.

sábado, 28 de maio de 2016

CÁLCULOS ACADÊMICOS

Imagem: receitaslegais.com.br


Trabalhemos com números conservadores, para termos uma expectativa mais realista. O aluno chega para um curso de quatro anos. São cerca de duzentos dias letivos por ano, vezes quatro dá oitocentos. Se, nesses oitocentos dias, ele comer no intervalo uma coxinha da cantina (provavelmente vai comer mais, pois já chega para a aula com fome), junto com um refrigerante, temos aí de oitocentas a mil e seiscentas coxinhas e mais a mesma quantidade de refris no decorrer da graduação.

Vamos para as máquinas de venda automática. Em cada uma das alas principais do prédio, contamos com máquinas de preservativos, de snacks e de chocolates. Nossos repositores de estoques apontam para uma média de 32 camisinhas consumidas ao ano per capita, o que dá 128 escapulidas entre uma aula e outra para as urgências da carne. Lembrando que essa conta é por cabeça, independente de ser homem ou mulher. Os snacks e chocolates vendem bem mais, até porque depois do bem-bom bate mesmo aquela fome. Sem contar que os consumidores dos petiscos podem não ser necessariamente os praticantes de sexo, basta que sintam vontade de comer no intervalo entre uma coxinha da cantina e outra. 

Os números mais impressionantes vêm dos nossos serviços de fotocópias. Incluindo o montante gasto no TCC, estima-se que cada graduando levará para sua repúbica ou pensionato uma montanha de 18.000 cópias ao longo do curso. Praticamente todas elas tiradas nos serviços de xerox da própria faculdade, a um lucro projetado de 600% por folha.

Esse Monte Everest de papel não caberia no quartinho do aluno se fosse acumulado todo lá. Mas acontece que boa parte disso acaba voltando aqui para a Universidade, na forma de trabalhos solicitados pelos professores. São milhares de toneladas de sulfite que a Universidade revende como reciclável e se transforma em receita. Expressiva receita. 

As pesquisas de campo, as excursões para simpósios, palestras, semanas de estudos, ciclos de debates e o que mais aparecer como atividade de complementação acadêmica extra-muros tem toda a sua logística movimentada pela Universidade - do transporte à hospedagem dos participantes. Desnecessário dizer que essa desgastante operacionalização não é conduzida gratuitamente por jesuítas, e nem é penitência missionária. A Instituição cobra bem e fatura horrores com isso.

A fonte de lucros prossegue em patamares elevados e constantes no decorrer dos semestres letivos, até a formatura. É quando toda a parafernália de buffets, conjuntos musicais, cerimoniais diversos, viagens comemorativas, álbuns de fotografias e DVDs de festas e colações de grau são oferecidos aos formandos por valores extorsivos, embutidos neles as comissões da Universidade. Não havendo o repasse de pelo menos 25% para a Instituição, as propostas são barradas e nem chegam ao conhecimento dos alunos. 

Tendo em vista o acima exposto, concluímos ser economicamente viável o "Programa Faculdade Grátis - Seu diploma com mensalidade zero e sem vestibular". Será a consagração definitiva da nossa marca no disputado mercado educacional. 


© Direitos Reservados

sábado, 21 de maio de 2016

ABBEY ROAD



LADO 1

- Vou começar bem fácil, depois a gente vai esquentando.
- Manda.
- Faixa dois do Let it Be?
- Dig a Pony.
- Quantas músicas tem o Álbum Branco?
- Trinta.
- Qual o fotógrafo da capa do Rubber Soul?
- Robert Freeman.
- Quem era a Martha, da música Martha My dear?
- A cadela do Paul McCartney.
- Quem inspirou Something?
- Pattie Boyd.
- O que Tia Mimi disse para John Lennon, quando ele comprou a primeira guitarra?
- "Você nunca vai ganhar a vida com isso".

Não tinha jeito, ele sabia tudo. Era capaz de dizer nome completo e endereço dos avós da Barbara Bach, mulher do Ringo.
Gabava-se de conhecer e catalogar, num caderninho surrado com o selo da Apple na capa, todas as mensagens cifradas e alusões a drogas do Revolver e do Sargeant Peppers. As bem manjadas e as que ele, sozinho, jurava ter descoberto. Sabia também que Paul estava vivo, e bem vivo. Ele mesmo o tinha visto num show em 1990 no Maracanã. Ainda assim conhecia 72 pistas que indicavam o contrário.

Tal pai, tal filho. E o menino, de 8 anos, ia pelo mesmo caminho.

- Quanto é 64 dividido por 16?
- Four. Como os Beatles.
- A capital da Inglaterra?
- Londres, uma cidade que fica perto de Liverpool.
- Dê um exemplo de sujeito simples.
- George Harrison.
- E de sujeito composto?
- Lennon & McCartney.


Dos discos todos, o favorito era Abbey Road - o célebre álbum com os quatro na rua homônima, passando pela faixa de pedestres. Se além de tocar o seu Abbey Road falasse, teria muito o que contar. Idas e vindas, festinhas na garagem, quedas nas mãos de bebuns, mudanças de casa. No tempo da faculdade, foi com ele pra república. Fiel escudeiro, trilha sonora de bons momentos e maus bocados. Era com ele que espantava o sono nas vésperas de prova e embalava os sonhos nas vésperas dos encontros. Cheio de estalinhos, riscado no começo do "Come Together" e no fim do "Golden Slumbers", era sempre ele que encabeçava a pilha, com o papelão da capa já esfarelando. Uma marca de copo, em cima da cabeça do Ringo, formava uma espécie de auréola. Santo Ringo, que soube segurar a onda nas brigas e ameaças de separação. De tanto entrar e sair do prato da vitrola, o furo foi abrindo, laceando, ficando quase oval. Lá pelos anos 80, quando tinha aquele 3 em 1 da National, cansou de gravar suas músicas em fitas cassete para os amigos. Uma vez foi de empréstimo pra casa de uma paquera. Voltou com uma carta perfumada dentro. Almíscar. O perfume durou pouco, a paquera menos ainda. Mas o velho Abbey continuou lá, igual aos Beatles - forever. Com o tempo, foi virando relíquia. Era a primeira prensagem brasileira, edição rara. Passou a guardá-lo no fundo do maleiro e comprou uma outra cópia mais recente. Em vinil, é claro.


LADO 2

Londres, 2004.
- Não é essa a rua, pai. A gente deve ter errado o caminho.
- Como não? Olha o mapa, é aqui mesmo. Abbey Road, aqui estamos nós!
Não queria dar o braço a torcer, mas a dúvida do menino era sua também.
Viu que o lendário fusca branco, placa 28 IF, estacionado à esquerda na foto da capa, não estava mais lá. Ele pensou alto:
- E nem poderia estar...
- Falou alguma coisa, pai?
- Nada não, filho.
Notou que faixa de segurança era igual a todas as que ele já tinha visto. Que quase nada restava daquele cenário mítico. A maçaneta da porta do estúdio, que a Rita Lee lambeu com adoração devota, provavelmente já tinha sido várias vezes trocada. Com a capa do bolachão nas mãos, ele comparava a foto com aquilo que via agora. As árvores certamente deviam ser outras, o trânsito era mais intenso. O céu também não era azul como naquele agosto de 35 anos atrás. Tirou os sapatos, para sentir a textura do asfalto e alcançar o estado de graça que tanto ansiava. Estava lá, exatamente onde eles estiveram. Em frente ao estúdio onde gravaram quase toda a sua obra, e nada de atingir o nirvana. O coração não disparou, ele não suou frio, as pernas não tremeram. Percebeu que perto da sua casa existiam ruas mais parecidas com a Abbey Road do que a própria Abbey Road. Por alguns minutos ficou ali, parado, como que esperando uma resposta ao próprio desencanto. E deu-se conta que Abbey Road era uma rua que ele mesmo havia pavimentado, ligando os Beatles às suas vísceras.
Entregou a câmera para o filho e pediu que ele clicasse no momento em que atravessasse a rua. Esperaram que alguns carros passassem e fez o mesmo com o menino. Mas bem rápido, porque um bando de turistas barulhentos, trazidos por um guia de sobretudo marrom, já tomava conta de toda a faixa.

© Direitos Reservados

sábado, 14 de maio de 2016

OS NOMES DE NINGUÉM





- Senhores vereadores, prosseguindo com a pauta da nossa sessão ordinária, vamos ao próximo item: discussão sobre os critérios da municipalidade para dar nome aos novos logradouros públicos. Com a palavra, o vereador Feitosa.

- O assunto é polêmico, senhores, e exige reflexão profunda...

- Precisamos rever os processos e encaminhamentos dessa questão pela Câmara. Tem vereador que passa o mandato inteiro só cuidando disso. E, mesmo fazendo tudo pelos mortos e nada pelos vivos, acaba garantindo sucessivas reeleições. Todos sabemos como a coisa funciona, inclusive temos três vereadores peritos na prática aqui mesmo, nessa sessão: acordar bem cedo, saber quem morreu, ir ao velório, chorar o finado e prometer à família um nome de rua para legar sua memória à posteridade. É claro que a parentalha toda vai votar nele no próximo pleito. E alguns desses nobres colegas são tão profissionais que só escolhem defunto de família grande, que rende mais votos. Os que têm poucos parentes eles deixam para a vereança iniciante.

- Um aparte! Nosso partido defende a bandeira da renovação, o que inclui os nomes de rua! A cidade foi fundada em 1686, e ninguém mais sabe quem são as pessoas que dão nome às nossas principais artérias. Só para citar alguns exemplos: Rua Dona Quitéria Bontempo, Avenida Sebastião Albino dos Sanches Pedreira, Praça Cônego Aristenes... É hora de substituir esses hoje desconhecidos por mortos mais frescos, que tenham relevância na sociedade atual. Ou pelo menos nos últimos 100 anos.

- Mas os descendentes dos ilustres mais antigos podem entrar na justiça, alegando direitos adquiridos. Afinal, alguma coisa de importante fizeram para merecerem nome de rua lá no tempo do onça. Imagine Vossa Excelência a pendenga jurídica.

- Podemos substituir os nomes de ruas por números, para acabar com a discussão. Rua 1,2,3,4 e assim por diante. A vantagem é que a pessoa que está procurando um endereço já se orienta, pois sabe em qual zona da cidade fica determinada numeração. É um serviço que prestamos ao munícipe.

- Protesto! O que a gente ganha com isso?

- Concordo com o Vereador Josevaldo. É prático mas impessoal demais, é frio e não rende voto. Rua tem que ter nome de gente. E, mesmo com toda essa crise imobiliária, o que não falta é loteamento novo com um monte de "praca" esperando batismo.

- De fato, corre o risco de faltar finado para tanto logradouro. Mas devo alertar que os nobres legisladores se esquecem das ruas que têm datas como nomes. Quinze de novembro, sete de setembro, treze de maio. Poderíamos escolher algumas datas significativas para o município. O dia do início de um mandato, da inauguração de uma ponte, do aniversário do nosso digníssimo prefeito...

- Não, não, a imprensa vai cair em cima, pode mobilizar a opinião pública, vão alegar demagogia e autopromoção...

- E assim, o que acham: Rua desemprego zero, Rua segurança garantida, Rua educação para todos, Rua saúde e saneamento básico, Rua respeito ao dinheiro público. Imaginem Vossas Excelências! Em cada inauguração de rua, um tema para comício. E uma forma disfarçada de propaganda política para todos nós desta casa. Imaginem só, a rádio transmitindo o discurso: "Declaro inaugurada a Moralidade na Municipalidade", eita como soa bem isso!


© Direitos Reservados

sábado, 7 de maio de 2016

AUXÍLIO-JAQUETÃO E OUTRAS PROVIDÊNCIAS



Bendita a hora em que tomei a deliberação de alocar o Jervoilson, Assessor D.A.S. 6 e apaniguado há sucessivas legislaturas do Bergoncildes Canastra, para organizar minha biblioteca da fazenda. O pobre andava mesmo enfastiado da chupação de lápis na sub-comissão de transcrição para braile dos discursos parlamentares, e com esse afazer pode ocupar melhor os seus dias e amealhar de lambuja umas horinhas extras. No total são 1.587.313 exemplares do “Marimbondos d’Água” entulhados no paiol, em edições patrocinadas pela Prefeitura de Santa Luz, pelo Governo do Estado do Maralhão e pela gráfica do Senado, que honrou-me com 38 edições anuais e consecutivas para distribuição a ONGs e escolas públicas brasileiras e do Mercosul.

No mais, devo admitir que foi bastante puxada a semana que passou, com variadas emendas apresentadas e favas contadas para aprovação. A primeira delas dispõe sobre a dispensa dos senhores senadores e suplentes de suas atividades legislativas no dia de seus respectivos aniversários. Permanecendo em suas bases eleitorais, os mesmos poderão receber, no recesso de seus lares, os merecidos parabéns dos correligionários.

A segunda emenda diz respeito à inclusão do Arroz de Cuxá, iguaria da qual não consigo me privar, no cardápio do restaurante do Senado. Já agendei uma degustação no plenário ao som de Alcione, glória maralhense, acompanhada da Banda de Pífaros de Coroatá.

Já a terceira emenda só passa em primeira votação à força de conchavo e de marcação homem a homem, com os aliados da base governista caçando apoiadores na unha: a criação do “Auxílio-Jaquetão”, com verba inicial de R$ 2.600,00 inclusa no contracheque e isenta dos descontos de praxe. Modéstia à parte, considerei memorável o meu discurso, onde defendi a indumentária como sendo alternativa salutar ao calorão do cerrado, facultando o seu uso em substituição ao terno e gravata protocolares. Foi deferido ainda o encaminhamento, sem necessidade de licitação, de estudo de figurino feminino do referido jaquetão, para que as senadoras também sejam contempladas pelo benefício. O ilustre senador Filinto Mangol fez um aparte muito a propósito, sugerindo que a versão feminina contivesse estampas de florzinhas nativas das regiões de onde as legisladoras são oriundas.

Por tratar-se de assunto correlato, fiz constar nas discussões do mesmo dia outro projeto de minha autoria: a “Licença-Abotoadura”, que torna não-obrigatório o uso do adorno nas sessões plenárias, pelos mesmos motivos expostos para adoção do jaquetão, quer seja, a tórrida temperatura brasiliense. Adicionalmente, nossa Casa de Leis ganharia um fortalecimento da sua imagem perante a opinião pública, já que sem as abotoaduras se tornará mais prático o procedimento de arregaçar as mangas no batente.

Concluindo, o projeto denominado “Seguro-Jeton”, que estabelece o recebimento do adicional por assiduidade ainda que o Senador ou suplente não seja propriamente assíduo às sessões. Ninguém desconhece que a existência do Jeton é expediente criado para reforçar a remuneração básica, e o seu não recebimento seria motivo de dissabor e desconforto, tanto na Câmara quanto no Senado. A apreciação da matéria se dará em caráter de urgência urgentíssima, havendo ou não o quórum regulamentar.

© Direitos Reservados