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sábado, 25 de abril de 2015

RÁ-TIM-BUM




- Não acredito que você me acordou uma hora dessas pra falar sobre "Parabéns a você"...
- Pois você vai me dar os parabéns depois que ouvir minha ideia. Ah, se vai!
- Ih, lá vem.
- Aqui no Brasil, o "Parabéns a você" tem registro no ECAD e dizem que é a segunda música mais executada no país. Sabe lá o que é isso, cara? A original é obra de duas irmãs americanas e a versão brasileira foi escolhida por concurso, em 1942. A vencedora foi uma mulher de Pindamonhangaba, Bertha Celeste Homem de Mello. Ela morreu em 1999 e apagou a velinha 97 vezes, quase todas ao som da própria música! Hoje, os direitos autorais estão nas mãos dos herdeiros. Mas o que me interessa mesmo é a segunda parte, aquela que diz assim:
"E pro(a) (nome da pessoa), nada?
Tudo!
Então como é que é? É!
É pique, é pique, é pique é pique, é pique,
É hora, é hora, é hora é hora é hora
Ra-tim-bum (nome da pessoa, nome da pessoa, nome da pessoa)"
- Nossa, que interessante. Eu não acredito que eu estou escutando essa merda toda às duas da manhã.
- Me escuta, caramba, me escuta. Quase me matei de pesquisar na internet, nos registros de direitos autorais e em tudo quanto é lugar pra descobrir quem cometeu essa baboseira do "pique pique". As origens são as mais absurdas possíveis. Misturam onomatopoéias de bandinha de circo, os estudantes de Direito do Largo de São Francisco e até um rajá indiano que teria visitado a faculdade em mil novecentos e bolinha. Já outras fontes afirmam que o termo "Ra-Tim-Bum" é uma maldição. Imagina só. Numa dessa, todo mundo na festa roga praga no aniversariante...
- Ok, amanhã você continua, tá bom?
- Resumindo, o fato é que essa parte do "Parabéns" não tem dono. Minha ideia é fazer o registro desse complemento e requerer os royalties de execução, radiodifusão e teledifusão, compreende?
- Só dessa segunda parte?
- Sim, a primeira é dos herdeiros da Dona Bertha. 
- Dona Bertha? Que dona Bertha?
- Aquela, que eu acabei de falar, a velhinha de Pindamonhangaba. Depois dessa parte que eu quero registrar vem o manjado "Com quem será?" - que acabou se incorporando, sabe-se lá porque, ao maldito corinho natalício. Tentei descobrir o autor, pra propor uma ação conjunta de registro, mas não encontrei de jeito nenhum. Pesquisando, vi que a música desse "Com quem" dos infernos é baseada na Marcha Nupcial de Wagner. Pegaram a melodia de um gênio e enfiaram uma letra de retardado. 
- E aquele trecho que parece coisa de beata velha, que fala "Com imensa alegria, suplicamos aos céus", quem foi que compôs?
- Sei lá, pelo jeito é uma segunda parte da letra que a Bertha fez, mas também não tenho certeza. 
- Bom, posso voltar pra cama agora?
- Imagina a grana que dá pra ganhar só em buffet infantil. Esquece televisão e rádio, vamos focar só nas festinhas de criança. Eu espalho um exército de gente que está aí à toa, procurando emprego, e faço um acordo por comissionamento. Eles dão um jeito de entrar nas festas e, na hora de apagar as velinhas, gravam com celular a cantoria. Ninguém vai desconfiar de nada, porque quase todo mundo fica com o celular gravando nessa hora - a mais insuportavelmente previsível da comemoração. Com o flagrante na mão, é só mandar a cobrança dos direitos para os pais do fedelho. Tiro 10% de comissão para o fotógrafo e o resto vem limpo pra mim. 
- Parabéns a você. Genial. Supimpa. Estonteante. Formidável. Bem.......bo....la.............do............................zzzzzzzzzzzz......................zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz.......



© Direitos Reservados

sábado, 18 de abril de 2015

INFERNO NO CÉU



Viver muito pode ser um privilégio, mas também um castigo pós-morte. A menos que alguma religião tenha opinião diversa a esse respeito, é de se supor que os mortos cheguem ao paraíso com a idade cronológica do óbito. Se conservarem a última forma física que tinham aqui na Terra quando baterem as botas, então o céu deve ser um asilo. E o asilo celeste ganha gente cada vez mais velha, conforme aumenta a expectativa de vida do ser humano.

Ora, dentro dessa lógica, quanto mais miserável e socialmente desassistido um país, mais interessante será sua versão espiritual. Por mais incoerente que isso possa parecer. Como esses infelizes morrem cedo, a probabilidade de um paraíso povoado por defuntos na flor da idade aumenta bastante.

Mortos cheios de vida também não devem faltar no purgatório e no inferno, pois os devassos tendem a ir dessa pra melhor em pleno vigor físico, com a maioria dos dentes na boca e sem sinal de calvície ou de cabelos brancos. Triste injustiça, já que quem cuida direitinho da carcaça por aqui acaba indo um bagaço pra lá, de tanta hora extra que acabou fazendo...

Essas constatações levam a crer que, se a juventude é algo supervalorizado entre os encarnados, no reino dos fantasmas ela tende a ser ainda mais prestigiada. Imagine o sucesso que deve fazer um Jim Morrison ou um James Dean em meio a milhares de octogenárias desdentadas que certamente os abordam a todo instante em busca de autógrafos. Note que essas mesmas velhinhas teriam sido contemporâneas de Jim e de James aqui no planeta - tietes de seus discos e de seus filmes enquanto garotas de carne e osso. A diferença é que os dois ídolos, no caso, foram embora mais cedo, enquanto suas fãs ficaram vagando inconsoláveis pela Terra décadas a mais que eles. 

Ainda que as dores e limitações da carne deixem de existir quando se passa para o lado de lá, não é nada animadora a perspectiva de encarar a eternidade na condição de idoso. A menos que se aguarde ansiosamente lá em cima a chegada do Pitanguy, com seus bisturis redentores e alguma nova técnica trazida da Europa.

Para resolver, ou ao menos minimizar o problema, alguns expoentes da geriatria apontam possíveis caminhos. Um deles seria o enxerto de células-tronco na face, na pele e no couro cabeludo de forma preventiva, já a partir dos 50 anos, a fim de que o decujo chegue apresentável ao reino dos céus. Uma outra corrente de cientistas trabalha numa solução mais prática, econômica e emergencial, propondo aplicações de botox alguns dias antes do previsto desenlace. Esta segunda alternativa, embora mais barata, contempla o risco do botox perder seu efeito logo no decorrer dos primeiros meses de vida eterna, para desespero dos anciãos - que passarão séculos e séculos atrás de uma clínica celestial de estética que lhes forneça uma segunda e milagrosa aplicação. 

Entretanto, quaisquer das duas opções esbarram numa limitação de ordem terrena, nem um pouco fácil de equacionar: os planos de saúde. Muitos deles desde já consideram inviável a cobertura tanto do implante das células-tronco quanto do botox pré-óbito. A não ser que o governo autorize um reajuste nas mensalidades para a inclusão dos procedimentos.


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sábado, 4 de abril de 2015

COMUNICADO DA AIFPMJ



Diante das infundadas e difamatórias alegações divulgadas a seu respeito pela imprensa nos últimos dias, a Associação das Indústrias Fabricantes de Placebo do Município de Jeguinho - AIFPMJ, vem a público esclarecer o seguinte:

- Os dezoito óbitos ocorridos pela ingestão de comprimidos de placebo, presumivelmente fabricados pelas indústrias de nossa associação, referem-se a pacientes que notoriamente sofriam de severos distúrbios psicossomáticos. Por essa razão, muito mais influenciáveis aos efeitos que a substância ativa poderia acarretar, se estivesse contida nas cápsulas. Tal fato seria capaz de potencializar exponencialmente os efeitos de medicamentos com ação farmacológica zero.

- A farinha utilizada nos placebos por nós distribuídos possui índice comprovado de pureza da ordem de 99,9999999999%, quimicamente incapaz de abater um ácaro, quanto mais um ser humano.

- Só podem ser considerados puros os placebos certificados com o selo "100% inócuo", conferido por nossa entidade às empresas que cumprem rigorosamente as normas técnicas por ela estabelecidas. Não há provas periciais até o momento que confimem que os placebos ingeridos pelas vítimas tinham em suas cartelas o citado selo. Da mesma forma, nenhum indício sugere que as cápsulas que provocaram os óbitos e as de nossa produção sejam de farinha do mesmo saco. 

- Mortes por ingestão de placebos vêm sendo relatadas nos mais diversos rincões do globo, e não somente ao noroeste do Piauí, como algumas das matérias levianamente dão a entender. Cabe à comunidade científica internacional - especialmente o FDA -  mobilizar esforços para estudar o fenômeno em âmbito mundial e posteriormente explicá-lo à opinião pública. 

- Por se tratar de produto de consumo de massa em nossa caatinga  e item de larga tradição no criado-mudo do sertanejo, desde a época do Brasil Colônia, a pujante indústria do placebo tem consciência de sua responsabilidade sociofarmacêutica. Tanto que vem sabendo acompanhar as crescentes exigências do mercado e do consumidor, no que diz respeito à qualidade das cápsulas distribuídas entre o agreste sergipano e a Chapada do Dedéu - área onde o consumo disparou nas últimas décadas, ocasionando inclusive o aparecimento de dezenas de rotas de tráfico da substância.

- Entendemos que o placebo genérico, cuja entrada no mercado foi recentemente regulamentada após forte lobby em Brasília, não pode ser admitido farmacologicamente como placebo por não ter sua pureza controlada pelos órgãos reguladores a que a nossa entidade está submetida. Consequentemente, seu uso representa potencial ameaça à saúde pública. 


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