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segunda-feira, 26 de agosto de 2019

VOVÔ E VOVÓ... EU NÃO POSSO ACREDITAR!





50 anos depois, casal da foto de Woodstock está junto até hoje.


Bob, o neto mais velho:
- Não tinha lavanderia nesse lugar, não? Olha a sujeira do edredon, vó. Você fica falando para não sujar as coisas, sujou tem que limpar, toda hora está mandando a gente desintefar as mãos com álcool gel e olha vocês dois... que porquice. Mais parecem dois pedintes. E sabe-se lá se a coisa rolou só entre vocês, se não tinha um terceiro ou quem sabe um quarto!

Wendy, neta com 14 recém-completos:
- Faça o que eu digo mas não faça o que eu fiz, né vô? E vocês levando a gente para a escola dominical, convidando o pastor para o peru de Ação de Graças, agradecendo ao Senhor antes de atacar a comida e ensinando que o certo é fazer sexo só depois do casamento. Para fins de procriação e de luz apagada. Sei...

Mark, 16:
- Bom, o que eu ia falar o Bob e a Wendy já disseram. Nosso mundo caiu junto com a hipocrisia moral de vocês. À parte todas as evidências, já estou até adivinhando: vocês vão dizer que foram abduzidos por um OVNI e forçados a desembarcar no paraíso das drogas, do sexo e do rock and roll. 

Kethleen, neta de 21:
- Pra que esconder até hoje esse passado comprometedor? Adiantou alguma coisa, por acaso? Agora tá aí a foto correndo mundo, em comemoração aos 50 anos daquela pouca-vergonha. E a humanidade inteira sabendo que são vocês o casal símbolo daquela libertinagem hippie. O que é que nós vamos falar lá no Clube de Escoteiros?



 © Direitos Reservados


domingo, 18 de agosto de 2019

ENGENHO DA MARVADA




A família Cabrália. Desafio aparecer alguém que nunca tenha, pelo menos, ouvido falar. Donos de terras de onde você está até perder de vista, não importa em que lugar você esteja. Era um infinito de terra roxa da melhor qualidade, a ponto do  caminhante  morrer antes de acabar de percorrer o fazendão.

Os Cabrália passavam a vida à espera de heranças, e este esperar era o único afazer de todos na casa grande. Largavam-se às redes na varanda, aos banhos de cachoeira, às sem-vergonhices com a criadagem e a um fazer-coisa-nenhuma sem fim, embalados a doses cavalares de cachaça. Mulheres e homens, sem distinção. Dos pré-adolescentes aos patriarcas e matriarcas beirando os cem, todos bebiam dia e noite e esbarravam-se pelos corredores, trançando as pernas e falando mole.

As doses cavalares tornavam-se industriais. Até que o mais (ou o menos) sóbrio entre eles viesse com a ideia da instalação de um destilador próprio da "marvada" - que abastecesse a família e cujo excedente fosse despejado no mercado, em forma de caninha com rótulo, registro e - se Deus ajudasse - consumidores fiéis. 

Se no grande solar da fazenda a caninha foi um sucesso, no mercado foi um fracasso. Para esquecê-lo, bebiam ainda mais. Faziam da aguardente um escudo contra o tédio, os medos, os aborrecimentos e até contra moléstias que os viessem ameaçar. E nas novenas, em hora da Ave Maria, pediam proteção divina às doenças terrenas e rogavam, ainda que não explicitamente, para que a morte da parentalha viesse antes da própria. Assim herdariam mais uma parte das terras, que bem ou mal garantiria um tempo a mais de vagabundagem e de entrega ao álcool.

E o que um dia foi um imenso latifúndio de produção de açúcar para exportação se transformou em agricultura de subsistência. Nos primeiros anos, o percentual reservado a consumo próprio era de 10%, depois passou a 20%, em seguida a 50% e daí foi um pulo para que todo o canavial fosse destinado ao engenho de pinga. Ou melhor, ao vício familiar a que todos se entregavam descontroladamente – até que morressem, fossem sepultados e seus corpos conservados ad infinitum pela quantidade absurda de álcool nos organismos. 

O problema é que, desse estágio em diante, a família mesmo tinha que plantar, cultivar e colher a cana. Isto porque, não havendo renda gerada com a comercialização da lavoura, ninguém se arriscava a trabalhar de boia-fria pela possibilidade de não receber. E lá iam eles, antigos fidalgos, encarar a lida para estancar a sede de álcool. Riquíssimos vestidos da mais pura seda, vindos de ateliers da Europa, viravam ataduras para estancar os cortes da ceifa de cana, embornais de marmita, fraldas de rebentos que iam nascendo de mães bêbadas. A céu aberto e sem assepsia, a terra roxa de misturando ao sangue do parto. 

 © Direitos Reservados
Imagem: http://www.lugaresesquecidos.com.br/2013/02/ruinas-da-fazenda-zumbi-safari-igarassu.html