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sábado, 27 de outubro de 2012

NOVAS REGRAS DO JOGO






Está causando alvoroço no setor de informática a recente determinação da presidência da república de obrigar a nacionalização temática de todos os videogames e games para computador. Para quem desconhece a medida provisória, a mesma estabelece que, no prazo de seis meses, os jogos eletrônicos terão de ter seus personagens e enredos adaptados para o contexto do folclore brasileiro e suas lendas.

Ao justificar a medida, a presidência apóia-se no argumento de que as nossas crianças e adolescentes, debruçando-se sobre seus consoles com heróis e vilões estrangeiros, acabam por esquecer completamente o rico elenco de figuras do nosso folclore - hoje relegadas a pequenos comentários nos livros didáticos do Ensino Fundamental.

Atenta ao prazo final determinado pela nova lei e buscando antecipar-se à observância das regras, a EA – Electronic Arts promete para as próximas semanas o lançamento do Cuca Soccer, com os maiores craques do mundo devidamente metamorfoseados com cabeças e caudas de jacaré. Já a Sega trabalha na substituição do porco-espinho Sonic pela Mula sem Cabeça, mudando também os cenários das diferentes fases do jogo para a amazônia, o pantanal matogrossense, as serras gaúchas e a chapada diamantina.

Microsoft e Sony optaram por entrar com recurso contra a medida provisória, por entenderem que a mesma acarretará uma vertiginosa queda nas vendas e no interesse do público pelos produtos adaptados. Os dois fabricantes atentam ainda para o fato de que o leque de personagens lendários brasileiros não é tão extenso, o que acabaria por restringir o número de títulos nas prateleiras e a criatividade dos desenvolvedores. "Ficamos limitados basicamente ao Boitatá, ao Saci Pererê, ao Neguinho do Pastoreio, ao Curupira e às já citadas Cuca e Mula sem Cabeça".

Outro problema levantado está na adequação entre personalidade das lendas e as  características dos jogos. "Como vamos substituir, no caso da Fórmula 1, o Fernando Alonso pelo Boitatá? Ele me parece um tanto lento para o cockpit, não acha?", argumenta o gerente de engenharia da Microsoft, empresa que produz o XBox.

Há dificuldades de ordem técnica praticamente incontornáveis. A notória deficiência física do Saci Pererê tornará impossível a adaptação do lendário afro-descendente ao Mortal Kombat, ao Street Fighter e a outros jogos de luta. Ele teria necessariamente que perder todas as pelejas que disputasse, o que tornaria o game previsível e sem atrativos. No entanto, alternativas vêm sendo discutidas para contornar o problema. Uma delas é fazer do Curupira o adversário do Saci, o que tornaria a disputa mais equilibrada, já que o dito cujo também é deficiente físico (tem os pés voltados para dentro, com os calcanhares para a frente e os dedos para trás).

Enquanto isso, sabe-se que a Pelopidinhas Advogados Associados já entrou com uma ação judicial em nome dos herdeiros do Curupira, que reivindicam royalties sobre o uso de imagem de seu célebre antepassado. Tais royalties corresponderiam a 3%das vendas dos novos cartuchos e DVDs, independentemente do fato do Curupira ser ou não o personagem principal do jogo. A fim de ganhar força na disputa judicial – que em casos dessa natureza tende a se arrastar por décadas, a família do Curupira cogita entrar com uma ação conjunta com os descendentes do Negrinho do Pastoreio. Já a viúva do Saci e as oito sobrinhas da Cuca anunciaram sua intenção de ceder definitivamente os direitos aos fabricantes de games mediante o pagamento de 1.680 salários mínimos a cada uma delas.

© Direitos Reservados



Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
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sábado, 20 de outubro de 2012

RESPONDENDO À SUA PERGUNTA






- Com todas essas denúncias comprovadas, o senhor ainda tem esperança de escapar livre?

- Pois é, a palavra é essa: livre. Se eu não tivesse lutado o que lutei contra a ditadura, não haveria imprensa livre. Nem você estaria me perguntando isso agora, seu moço. Me diz uma coisa, quantos anos você tem?

- Trinta e quatro.

- Então, olha só, você nem tinha nascido e eu já enfrentava a polícia e quem mais aparecesse pela frente pra que no futuro você pudesse crescer numa democracia, exercendo seus direitos de cidadão. Viu, seu ingrato?...

- O senhor não respondeu o que eu lhe perguntei.

- Não estou fugindo da pergunta, não. Você é que é muito insolente em levantar o que quer que seja contra a minha trajetória honrada. O que eu quero dizer é que o povo brasileiro tem essa dívida comigo. Eu mereço ficar livre porque nos anos de chumbo eu arrisquei minha própria vida pela liberdade. Meus torturadores foram anistiados, então é justo que se passe uma borracha sobre possíveis erros meus. Mas esse não é o caso, porque eu nada fiz de errado.

- Como o senhor explica as movimentações de dinheiro, o banco envolvido no esquema, as provas contundentes de corrupção ativa, os depoimentos todos...

- Eu caí numa trama sórdida, criada por gente inescrupulosa que não se conforma em não ter entrado para a história deste país como eu bravamente entrei. Gente com o apoio dos poderosos de sempre, que colocam seu arsenal midiático a serviço da calúnia e da infâmia.

- E as malas de dinheiro? E as contas no exterior? E os aumentos patrimoniais sem justificativa?

- Isso é tudo baboseira, intriga, joguinho rasteiro que não vai manchar meu nome de jeito nenhum, seu aprendiz de assistente de foca! Por que você não me pergunta sobre a melhor distribuição de renda, o aumento do poder aquisitivo da classe D, os investimentos nas casas populares e nas creches? Heim, heim? Por que não pergunta o que interessa de verdade pro povão?

- Consta que o senhor é um dos 1800 homens mais ricos do mundo. De duas uma: ou pegar em armas para combater os militares lhe rendeu muito dinheiro no passado ou o senhor recebeu uma fabulosa herança de família.

- A minha família é a nação brasileira. A ela devo tudo e por ela pautei todos esses anos a serviço da coisa pública.

- Mas...

- E chega de mas, mas, mas, meu amigo. Não tem nada nem ninguém que vai me meter medo não, seu frangote. Nem tanque de guerra conseguiu passar por cima de mim, fique sabendo.

- Nossa equipe de reportagem investigou e descobriu uma conta na Suíça cuja titularidade é o seu nome escrito ao contrário. O senhor confirma mais essa evidência de bandidagem?

- Ah, olha só, é você mesmo quem está me inocentando! Essa é a maior prova de que o meu nome é contrário a tudo isso. Você, que me acusa, agora está me dando um atestado de idoneidade. O povo brasileiro não é bobo, está vendo o quanto sou inocente e o quanto fui injustiçado!

- O cinismo do senhor é repulsivo... temos imagens de câmeras de segurança do congresso flagrando o senhor colocando maços e mais maços de dinheiro em bolsos de 25 deputados, numa única sessão, cinco dias antes de estourar o escândalo.

- Como vocês são maldosos...  eu posso e faço questão de explicar o ocorrido. É que o sobrinho de um amigo, que trabalha no setor que gera a folha de pagamentos da Câmara, estava de licença médica e pediu pra que eu lhe fizesse a gentileza de pagar o salário dos deputados em dinheiro, entende? Pronto, foi só isso. A gente quer ajudar e acaba se estrepando...


Esta é uma obra de ficção.
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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
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sábado, 13 de outubro de 2012

GUT, O GÊNIO





Farto de interfaces, conectores, entradas disso e saídas daquilo, o imberbe Jo-Jo Gut, nascido Johannes Gutenberg, promete pôr fim às invencionices estéreis de Zuckerberg, Gates e outros tolos informáticos que pensam ter concebido produtos e sistemas de alguma relevância para a humanidade.

Tímido, recluso e humilde como todos os gênios de verdade, o alemãozinho Gutenberg, mais conhecido como #gut no twitter, criou algo realmente revolucionário. Uma espécie de tábua que imprime textos e imagens diretamente sobre papel, sem necessidade do computador e de periféricos como impressora, scanner, cabos USB, discos graváveis, cartões de memória e outros mecanismos dispendiosos que interligam a plataforma em que se trabalha ao resultado final.

Analisando o processo atual - e insuportavelmente arcaico - de geração de um arquivo, vemos o quanto representa essa evolução. Observe os passos necessários para que se produza qualquer coisa utilizando os retrógrados recursos de que hoje dispomos:

- Ligar o estabilizador;

- Acionar o filtro de linha;

- Inicializar o computador;

- Fazer a varredura do antivírus e proceder à sua atualização via web;

- Gerar o texto em um programa editor;

- Gerar imagem em outro programa separado para depois juntá-la ao texto, numa sequência composta de diagramação e editoração;

- Uma vez pronto, salvar o arquivo - se possível providenciando um backup para o mesmo;

- Ligar a impressora e aguardar até que esteja pronta, verificando antes a alimentação de papel e tinta;

- Dar o comando de imprimir.


Agora, o genial atalho do Gutão:


- Prancha coberta de tinta e prensada sobre papel branco. Só, mais nada.

Nesses nossos tempos atrasados, os gadgets sem fio e de operação remota proliferam como ratões do banhado. Mimos caríssimos e de serventia duvidosa, que entram no mercado de consumo já pré-programados para que se tornem obsoletos em menos de três meses. E somos coagidos a levar debaixo do braço uma ou mais dessas horrendas traquitanas para que possamos nos comunicar, nos expressar, trabalhar e nos divertir.

Chamam a isso de mobilidade. Mas a mobilidade que rompe paradigmas é aquela que o visionário Gutenberg nos presenteia, através dos tipos móveis. Com o simples toque dos dedos, qualquer criança vai mudando as letrinhas da prancha e formando palavras e textos, a seu bel prazer. Quando impresso o trabalho - repito, sem nenhum equipamento complexo, que exija programas ou aplicativos - , as mesmas letrinhas são reorganizadas a fim de formarem uma mensagem diferente, de maneira lúdica, interativa e descomplicada.

Em entrevista recente, Gut profetiza o fim das redes sociais nos velhos e desgastados moldes que as tornaram populares - com avatares de pixels, perfis mentirosos, amigos que não se conhecem e outros barbarismos dos tempos das cavernas. Diz ele: "Literalmente, é hora dessa conexão cair e do ser humano perceber o quanto é estreito aquilo que denominamos banda larga. É chegada a hora e a vez da imprensa, do contato real e direto, que aproxime os homens dos seus semelhantes”. Em seguida, passou uma mão de tinta na sua tábua, prensou sobre uma folha de papel e exibiu aos jornalistas a mensagem: “O futuro começa agora”.


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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
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GUT, O GÊNIO





Farto de interfaces, conectores, entradas disso e saídas daquilo, o imberbe Jo-Jo Gut, nascido Johannes Gutenberg, promete pôr fim às invencionices estéreis de Zuckerberg, Gates e outros tolos informáticos que pensam ter concebido produtos e sistemas de alguma relevância para a humanidade.

Tímido, recluso e humilde como todos os gênios de verdade, o alemãozinho Gutenberg, mais conhecido como #gut no twitter, criou algo realmente revolucionário. Uma espécie de tábua que imprime textos e imagens diretamente sobre papel, sem necessidade do computador e de periféricos como impressora, scanner, cabos USB, discos graváveis, cartões de memória e outros mecanismos dispendiosos que interligam a plataforma em que se trabalha ao resultado final.

Analisando o processo atual - e insuportavelmente arcaico - de geração de um arquivo, vemos o quanto representa essa evolução. Observe os passos necessários para que se produza qualquer coisa utilizando os retrógrados recursos de que hoje dispomos:

- Ligar o estabilizador;

- Acionar o filtro de linha;

- Inicializar o computador;

- Fazer a varredura do antivírus e proceder à sua atualização via web;

- Gerar o texto em um programa editor;

- Gerar imagem em outro programa separado para depois juntá-la ao texto, numa sequência composta de diagramação e editoração;

- Uma vez pronto, salvar o arquivo - se possível providenciando um backup para o mesmo;

- Ligar a impressora e aguardar até que esteja pronta, verificando antes a alimentação de papel e tinta;

- Dar o comando de imprimir.


Agora, o genial atalho do Gutão:


- Prancha coberta de tinta e prensada sobre papel branco. Só, mais nada.

Nesses nossos tempos atrasados, os gadgets sem fio e de operação remota proliferam como ratões do banhado. Mimos caríssimos e de serventia duvidosa, que entram no mercado de consumo já pré-programados para que se tornem obsoletos em menos de três meses. E somos coagidos a levar debaixo do braço uma ou mais dessas horrendas traquitanas para que possamos nos comunicar, nos expressar, trabalhar e nos divertir.

Chamam a isso de mobilidade. Mas a mobilidade que rompe paradigmas é aquela que o visionário Gutenberg nos presenteia, através dos tipos móveis. Com o simples toque dos dedos, qualquer criança vai mudando as letrinhas da prancha e formando palavras e textos, a seu bel prazer. Quando impresso o trabalho - repito, sem nenhum equipamento complexo, que exija programas ou aplicativos - , as mesmas letrinhas são reorganizadas a fim de formarem uma mensagem diferente, de maneira lúdica, interativa e descomplicada.

Em entrevista recente, Gut profetiza o fim das redes sociais nos velhos e desgastados moldes que as tornaram populares - com avatares de pixels, perfis mentirosos, amigos que não se conhecem e outros barbarismos dos tempos das cavernas. Diz ele: "Literalmente, é hora dessa conexão cair e do ser humano perceber o quanto é estreito aquilo que denominamos banda larga. É chegada a hora e a vez da imprensa, do contato real e direto, que aproxime os homens dos seus semelhantes”. Em seguida, passou uma mão de tinta na sua tábua, prensou sobre uma folha de papel e exibiu aos jornalistas a mensagem: “O futuro começa agora”.


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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
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sábado, 6 de outubro de 2012

BIG BAD






"The Clock Tower", a torre que abriga o Big Ben, agora chama-se "Elizabeth Tower" - em homenagem aos 60 anos de reinado da Rainha Elizabeth. Talvez isso explique o fato da torre ter entortado 26 centímetros do dia para a noite. É como se o prédio estivesse se curvando em reverência à monarca, demonstrando seu respeito e gratidão pela fama conquistada. Porém, estando fora do eixo, fica a pergunta: conseguirá o Big Ben manter a histórica pontualidade, com o mecanismo do relógio penso para um dos lados? Que credibilidade terá o mais célebre dos marcadores de horas daqui pra frente, com seus ponteiros vacilantes e nada confiáveis?

O solo argiloso das margens do Tâmisa, as obras do metrô abaixo do parlamento britânico e falhas estruturais da construção, de 1858, são possíveis causas apontadas para o fenômeno. Não acredito em nenhuma delas, e tenho motivos para formular minha particular teoria da conspiração.

Creiam-me: há uma escavação em progresso nos seus pilares subterrâneos, capitaneada pelo Príncipe Harry e com o apoio logístico da Al-Qaeda. O plano é simples e maquiavélico. O buraco que irá deixar a torre sem sustentação prossegue sendo cavado em ritmo lento, madrugada após madrugada, pelos terroristas infiltrados como manobristas de estacionamento da Câmara dos Lordes, e assim continuará a empreitada até a morte da rainha, provavelmente por causas naturais.

Uma vez morta a figura máxima da Dinastia Windsor, o processo de escavação do alicerce será interrompido, para colocação de algumas toneladas de dinamite no lugar da terra retirada. Aproximando-se o cortejo fúnebre da Abadia de Westminster, onde certamente Elizabeth será enterrada, o perverso Harry, a uma distância segura tanto da torre quanto da igreja, ordenará via walk-talk a derrubada do monumento no exato instante em que passarem perto dele os Príncipes Charles e William, que antecedem Harry na linha de sucessão.

A rainha estará duplamente morta, William e Charles fora do páreo pelo trono e boa parte do primeiro e do segundo escalões da família real também estará dizimada, o que fará de Harry o legítimo rei - sem nenhuma possibilidade de contestação. Em seguida, começarão as investigações para apurar as responsabilidades pelo atentado. O novo rei descumprirá o combinado com a Al Qaeda e entregará para a polícia inglesa, através de denúncias anônimas, todos os terroristas envolvidos no imbroglio. Amaldiçoados pela mídia e pela opinião pública, contarão toda a verdade mas cairão no descrédito ao tentarem difamar Harry, o agora enlutado e solitário habitante de Buckingham.


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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
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