuárias onde não há agricultura e muito menos pecuária. Talentos que não ficam nada a dever a Christóvão & Christino, que quase largaram a estrada com ameaça de gangrena nas pernas, fato idêntico ocorrido a Juanito & Ranulfo, por causa da compressão das calças excessivamente agarradas.

Essa maciça e inconteste consagração popular faz lembrar os trinados rouxinolescos de Joracy & Jurabel, guardiões da nossa legítima música de raiz, ainda que a única raiz que conheçam seja a raiz forte servida no restaurante japonês caríssimo que frequentam nos Jardins. Os mesmos Jardins que abrigam os empresários artísticos de Tiago & Risério, Suzano & Bebeto e Wilson José & José Wilson, reis absolutos do cancioneiro arranca-toco, sem que jamais suas caminhonetes 4x4 cabine sêxtupla tenham passado perto de um caminhão de bóias-frias. Frutos consagrados da roça como Alexandrino & Dito da Tulha, com suas taperas e ranchinhos fincados em Alphaville, suas aparições compradas nos programas de auditório e suas cotas de 48 páginas/ano de fotos no Castelo de Caras.

Nenhum outro duo, todavia, tem levado tão a sério o trabalho de preservação das tradições caipiras quanto Caio Morotti & Feliciano, cujas reboladinhas country e solinhos de banjo resgatam às novas gerações o folclore de Kentucky e Massachusetts. Ídolos que sofreram forte influência dos inimitáveis Osmar & Arsênio, dupla com apresentações-surpresa e merchandising garantidos até a edição 15 do Big Brother Brasil, aquele reality show roteirizado pela equipe de redatores da Rede Globo.

O fato é que o Olimpo da autêntica moda de viola é pródigo de estrelas. Só mesmo alguém com estrume na cabeça poderia deixar de reconhecer a contribuição decisiva de Bruna & Torrone, Aladin & Lâmpada Maravilhosa e Andrezinho & Rodrigão para o sucesso dos leilões de gado empreendidos por esse Brasil sem porteira. O caviar russo e as doses cavalares de Blue Label ali servidos de nada adiantariam sem os megashows dessa turminha rural – que verdadeiramente embala e alavanca os lances mínimos de 500 mil reais por uma colher de sopa de sêmen de zebu premiado.

Meu amigo, eu diria que esse é o lado maravilhoso da chamada globalização: o Texas fica em Pindamonhangaba e vice-versa. Dá orgulho ver os nossos jecas e matutos tornando-se tão idênticos a um farmer anglo-saxônico, ainda que só na roupitcha. Cabe a nós valorizar e levar adiante essa bandeira multicultural. Às vezes ouço falar, meio por alto, de outros nomes menos conhecidos: Tonico & Tinoco, Tião Carreiro & Pardinho, Cascatinha & Nhana, Pena Branca & Xavantinho. Confesso minha ignorância. Seriam novas duplinhas country? Se tiverem mesmo talento, logo logo estarão na TV. É esperar para ver.

sábado, 4 de abril de 2009

NOTURNO EM DÓ


Ai meu Deus, o sono que carecia, nenhuma sombra de gente dando sinal de chegar. Virou-se para o outro lado. O toque fresco do lençol grosso de linho, o bafo dessa noite quase dia. A franja do cobertor, as cócegas no queixo, a pena de gastar a vida assim nesse sei lá.

- Mamãe, papai, Oscar, vocês prometeram que não iam demorar. Eu contava as horas, eu roía tanto as unhas. Fazia como os presos, cada dia um risquinho na parede.
Esse nada que não cessa, o baile de debutantes, bocas e colos, gravatas e vestidos longos. Era a última coisa que conseguia lembrar, o baile.


- Não resisto mais um dia. Quanto quero vocês todos, se soubessem. Parecia agora não ter ossos, uma larva sobre o leito. Flash, fast rewind. Alguém de chapéu panamá chegando, o couro do cinto, os vergões e a vergonha. Tinham-lhe aplicado uma injeção, quando deu por si estava ali, coisa solitária e quase sempre insone. Deus, de novo. O padre chegando para a extrema unção. Os olhos que a terra há de comer já podiam ver os vermes avançando sobre as íris. De novo o baile e seus cacos liquidificados. Éter e clorofórmio, o lança no lenço, lá pelas tantas a big band. Foi assim, ou assim lhe pareceu. Para chamarem uma ambulância era porque estava mesmo na pontinha do penhasco. Via caras que vinham, olhavam e voltavam dando lugar a outras caras, todas desconhecidas. Nem papai, nem mamãe, nem Oscar. Cadê vocês, onde um tiquinho de alento, uma placa indicativa?


Aquela mulher a quem nomeara mentalmente de Izildinha Sobe-e-Desce, embora tivesse um enorme “Frida” escrito no crachá. De pegnoir, archote na mão e diamantes cavalares no pescoço, fazia rabanadas e ia servindo-as com chocolate quente às esculturas do jardim. Gargalhava, escarnecia e expunha-se ao escárnio. Os anões de cimento, cinzentos e mofados pela chuva em seus lombinhos. Elementais sem bucho e suco gástrico, sem hálito ou papilas gustativas, comendo freneticamente como se o mundo fosse acabar daqui a pouco. Pensava agora em anotar o que ocorresse aí por diante. Fazia sentido: as palavras disparando o gatilho da memória, um passo à frente dos risquinhos na parede. Mas temia que o amontoado de relatos não guardasse relação com o que a mente arquivasse. Seria como olhar para o barbante no dedo e se perguntar: isso era pra lembrar do quê?


Em posição fetal, espera. Não demora e vem o homem com o copo d’água, o comprimido, aquela camisa que aperta, o banho de sol.


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