sábado, 31 de agosto de 2013
Prosseguem em todo o país as passeatas e atos de
protesto exigindo assistência médica para as claques de teatro, televisão,
eventos e comícios.
Em Osasco, representantes dos movimentos
reivindicatórios das claques foram saudados com aplausos pela população.
Entretanto, alguns grupos de aposentados, que jogavam pega-varetas nas imediações,
suspeitam que aqueles que aplaudiam seriam na verdade membros das próprias
claques, numa demonstração forjada e fraudulenta de apoio. Confirmada a
hipótese, teríamos o que se poderia chamar de claque da claque.
Polêmicas à parte, o fato é que os manifestantes
distribuíram panfletos com as principais pautas do movimento, elencando os
males a que estão sujeitos e contra os quais não contam com a mínima
assistência:
. LER (Lesão por Esforços Repetitivos), ocasionada
pelas sessões contínuas de salvas de palmas. Esta é a mais comum das moléstias
enfrentadas pela classe.
. Afonia, provocada pelos gritos e exclamações nos
programas de auditório, sendo os principais deles, por ordem de ocorrência:
"ÊÊÊ", "Mais um" e "Lindooooooo". Esse esforço é
redobrado sempre que a claque é incitada a abafar vaias. O que não é incomum nos
quadros de calouros, em geral com transmissões ao vivo para todo o território
nacional.
. Alergias diversas, em decorrência da infestação
de fungos e bactérias nas mal-higienizadas poltronas dos estúdios de TV.
. Inanição. Alguns partidos políticos, por exemplo,
alimentam suas numerosas claques de comício com apenas um croissant e um copo
de limonada por pessoa, ao longo de jornadas que se arrastam por dezoito a
vinte horas.
Além disso, o recrutamento informal de mão-de-obra
e a não-regulamentação da atividade levam a expedientes abusivos, que
comprometem inclusive o futuro do ofício. Por não mais que 99 centavos,
qualquer cidadão leva para casa um CD coreano contendo um menu variado de
palmas, urros, coros e gritos de guerra. Alguns desses CDs contêm até
backgrounds de carpideiras aos prantos, para utilização em velórios. Ainda que
o efeito desses templates vagabundos não se compare à performance de uma claque
de verdade, o consumidor tende a preferi-lo, por aliar praticidade a um custo
quase zero. Resultado: milhares de famílias à míngua e à margem da seguridade
social, pelo desemprego em massa dos nossos queridos batedores de palmas.
A continuidade desta situação levará, certamente, a
consequências desastrosas. Um dos participantes do protesto desabafa: "A
claque existe desde que o mundo é mundo, e há relatos de sua decisiva
influência na Roma Antiga como instrumento de manipulação das massas pelos
imperadores. Teve ainda papel de relevo em importantes eventos no Coliseu e em
festinhas privê do alto escalão - como a formatura do filho caçula de Nero,
ocasião em que não menos de 600 claqueiros foram contratados para dar vivas à
conquista do garoto.
Finalizando, afirmou
que, caso não sejam atendidos em suas reivindicações, os claqueiros cruzarão os
braços a partir do próximo dia 07. Já no dia 09, os manifestantes se dividirão
em grupos de 50 pessoas para promover o que chamam de “Grande Vaião - 24 horas
ininterruptas de vaias” dentro dos principais hospitais públicos do país.
© Direitos Reservados
Marcelo Pirajá Sguassábia é
redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e
eletrônicas.
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Email: msguassabia@yahoo.com.br
sábado, 24 de agosto de 2013
SEXO ASSÉPTICO
- Paiê!
- Chora, pequeno carrasco. Que é que foi dessa vez?
- Eu tô sabendo de tudo, o Rafa me contou e ainda me mostrou
fotos. O jeito que eu nasci, que você nasceu, o jeito que todo mundo nasce. Eu
sei que foi você, papai, que colocou aquele seu negócio de fazer xixi naquele
outro negócio da mamãe, que é pra fazer xixi também. Achei essa história muito
porca.
- Ahnn??
- Devia ser tudo online, o procedimento seria mais limpo,
sem contato manual nem genital. Tudo começaria numa rede de relacionamentos,
passaria pra uma conversa inbox, depois rolaria um clima numa área de acesso
restrito e protegida por senha e aí os pixels do homem se misturariam com os
bytes da mulher. Nove sessões de Windows depois, o menino estaria pronto.
- Esse seu senso prático realmente me espanta, garoto. Veja
bem...
- Sem ter que ficar gemendo, fazendo caras e bocas, suando
um em cima do outro. Eca!! Arghhhh! Sinceramente, pai, quando me disseram que o
processo era desse jeito eu custei pra assimilar a ideia. Achei a coisa toda
muito suja, o ritual é nojento. Um órgão excretor dentro de outro órgão
excretor, tem algo muito errado nisso. Ah, tem.
- Ai, ai, ai, você diz isso porque mal está entrando na
puberdade. Deixa os hormônios começarem a explodir nessa sua carinha lisa e
depois a gente volta a conversar.
- Uma outra coisa que eu não consigo entender é que,
geralmente, tudo começa dentro da tela, certo? O encontro entre duas pessoas de
sexo oposto, no caso. Depois elas vêm pro mundo aqui fora, se conhecem
pessoalmente, namoram, se casam e não demora muito para que de novo passem a
ficar dia e noite com a cara enfiada no computador. Dá pra me explicar o
sentido disso? Por que saíram de lá, então? Por que não deixam tudo virtual
logo de uma vez?
- Filho, a atração entre os sexos é que garante a
preservação da espécie. Olha só: a pessoa estuda, trabalha, junta algum
dinheiro e depois o que faz? Arruma uma cara metade e começa a fazer nenê. É
assim sempre, sem distinção de cor, credo ou classe social. Imagina um sujeito
milionário, por exemplo. Ele compra uma mansão, um iate, uma Ferrari... e no
fundo pra quê? Pra enfiar uma mulher dentro da Ferrari, mostrar a casa linda
dele pra ela, arrastar a moça pro quarto, no quarto rolar pra cama e aí então
fazer aquilo. O mundo gira em torno daquilo, menino. É a sonhada consequência
de todos os esforços.
- Ok, mas depois que se emporcalham com aquilo, o que é que
os dois fazem? Dão uma descansada, limpam os pentelhos e secreções alheias que
grudaram em seus corpos e voltam, rapidinho, para os seus tablets e notebooks -
loucos pra verem o que é que tem de novo, o que é que aconteceu enquanto
perdiam tempo fazendo uma coisa sem nenhum sentido prático.
- Eu não acredito no que estou escutando. Se bem que, como
pai, é até um alívio que você pense assim. Continue nessa, filhão. Papai dá o
maior apoio.
- Me diz, pai, é tão irresistível assim a vontade de fazer
filho?
- Não, não. Na maioria das vezes, filho é o que o casal
menos quer.
- Então porque prosseguem com os movimentos ritmados de vai
e vem?
- Porque é gostoso.
- Espera aí, tem alguma coisa que não tá encaixando. É
gostoso fazer uma coisa que eles querem evitar?
- Eles evitam o filho, não o ato.
- Mas o ato não é pra ter filho???
© Direitos Reservados
Marcelo Pirajá Sguassábia é
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sábado, 17 de agosto de 2013
FAZENDANDO-SE
Ia abrindo a picada no facão. Pelo queimar do
sol, meio dia e meia, se tanto. No verde fechado luziu a chave, a dourada
chave-mestra dos lugares improváveis. Velha Dita benzedeira, dai-me caminho
bom. Pai do mato e das estrelas, daqui não tem retornar nem arrependimento de
ver coisas que não carecem ser vistas. Desse ponto por diante é por minha conta
e risco. Lembrava a mãe que dizia: "do mato guarde distância".
Limpou o achado no brim cáqui, e no retomar da
trilha um jacarandá dos baitas se fez porta à sua frente. Nessa hora virou
rosto, e dá-lhe Salve Rainha implorando proteção – o acorrido não era
acontecência cristã. Temor de obra do cão, vontade de colo quente.
A dobradiça rangeu, e foi sugado num tranco
para dentro da casa grande. Deu com a carcaça no gelo das pratarias, baixelas
da mesa posta para um jantar de calendário incerto. Botou reparo no pedaço de
varanda que se via da janela, e assim ficou tempo imenso até que um ruído de
saias o trouxe, em saltos mortais, às anáguas e espartilhos da sinhazinha que
ia entrando. E varava livremente as camadas todas de pano e de castidade, mas
num remorso de incesto que não cabia explicar. Uma ancestral de si, ali a pleno
frescor, quem não garante que era? Sinhazinha de respeito e jeitos misteriosos,
empunhando livro e leque, o olhar mirando o caminho da entrada da propriedade.
De novo o efeito centrífuga, sem chance de
escapatória. Foi sendo puxado de costas rumo ao carrilhão de mogno. Por entre
molas e engrenagens, laçou o ponteiro de minutos e ali ficou bem montado até
que o das horas viesse e o levasse são e salvo ao XII do mostrador. Um cheiro
de óleo de máquina se misturou ao de tinta, no instante em que se deu conta que
estava no quadro da sala, de moldura quebradiça, herança do engenho velho.
Retrato de gente austera, ele era o homem da tela, e em frente a ele outro
homem, paleta e pincel nas mãos, dava os últimos retoques. Um passo atrás para
olhar melhor o todo da obra acabada. Vira a cabeça pra um lado, vira a cabeça
pro outro. Falta um tonzinho de amarelo queimado na testa, acima dos cílios.
Agora sim, a assinatura. Nome e data sobre tela. Ali ficará, imóvel, pelos
séculos dos séculos, olhando quem se achegasse à sala da grande sede da Fazenda
Santa Lúcia.
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Marcelo Pirajá Sguassábia é
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sábado, 10 de agosto de 2013
AO MEU TATARANETO
Querido sei lá quem, sangue do meu sangue, obra de minha coautoria
que leguei inadvertidamente à posteridade,
Espero que esta o encontre com saúde, se é que um dia irá encontrá-lo, e isso contando que você venha de fato a existir. Estava olhando umas fotos e de repente me pareceu interessante a possibilidade de comunicação entre mim, que há muito já estou morto, e você, que ainda está por nascer. São retratos da sua bisavó, desde os 3 meses até os 16 anos. Estão em porta-retratos de bronze, que enchem 2 prateleiras do meu escritório. Aliás, você não imagina o que essa veneranda senhora grisalha, de ares matriarcais e que seguramente implica com tudo aí na sua casa, vem aprontando agora que é novinha. Almoça e janta internet, algo que está para o seu cotidiano assim como o telégrafo está para o meu.
Talvez essas fotografias a que me refiro estejam aí no futuro, descoradas e quebradiças nos cantos, pegando mofo dentro de uma caixa de sapatos - embora essa seja uma forma de guardar recordações típica do século 20. Já os porta-retratos, é duvidoso que tenham atravessado gerações. Algum ascendente seu e descendente meu, mal intencionado ou mal das pernas, na certa há de ter transformado todo esse bronze em uns bons cobres.
São precisamente 23 horas e 17 minutos do dia 7 de julho de 2013. Os galos ainda cantam de manhã, 99,9% das pessoas têm que trabalhar duro pra sobreviver e até o momento não se têm provas definitivas da existência de seres extraterrestres. Muitos dos grandes dilemas da raça humana continuam insondáveis, como a vida após a morte, a influência dos duendes na pressão atmosférica e o que fez Ronaldinho amarelar na final da Copa de 98. Ainda não descobriram as curas da Aids e de todos os tipos de câncer. Mesmo passados doze anos, as pessoas guardam bem vivas as lembranças do atentado que derrubou as torres gêmeas de Nova York, em setembro de 2001.
Espero que esta o encontre com saúde, se é que um dia irá encontrá-lo, e isso contando que você venha de fato a existir. Estava olhando umas fotos e de repente me pareceu interessante a possibilidade de comunicação entre mim, que há muito já estou morto, e você, que ainda está por nascer. São retratos da sua bisavó, desde os 3 meses até os 16 anos. Estão em porta-retratos de bronze, que enchem 2 prateleiras do meu escritório. Aliás, você não imagina o que essa veneranda senhora grisalha, de ares matriarcais e que seguramente implica com tudo aí na sua casa, vem aprontando agora que é novinha. Almoça e janta internet, algo que está para o seu cotidiano assim como o telégrafo está para o meu.
Talvez essas fotografias a que me refiro estejam aí no futuro, descoradas e quebradiças nos cantos, pegando mofo dentro de uma caixa de sapatos - embora essa seja uma forma de guardar recordações típica do século 20. Já os porta-retratos, é duvidoso que tenham atravessado gerações. Algum ascendente seu e descendente meu, mal intencionado ou mal das pernas, na certa há de ter transformado todo esse bronze em uns bons cobres.
São precisamente 23 horas e 17 minutos do dia 7 de julho de 2013. Os galos ainda cantam de manhã, 99,9% das pessoas têm que trabalhar duro pra sobreviver e até o momento não se têm provas definitivas da existência de seres extraterrestres. Muitos dos grandes dilemas da raça humana continuam insondáveis, como a vida após a morte, a influência dos duendes na pressão atmosférica e o que fez Ronaldinho amarelar na final da Copa de 98. Ainda não descobriram as curas da Aids e de todos os tipos de câncer. Mesmo passados doze anos, as pessoas guardam bem vivas as lembranças do atentado que derrubou as torres gêmeas de Nova York, em setembro de 2001.
Um assunto na ordem do dia é a clonagem. Em larga escala,
entretanto, só existem as de cartão de crédito e placas de carro. Gerar clones
com certeza é corriqueiro aí. As cidades todas devem ter lojas ou centros de
clonagem, algumas até abertas 24 horas e com serviço de leva-e-traz. Aposto que
nas casas de classe média proliferam forninhos que cozinham, assam, fritam,
douram e clonam alimentos. Fico imaginando que maravilha para as donas de casa.
Bife, por exemplo. É fazer uma vez e clonar para o ano todo. E se a moda pega
isso vale pra tudo: Scotch 12 anos e caviar, inclusive. Uau! Expressão antiga
essa, né? Até pra esse seu provecto tataravô isso soa velho.
É inverno, faz frio onde estou e escuto Os Tribalistas - um disco que já deve ter uns dez anos e que, espero, possa desafiar outras décadas e chegar também aos seus ouvidos. Quem sabe exista uma máquina aí em dois mil e oitenta e tanto, que viajando à velocidade da luz, possa voltar ao passado e trazer você aqui, de presente ao meu momento. De repente você pode até escolher este instante em que escrevo pra fazer isso. A propósito, que plataforma terá a escrita no seu tempo? Talvez já existam mixers de palavras e frases, eletrodomésticos que processem livros inteiros e em estilos diversos num passe de mágica. Mas não tenho esperança, não. Quando garoto, imaginava o ano 2000 com as pessoas movidas a foguetinhos autopropulsores e curtindo férias em Júpiter. Passamos por ele e nada de mais aconteceu, à exceção de algumas toneladas extras de fogos em Copacabana. Até o bug do milênio foi um fiasco, tão frustrante quanto a passagem do Cometa Halley, em 1986. O século 21 chegou e as roupas continuaram de pano, os carros continuaram saindo de fábrica com os motores a explosão da época de Henry Ford, o homem continuou sendo o que sempre foi: um tubo processador de cocô.
Vou ter que parar por aqui porque a campainha está tocando. Algo que agora não vai dar tempo de te explicar o que é. Ou melhor, o que era.
É inverno, faz frio onde estou e escuto Os Tribalistas - um disco que já deve ter uns dez anos e que, espero, possa desafiar outras décadas e chegar também aos seus ouvidos. Quem sabe exista uma máquina aí em dois mil e oitenta e tanto, que viajando à velocidade da luz, possa voltar ao passado e trazer você aqui, de presente ao meu momento. De repente você pode até escolher este instante em que escrevo pra fazer isso. A propósito, que plataforma terá a escrita no seu tempo? Talvez já existam mixers de palavras e frases, eletrodomésticos que processem livros inteiros e em estilos diversos num passe de mágica. Mas não tenho esperança, não. Quando garoto, imaginava o ano 2000 com as pessoas movidas a foguetinhos autopropulsores e curtindo férias em Júpiter. Passamos por ele e nada de mais aconteceu, à exceção de algumas toneladas extras de fogos em Copacabana. Até o bug do milênio foi um fiasco, tão frustrante quanto a passagem do Cometa Halley, em 1986. O século 21 chegou e as roupas continuaram de pano, os carros continuaram saindo de fábrica com os motores a explosão da época de Henry Ford, o homem continuou sendo o que sempre foi: um tubo processador de cocô.
Vou ter que parar por aqui porque a campainha está tocando. Algo que agora não vai dar tempo de te explicar o que é. Ou melhor, o que era.
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sexta-feira, 2 de agosto de 2013
COMETA
Peço encarecidamente a vocês, meus conterrâneos, que contenham seus
ânimos e mantenham a calma neste momento histórico. Trata-se de um marco não só
para os anais da municipalidade, mas também para toda a vasta pastagem
adjacente. A passagem de um cometa é acontecimento raro, e como tal deve
devemos tirar dele, cada um a seu modo, o melhor proveito possível.
Já posso vê-lo despontando no horizonte, por enquanto um minúsculo ponto
de luz, ainda bem distante. Muito em breve, porém, eu lhes asseguro que estará
brilhando em todo o seu esplendor no escuro da noite, descrevendo sua incrível
trajetória em alta velocidade e deixando um rastro por onde passar.
Sabemos que o alvoroço será
grande com a novidade, porém precisamos estar atentos para que ela não cause transtornos
- como pisoteamentos e outros acidentes graves, na ânsia de acompanhar seu
percurso ou de encontrar um posto de observação privilegiado para contemplar a
tão aguardada aparição.
Nem é preciso lembrar de
tudo o que a passagem de um cometa traz consigo em matéria de presságios
esotéricos e metafísicos - na forma de pressentimentos catastróficos, previsões
cabalísiticas, suicídios coletivos e simpatias as mais variadas. Por isso
mesmo, ao invés de sofrer com ansiedades, taquicardias e tremores devidos à
insana expectativa, para alguns a ocasião talvez seja propícia ao recolhimento
e à conversão sincera e definitiva. A um encontro consigo mesmo e a uma mudança
de vida profunda, que reflita de fato em suas atitudes e pensamentos. Assim,
sugiro que as pessoas que sofrem de problemas nervosos se abstenham da
observação e façam um favor à própria saúde, permanecendo em oração nas suas
casas.
Nossa progressista
Macambúzios conta hoje com 256 almas - já contabilizando, claro, os quatro
guris ainda em gestação, e que logo logo estarão correndo em desabalada
carreira pelas nossas duas ruas sem saída. Diria que o acontecimento que
estamos prestes a testemunhar será, para todos nós, o estopim de um tempo de
conquistas e glórias nunca vistas. De mais empregos e oportunidades de
empreendedorismo, de varandas com pintassilgos nas gaiolas e alpiste abundante
nos cochinhos, de disputados campeonatos de fubeca envolvendo toda a população
macambuzense e os forasteiros que aqui chegarem. Estamos a um passo, meus concidadãos,
de exterminar de vez com o tédio que há centenas de anos nos assola, e que faz
de nós um povo cujos únicos passatempos se resumem a abanar moscas no verão e a
espremer cravos nas costas uns dos outros, ao longo das outras três estações do
ano.
Macambúzios merece e terá
tudo o que a passagem de um Cometão, novinho e reluzente, pode trazer de bom. A
cada parada que fizer em nossa improvisada rodoviária, teremos pelo menos 40
viajantes ávidos por um caldo de cana, um quebra-queixo fresco, uma engraxada
nos sapatos ou uma fezinha na rifa para as obras da igreja. As baldeações serão
de apenas dez minutos, porém suficientes para que tenhamos, enfim, o que fazer
da vida enquanto a morte não chega.
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