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sábado, 23 de julho de 2011

CONTRATAMOS



Ilustração: Thiago Cayres

O Grupo Industrial e Mercantil Hadock Vronsky Mingana, que congrega as empresas Upa, Upa Cavalo Marinho, Doralice Virabrequins S/C Ltda. e Barros Center Fraldas, em franca expansão de suas atividades, contrata em regime de 40 horas mensais e para início qualquer dia desses:



Sujeito(a) bem apessoado(a) e não-usuário de prótese auditiva para assumir a função pretendida, seja ela qual for, no período compreendido entre DFM (Depois do Fim do Mundo) e AG (Antes do Gênesis), prorrogável por mais algum tempo, dependendo da demanda de mercado. Necessário domínio da mecânica dos moinhos de vento, versão Quixote 4.0. Desejáveis conhecimentos da taboada do 8 em sistema salteado, além de urina fluente e esperanto para conversação. Experiência em rotinas de aplicação da Norma ISO NBR para industrialização de goiabada de tacho não é imprescindível, mas servirá como critério de desempate técnico no decorrer do processo seletivo.

O candidato deverá enviar CV, com teste do pezinho recente, acompanhado de pretensão salarial e redação do próprio punho argumentando porque se considera apto a assumir o posto.






© Direitos Reservados

Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.



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sábado, 16 de julho de 2011

DUÑA EXPLICA "BULHUFAS"




Ilustração: Thiago Cayres

Aproveito o ínterim entre o escalda-pés das quatro e meia e o das sete e quarenta e cinco para uma lauda de esclarecimento aos que me cultuam acerca do real significado de algo que permeia nossas vidas, da primeira escovação de dentes até a hora de vestir as ceroulas: BULHUFAS.



O Dicionário Houaiss define o termo como “coisa alguma; nada”. Balela do ilustre filólogo! Fosse assim tão vazia, a expressão não teria atravessado os séculos e chegado incólume aos dias de hoje, onde é empregada com tanta frequência e propriedade – de discursos parlamentares a teses de pós-doutorado, passando pelos blogs de autoajuda e tabloides sensacionalistas.


Incorporado à norma culta, não são raros os sonetos e contratos de seguradora que aplicam BULHUFAS ao seu escopo. E estranharíamos se assim não fosse, pois sua importância é de tal envergadura que chega a ser referência de grafia quando se soletra alguma coisa. Nas ligações de telemarketing, vira e mexe nos deparamos com a operadora dizendo: “A” de Abelha, “B” de BULHUFAS, “C” de Casa, e por aí vai.


Mas nem tudo são glórias no caminho da inserção definitiva de BULHUFAS à língua de Camões. Estejam meus devotados seguidores avisados de que zombeteiros vêm disseminando, levianamente, uma acepção equivocada e difamante de BULHUFAS, atribuindo-lhe o sentido de negação de entendimento. Assim, propagam aos quatro ventos absurdos semânticos como “Não entendi BULHUFAS”, em contexto análogo a “Não entendi patavina” ou “Não entendi necas de pitibiriba”. Nunca tais nefelibatas estiveram tão distantes da luz da verdade, e a infâmia que hoje cometem a eles retornará carmicamente em encarnações vindouras. Assim é a lei Duñesca, justa e inapelável, que recompensa ou pune o homem conforme seu merecimento.


Ora, hão de convir meus contritos discípulos que, se alguém diz "Não entendi BULHUFAS" está na verdade afirmando que entendeu tudo, caso contrário diria "Entendi BULHUFAS". Está clara a fundamental e necessária distinção? Da mesma forma, os que declaram "não entender patavina" não entendem patavina sobre “patavina”. E os que se arvoram a dizer "não entendi necas de pitibiriba" não entendem necas de pitibiriba de "necas de pitibiriba", ressalvando aqui que, etimologicamente, "Pitibiriba" tem raízes morfológicas no tupi-guarani, língua a que me dediquei com afinco quando estas barbas que me envolvem o rosto ainda eram negras como a asa da graúna.


Com a autoridade que os céus me investiram e com o mérito que fez de mim o líder inconteste desta seita, afirmo que é blasfêmia das blasfêmias a forma com que alguns inconsequentes reduzem BULHUFAS a termo raso e sem função. Incorrem em erro crasso os que lhes dão ouvidos, estando sujeitos à expulsão sumária da Ordem Duñesca os fiéis que doravante fizerem uso inapropriado do vocábulo, incluindo aí sua forma abreviada, sem o "BU" original, ou seja, "LHUFAS".


Publique-se esta missiva, que a partir desta data passa a ter força de Decreto, o qual selo agora com meu lacre cor de abóbora, meu brasão de família e minha firma reconhecida pelo tabelião de notas desta província.






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sábado, 9 de julho de 2011

ZERO À ESQUERDA




- Perdão, meu senhor, mas não estou lhe reconhecendo.


- Senhor? Para com isso ou eu também te chamo de senhora. Apesar da careca e das rugas que eu tenho e você não tem, somos do mesmíssimo ano de 62.


- Meu Deus. Desculpe a franqueza, mas ou o senhor, quer dizer, ou você está muito acabado ou eu estou conservada demais.


- Por cavalheirismo, sou obrigado a ficar com a segunda hipótese. Sob protestos.


- Tá certo, agradeço. Agora, se me dá licença…


- Eu usava cabelo repartido e aparelho nos dentes.


- Sei, sei.


- Sentava na mesma fileira, 3 carteiras atrás de você. Professora Maria Luiza, antigo quarto ano primário. Ah, bala Soft de limão, isso não te lembra nada?


- Absolutamente. Porque, deveria?


- Não é possível, olha bem pra minha cara.


- Desculpa, sou péssima fisionomista. Ai, que situação chata, senhor, ou melhor, moço. Quarto ano primário… sei lá, José Alfredo?


- Tá frio, bem frio.


- Reynaldo?


- Ichi, chutou a bola pra fora do estádio.


- Dézão. Você é o Dézão!


- Nossa, esse era feio demais. Acabou comigo agora.


- Erivelton.


- O Jurema? O Erivelton Jurema? Tá querendo dinamitar minha autoestima. Na aula de Educação Física chamavam ele de Buda. Faça-me o favor… uma vez, estudando na sua casa pra prova de recuperação de matemática, você ficou passando o pé na minha canela debaixo da mesa. Tava um gelo naquela noite, você usava meia de lã toda listada, igual a das Frenéticas. Só não correspondi ao afago porque tinha na época um chulé insuportável. Outra dica: Carnaval de 81 e 82, eu fui de Barney nos dois anos…


- Ok, agora chega. Meu marido é aquele ali que tá buzinando, tenho que ir e acho que não é o caso de saber quem você é. Depois de tanto tempo, não vai fazer diferença mesmo.


- Espera aí, mas aquele lá no carro é o Marquinho Bereba. Vai dizer que você casou com aquele tranqueira?


- Bom, depois que levei o fora do Silvio, foi o ombro amigo dele que me valeu e me tirou da depressão. Fizemos bodas de prata no ano retrasado. Ah, mas chega de ficar dando satisfação da minha vida pra quem não devo. Até mais, senhor…


- Silvio.






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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.


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