.

sábado, 24 de novembro de 2018

DRONE DELIVERY



Sim, tudo mudou, permanecerá mudando e trará transformações ainda não suficientemente dimensionadas pelos antropólogos de Helsinque. Entretanto, as oito horas regulamentares de sono continuam necessárias, e ainda não inventaram um aparelho indutor da fase REM com 100% de eficácia comprovada em testes clínicos. Mas como os carros são autônomos, pode-se cumprir boa parte dessas horas a caminho do trabalho, com cobertor, travesseiro e máscara de dormir, no banco de trás.

Os carros autônomos são quase todos elétricos, e com eles o procedimento é o mesmo que se tem com os celulares - basta ligá-los na tomada e deixá-los carregando ao longo da madrugada para que logo no começo da manhã estejam com carga máxima e prontos para a faina diária. 

Os postos de combustível aos poucos vão sumindo da paisagem, para darem lugar a grandes estacionamentos com totens de carga elétrica rápida, para os distraídos que esqueceram de abastecer o carro na garagem antes de saírem de casa ou para os que acabaram rodando mais que o previsto. Quiosques de fritas e de casquinhas do McDonald's amenizarão a angústia dos intermináveis quinze minutos de espera. 

A expectativa para os próximos dois anos é que mais e mais pessoas troquem seus carros movidos a combustível fóssil pelos modelos elétricos. Para os próximos quatro anos, prevê-se o sucateamento de toda a geração anterior, de veículos híbridos eletricidade/gasolina. Para os próximos sete anos, a previsão é de que os carros elétricos não precisarão mais ser carregados porque não terão que sair de suas garagens, já que muito provavelmente os seus proprietários estarão dispensados de deixar suas casas para trabalhar.

A gigantesca malha de transporte urbano e as rodovias federais, estaduais e municipais perderão sua função repentinamente, e concursos serão criados nas comunidades para que se deem a elas alguma finalidade, pois interligarão nada a lugar nenhum.

Alternativa alguma de curto prazo será encontrada para substituir a queda de arrecadação de IPVA, de pedágios e de tarifas cobradas nos transportes coletivos, o que irá acelerar a ruína de todos os caminhos possíveis e imagináveis. A malha asfáltica abrirá fendas e buracos imensos, que não se consertarão por falta de verba. Neles o mato crescerá e jamais será carpido, igualmente pela escassez de recursos das prefeituras e concessionárias de rodovias. 

Mas a população, ou a minoria de pessoas que ainda dispuser de algum dinheiro após o caos, poderá ficar tranquila: tudo o que precisarem será entregue por drones da Amazon, no conforto de seus lares. O pagamento dispensará cartão, ficando a critério do cliente a utilização dos sistemas de reconhecimento de íris ou a biometria. Caso queira, o consumidor poderá adquirir o próprio drone do Delivery, se tiver o que fazer com ele. 




© Direitos Reservados
Imagem: www.jornaldopovo.com.br
Esta é uma obra de ficção


sábado, 17 de novembro de 2018

O QUE FAZER COM AS CABINES LONDRINAS?



A cada dia mais inúteis, as red phone boxes precisam com urgência reencontrar sua vocação e utilidade, sob pena de sumirem das ruas da maior cidade europeia.  

Muitas já estão virando postos de recarga de celular. Ou seja, acabam servindo ironicamente para dar vida a quem as matou. Seria uma típica piada inglesa, se a coisa não fosse mesmo verdade. 

Já outra instituição britânica, o double deck, ou ônibus de dois andares, por enquanto não corre risco de extinção. Embora o Routemaster, aquele modelão clássico, desde o começo do século esteja sendo aposentado para dar vez a busões moderninhos, de linhas arrojadas demais. Mais parecem umas naves intergaláticas, nota zero no quesito sobriedade inglesa.

Agora, voltando às nossas cabines. Quem estiver disposto a morrer com 2.500 libras pode levar para casa uma delas, quem sabe para decorar seu living ou jardim de inverno. Lembrando que é bom preparar o bolso para o carreto especial, pois cada uma delas pesa quase 800 quilos e é toda envidraçada.

Se a extinção das red boxes não chega a afetar diretamente o turismo da ilha, que tem outros espetaculares atrativos, algumas lojas de souvenirs já trabalham com uma expectativa de 50% a menos no faturamento - já que quase tudo, de chaveiros a cofrinhos, remete à cabine telefônica. 

Algumas alternativas surgem, aqui e ali, com o propósito de salvá-las da submersão no Tâmisa:

. Aproveitar as grades da estrutura para instalar pocket-shows da Monga, a mulher gorila.
. Adaptação para banheiros químicos. Evidentemente, com a necessária aplicação de insulfilm nos vidros. 
. Lava-rápido de gente (também com insulfilm nos vidros) ou ponto de retoque de maquiagem. Ambas as ideias a serviço do asseio e da elegância tipicamente londrinos.
. Máquinas expressas de chá das cinco. O sujeito insere uma moeda, serve-se e vai embora assoviando e sorvendo o seu chazinho, ainda que a protocolar xícara tenha que ser substituída por um copinho plástico descartável.
. Destruição e venda de pequenos nacos de destroços aos turistas. Após espatifada por máquina, os milhares de pedaços de cada cabine seriam comercializados nas principais artérias da metrópole, acompanhados por certificado de autenticidade com credibilidade análoga ao famoso "by appointment to Her Majesty the Queen". Algo nos moldes do que acabou acontecendo com o muro de Berlim, onde uma lasca de reboco tem hoje valor histórico e liquidez de ativo financeiro. 

Mas o que parece mesmo ser a solução mais provável para o dilema é deixá-las onde estão e locá-las para fotos. Há, no Parlamento, quem defenda a ideia de colocar um sujeito fantasiado de soldado da Guarda Real, com o chapelão de pele de urso e tudo, para receber o dinheiro e fazer troco para os cliques. Disparados pelo celular, é lógico. 



© Direitos Reservados


sábado, 10 de novembro de 2018

DOS TEMPOS EM QUE SE QUEIMAVA LITERALMENTE O FILME



Da escolha do filme em 12, 24 ou 36 poses à colocação na câmera, passando pela delicada operação de prender a lingueta exposta para fora do cartucho no carretel da máquina. Do acondicionamento do cartucho à checagem das pilhas, que precisam estar carregadas o suficiente para os disparos de flash.

Do ensaio de cada motivo, enquadramento, abertura de diafragma e tempo de exposição, escolha entre luz natural ou artificial ao clique que só quinze ou vinte dias depois se saberia se ficou ou não digno de legar à posteridade.

Da retirada do filme rebobinado da máquina à revelação do celuloide em uma espiral hermeticamente fechada por um tanque de plástico preto, numa etapa onde nenhum tipo de luz é permitida para não vedar o filme. O procedimento é executado unicamente pelo tato e com as mãos enluvadas, para que as digitais não marquem o negativo. Além disso, o tanque tem que ser chacoalhado o tempo todo, para que a química envolva o filme homogeneamente. 

Revelado, o rolo de celuloide é posto para secar no laboratório em varal apropriado com um peso na ponta, de maneira que não enrole e não danifique a base gelatinosa de emulsão de sais de prata, onde estão as imagens em negativo que posteriormente serão ampliadas para produzir a foto. 

Do negativo à ampliação em formato 18x24. Do ampliador fotográfico ao banho de revelador à base de hipossulfito de sódio. Da bacia de revelação ao preparado químico de interrupção, do interruptor ao banho fixador onde deverá permanecer por tempo mínimo de dez minutos. Da fixação à secagem dos instantâneos, em papel fotográfico. 

Da foto seca ao carimbo do fotógrafo no verso, onde constam telefone e endereço, para o corte de cada fotografia em guilhotina no tamanho encomendado. Das fotos agora prontas, acondicionadas em envelope devidamente identificado com nome do cliente, junto com os negativos e as cantoneiras suficientes para colocação no álbum, de forma que não sejam necessárias cola ou fita adesiva, que com o tempo iriam danificar e amarelar as fotografias.

Da loja de artigos fotográficos à casa, onde todos se engalfinham para ver o que se salvou ou não da primeira Eucaristia de Horácio Andrade de Melo e Souza, seguida por almoço comemorativo oferecido pelos padrinhos. 

Da triagem entre as que ficaram realmente boas, as mais ou menos, as que saíram na contra-luz e as irremediavelmente péssimas, à eleição das duas ou três com qualidade suficiente para irem ao porta-retrato. Ou o de bronze que fica em cima do piano, ou os de madeira entalhada na estante ao lado da lareira. 

Do tempo em que se tinha todo esse imenso trabalho para salvar do esquecimento os momentos importantes à banalidade do ato de fotografar - onde um close no cadarço do sapato esquerdo vai para a mesma pasta de arquivo que a selfie tirada com o Papa.


© Direitos Reservados


sábado, 3 de novembro de 2018

ABERTURA DE LICITAÇÃO PARA COMPRAS - PALÁCIO DA ALVORADA



Acém peça vácuo, validade mínima março de 2019, peso total aproximado 3 arrobas – Músculo bovino dianteiro congelado, com carimbo SIF e sem gordura: 7 kg - Apresuntado Jaguaré: 2 peças de 10 kg cada - Naftalina: 6 embalagens de 20g - Polvilho Granado ou similar: 2 unidades – Cadarços pretos de coturno, padrão reforçado, numeração 39: 23 pares  - Sabão de coco: 4 pedras de 150 g - Shampoo Palmolive Jojoba: 1 embalagem 350 ml - Fubá mimoso marca Sinhá: fardo de 10 kg - Extrato de tomate: 5 latinhas de 130 g - Sardinha fresca - 3,7 kg a granel - Miojo sabores carne, galinha caipira, legumes e picanha: 2 pacotes cada - Pente fino: 1 unidade - Pente Flamengo: 1 unidade – Leite longa vida UHT caixa  12 litros marca DaTeta - Plano Vivo Pré-pago para primeiro escalão do governo (7 usuários): concorrência para avaliação da melhor proposta de cada operadora de telefonia - Sabão em pó, marca própria de atacadão: granel ou sacos 25 kg - Cartucho de impressora jato de tinta, remanufaturado e com lacre de segurança: 2 unidades (apenas black) - Fio Dentral embalagem econômica 150 metros + 30 metros grátis: 1 unidade - Papel higiênico folha simples, não-picotado, marca Fofucho: fardo 12 rolos – Raquete elétrica mata-mosquito: kit compre um, leve dois - Vinho Sangue de Boi Suave: garrafão 4,6 litros - Creme de barbear Excelsior, espuma cremosa, versão mentolada: 1 tubo 90 g - Cortador de unhas Trim: 1, tamanho pequeno - Rapadura genérica: barra 2,5 kg - Melado: litrão com rolha de cortiça - Compota de mamão verde, com cravo, raspa de canela e noz moscada: 3 potes 600 ml - Cantil de alumínio, capacidade 0,9 litro, térmico, capa em brim camuflado - Giz para taco de sinuca, azul, marca Miraboa série Premium: 3 tabletes - Lixa de calcanhar Bellefoot, número 4 (média abrasão): 4 unidades massageadoras com refil - Kit gaze, esparadrapo e merthiolate para primeiros socorros: 1 com fechamento em zíper - Jaquetão verde-oliva, segunda mão, bom estado, mínimo quatro compartimentos para apetrechos diversos: 1 modelo tamanho grande com acabamento em overloque e ilhoses na bainha – Azeitona com caroço, vidros com peso drenado 500g, procedência nacional: 2 caixas com 14 vidros cada – Preparado em pó para refresco, sabores uva e maracujá: 20 saquinhos - Palito de dente marca Ponta Firme, lavável e reutilizável: fardo grande com 160 caixas, data de validade indeterminada ou no mínimo até o final do mandato. 





Esta é uma obra de ficção. Oremos para que não seja tão ficção assim.

© Direitos Reservados
Imagem: gina.com.br