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sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

ENFIM, FORA DA CAIXA




Pessoal da Criação,

Primeiramente, em nome da Diretoria, nossos parabéns a todos os envolvidos pela conquista da nova conta.
Estamos livres para propostas inusitadas, totalmente "fora da caixa", desde que estejamos atentos a uns poucos porém determinantes "polices", que nos chegaram hoje via email.
- Não podemos criar frases iniciadas com "NÃO", ainda que esta mesma já desobedeça à regra.
- Um dos chefes de engenharia de produto tem avô mulato, e consta que a agência anterior apresentou um anúncio com fundo escuro, considerada por ele uma peça subliminarmente criada com o intuito de depreciar a raça negra, de maneira geral, e a sua própria família em particular.
- Nada na cor azul deve aparecer, nem em mídia impressa, nem nas peças de mídia eletrônica, pois azul é a cor predominante do principal concorrente. Essa regra vale para todo e qualquer elemento - do céu nas externas dos filmes aos mínimos objetos de cenografia.
- Nada na cor verde deve aparecer, nem em mídia impressa, nem nas peças de mídia eletrônica, pois verde é a cor predominante do segundo maior concorrente.
- Nada na cor vermelha deve aparecer, nem em mídia impressa, nem nas peças de mídia eletrônica, pois vermelha é a cor predominante do terceiro maior concorrente.
- Layouts no estilo clean, contudo, também precisam ser evitados. O gerente comercial da linha de termocondutores bifásicos considera espaço em branco um desperdício de dinheiro, e que cada centímetro de anúncio deve ser aproveitado com conteúdo sobre o produto, os pontos de assistência técnica ou os valores e a missão da empresa - necessariamente nessa ordem de prioridade.
- Fontes com serifa, nem pensar. Sem serifa, pior ainda. Não existe uma tipologia a ser seguida, portanto podemos ficar à vontade para sugerir a que acharmos melhor para cada circunstância. Desde que respeitando o supra citado - nem serifas, nem falta delas nas letras.
- A cada 20 palavras de texto, no mínimo 5 serão citações do nome do cliente e/ou de suas marcas.
- Os produtos cuja comunicação estarão agora sob nossa responsabilidade em nada se assemelham a chocolates, cervejas, brinquedos, sandálias e outros comprados por impulso. Seus consumidores são racionais e avaliam unicamente custo-benefício. Assim, toda e qualquer comunicação deve obedecer o seguinte modelo de apresentação: nome do produto/função/tabela de aplicações/benefícios/endereço/telefone/site.
- As observações acima integram o primeiro dos cinco anexos recebidos. As obrigatoriedades dos outros quatro serão enviados em seguida.

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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
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sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

ELE DELEGOU




Que não se conteste a infalibilidade do Arquiteto Supremo: na sua concepção original, a obra era realmente perfeita, e vinda Dele não poderia ser diferente. Mas, pelo que a ciência moderna vem apurando, Ele foi obrigado a delegar. Até porque Ele tinha - e sempre teve - mais o que fazer. E perder 7 dias com a criação dessa poeirinha cósmica que é o nosso planeta seria muito desperdício, mesmo o Autor sendo eterno.

É claro que, passando a bola a terceiros e tendo apenas uma semana de prazo para entrega das chaves, não ia dar pra ficar perfeito. Mundo perfeitinho, sem retoques, precisa de pelo menos uns 20 dias pra ficar pronto. Daí pra mais. Mal comparando com o falível plano terreno, é como muito arquiteto que tem por aí: inventa as coisas, larga na mão de gente mais ou menos e depois não aparece para acompanhar a obra. Aí, dá nisso: seres humanos com duas orelhas em vez de três, um nariz só no lugar dos quatro regulamentares, pescoços com torcicolo, coração que falha, artéria que entope fácil, chulé, hérnia de disco…

Do ponto de vista geológico, depois de pronto, parecia até que estava tudo em ordem no mundo. Mas não deu 4 bilhões de anos e já começaram a pipocar os problemas. Por exemplo, a porção de terra que existe no planeta. No projeto, era pra ser um bloco só - inteiriço, liso, bonitão. Na pressa, o barro desandou e depois de seco acabou rachando e ficou do jeito que é hoje, esses imensos pedaços de chão com água passando no meio, que a humanidade acabou organizando na forma de continentes e oceanos. Em seguida vieram as rachaduras, aparecendo pra tudo quanto era canto. O pessoal que mora no mundo chama de terremoto. Se acrescentassem um pouquinho mais de argila e rochas firmes na mistura, talvez evitassem esse problema. Agora é tarde pra reclamar, porque garantia de construção é de apenas 5 anos, aqui e em qualquer outro ponto do Universo.

Matéria-prima de segunda parece ter sido a causa das estrelas cadentes, que na verdade não foram concebidas para cair, bem como dos barulhentos gansos – que se dependesse do Criador seriam tão mudos quanto os cupins.

Nuvem não era para ter, o céu foi criado para ficar sempre aberto e azulzinho. Porém, para que não precisasse chover nunca, o sol tinha que ser colocado num ponto muito mais distante, a fim de que o excesso de calor não interferisse no equilíbrio biológico. Sempre esbaforidos e correndo contra o relógio, os empreiteiros instalaram o astro-rei onde deu, sem atinar com as consequências. Resultado: derretimentos polares, desertificação, tsunamis, efeito estufa e um sem número de outras anomalias. A lua até que ficou no lugar certo, embora não tenha lá muita serventia. Consta que o projeto inicial previa três outras luas, formando uma espécie de colar satelital ao redor do globo. Hoje se sabe que a ausência do adorno se deu por desvio de material, que acabou indo pra outra obra de lua em andamento, no planeta Júpiter. Que aliás tem 17 luas oficialmente reconhecidas, todas aparentemente inúteis.


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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
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sábado, 8 de fevereiro de 2014

UM DE CARNE E DOIS DE QUEIJO



Imagem: quecoisaboa.com.br


- Se você fosse assim, um grande vulto como diz, não estaria aqui vendendo pastel.
- Você fala de um jeito... vergonha é vender pastel ruim. O pessoal vem aqui comprar ouro com recheio de carne, queijo e palmito, meu amigo. Estou muito bem com meus 50 mil por dia.
- 50 mil reais?
- Não, 50 mil pastéis. A 3 reais cada um. Faz as contas.
- Nossa! Tá de brincadeira…
- Tendo em vista que 100% da humanidade considera o pastel frito a iguaria das iguarias, e sendo eu o autor do melhor pastel do mundo, não tenho do que reclamar... Meu amigo, a verdade é que muitos buscam a Deus, mas a maioria acaba cansando, baixa um pouquinho a expectativa e vem buscar pastel comigo.
- Mas…
- Ainda assim, fazem pouco do nosso ofício. Por exemplo, quando as pessoas usam a expressão "fritar pastel" no sentido figurado, querendo significar algo realizado às pressas, que se faz de qualquer jeito. Nada tão longe da verdade, pelo menos no meu caso. Se bem que, por outro lado, eu até acho bom que os outros pasteleiros "fritem pastel" mesmo, assim eu me sobressaio ainda mais. Existem pastéis e existe o meu pastel, compreende?
- E a garapa da sua banca? Vai me dizer que também é a melhor do sistema solar?
- É a única à altura da minha obra-prima. Mais cremosa, impossível. Tem Certificação ISO desde 2002 e título de patrimônio imaterial da humanidade, pela Unesco.
- Espera aí, eu acho que…
- E digo mais: tá vendo aquele quadrinho do lado do alvará da prefeitura? É o autógrafo do Paul McCartney. Quando veio aqui pediu só de palmito, porque é vegetariano. Depois de se entupir, tirou foto com os empregados e saiu com dois rolos de massa de pastel debaixo do braço. Toda quarta, às quatro e meia da manhã, o Alex Atala aparece na minha barraca. Disfarçado, mas vem. Pede sempre dois de carne, um de palmito e se empapuça de garapa direto no bico da jarra, nem pede copo. Outra freguesa firme é a Glorinha Kalil. Mas essa eu nunca vi, a gente entrega a encomenda em casa. O Caetano, quando vem fazer temporada em São Paulo, liga pedindo uma boa remessa pro camarim dele. Aliás, numa das nossas conversas ele jurou que a minha banca fazia parte da letra de "Sampa", mas no fim ele teve que tirar porque não dava rima...
- Mas você concorda que eles não admitem publicamente o vício do pastel, certo?
- Olha, você pensa o que quiser. Sua inveja não vai diminuir minha fama e nem minha autoestima. No tempo em que você está aí me atirando pedra, a assessoria da Dilma me manda torpedo pedindo pra entregar duas dúzias no salão do Wanderley Nunes, pra Presidente dar uma forrada enquanto corta o cabelo.
- Tá, no seu caso a distinta freguesia é distinta mesmo. Então porque não faz uma versão "select" da banca, com pastel de caviar e Prosecco?
- Porque ia ser um fiasco. A graça está na comida suburbana, no delito que a celebridade comete comendo de pé, com o sol castigando a carcaça, mosca pousando no nariz e correndo o risco de ter uma intoxicação alimentar por causa do vinagrete vencido. Se você quer saber, usar palito de dente é quase um fetiche sexual pra esses endinheirados. Aqui eles ficam mais à vontade que no banheiro das casas deles. E ainda tem a perspectiva de serem pegos pelos paparazzi, o que aumenta a adrenalina da empreitada. Eles gostam de correr perigo… e aí, mais um de queijo?

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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
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