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sábado, 26 de julho de 2014

UM HOMEM E UMA MULHER: 70 ANOS DEPOIS*


Foto célebre de casal se beijando em Times Square em 14/08/1945, quando foi oficializada a rendição japonesa, que marcou o final da Segunda Guerra Mundial. Ele, um marinheiro. Ela, uma enfermeira. Não se conheciam. Consta que, após o beijo, cada um seguiu seu rumo e nunca mais se viram.

Fotógrafo: Alfred Eisenstaedt


- Você é o neto do marinheiro?
- Sim. E você deve ser a neta da enfermeira, certo? Vamos entrar. Sente-se.
- Como é que você me descobriu?
- Isso não vem ao caso. O que eu posso te dizer é que foram anos de investigações, pistas falsas, tempo perdido e até detetives envolvidos.
- Nossa...
- Indo direto ao que interessa: a foto dos nossos avós corre mundo afora em milhares de sites, jornais, revistas e o diabo a quatro. E olha que lá se vão quase 70 anos do clique histórico.
- Sim, mas e daí?
- E daí que em praticamente todas as enquetes mundiais sobre as fotos mais célebres de todos os tempos o registro dos nossos avós está sempre lá, encabeçando as listas. O retrato é tão famoso e reproduzido quanto o Chê de boina preta e o Einstein mostrando a língua. Percebe agora aonde quero chegar?
- O que eu sei é que vovó falava raramente sobre isso. Quando a foto começou a se espalhar, ela se reconheceu mas adotou uma postura discreta sobre o assunto.
- Vovô também. Mesmo porque já era casado na época, e a sorte dele é que os dois rostos, pela posição, não são facilmente reconhecíveis.
- Quando é que eles iam imaginar que a foto deles ia ganhar essa projeção toda? O tal de Alfred, o fotógrafo, eu não sei se ganhou dinheiro com isso. Mas com certeza nossos avós não levaram nenhum tostão. Vovó morreu devendo, coitadinha.
- Pois é este exatamente o ponto. Proponho que a gente entre com uma ação judicial conjunta, pra que possamos cobrar os direitos de uso de imagem daqui pra frente e requerer todos os atrasados por utilização indevida, ou seja, sem autorização dos fotografados. Os nossos avós, no caso. Em 2015, o final da Segunda Guerra completa sete décadas, e a foto será reproduzida à exaustão. Se tivermos os direitos sobre ela, podemos ficar ricos. E torrar o dinheiro juntos, se você quiser...
- Sei. Você está se saindo mais afoito que seu vovozinho marinheiro.
- Vovô tinha muito bom gosto e não beijaria qualquer baranga que passasse à sua frente. Sua avó devia ser um pedaço de mau caminho. Aliás, beleza parece ser de família. Você é linda, sabia? Que tal um revival? Netinho e netinha, repetindo a façanha 70 anos depois...
- Gosto dos ataques sem rodeios. Vem e me tasca logo um de língua.

O morador do apartamento vizinho aumenta o volume do rádio: “Rússia dispara míssil sobre território ucraniano e provoca reação imediata dos Estados Unidos. Especialistas em conflitos bélicos afirmam que pode ter início hoje a terceira guerra mundial.”

*Esta é uma peça de ficção

© Direitos Reservados

Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
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sábado, 19 de julho de 2014

PISCINA CHEIA



- Piscina é um negócio nojento mesmo. Se a gente parar pra pensar não entra numa de jeito nenhum.
- Ainda mais piscina de clube. Mas quem ligava pra isso? O que tinha que acontecer rolava aqui, em volta e dentro dela.
- Um caldo coletivo de bactéria, mas o que podia ser melhor que aquela vida irresponsável, cheirando a cloro? É, eu tinha cloro nos cabelos. Melhor ainda, eu tinha cabelos.
- Que graça tem hoje, com essa história de piscina em casa? Todo mundo tão isolado. Instrumentalizaram a piscina. Piscina serve pra não precisar ser sócio de clube.
- Lembro que você não tinha nenhuma estria ainda. Celulite, nem pensar. Pernas roliças, seios de pera. Ah, mulher, você era mais lisa e simétrica que os azulejos da Olímpica. Olha eles agora. Alguns soltos, muitos trincados, outros descorados, cheios de limbo verde.
- O que me comove é este seu transbordante romantismo.
- 1981, 82. Não havia como não olhar pra você, com aquele biquíni mínimo.
- Que depois eu acabei jogando fora, você não me deixou usar mais.
- Lógico. Aquilo ia bem na namoradinha dos outros. Quando te pedi em namoro já era pensando em casar. Nossa, você era pele e osso. Quase um desconforto te abraçar, Mirtes. Machucava.
- Me deixasse lá então, com meu biquíni mínimo. Se era mesmo essa faquir que você está falando, ninguém devia reparar em mim... nem você.
- Então, mas era uma magreza de modelo, esguia. Você era uma garça no meio das galinhas-d’angola...
- Na época você não me falava isso.
- Confete demais. Você se achava a última bolacha do pacote. Eu não repito nem pra mim os comentários da turma sobre você, antes da gente começar a namorar.
- Faz tanto tempo. Pode dizer agora, fiquei curiosa.
- Falar em confete, e os carnavais, heim? Muitos carnavais.
“Quando por mim você passa, fingindo que não me vê, meu coração quase se despedaça...
- ... no balancê, balancê”.
 Você bêbado feito um gambá, mamando aquela garrafa de tubaína cheia de Fernet com pinga.
- Tubaína, Fernet... volta pra 2014, Mirtes. Espana esse mofo, aí.
- Quem começou com o flash-back foi você.
- Olha outra do arco da velha... flash-back!
- Cinco noites e três matinês. Como é que a gente aguentava eu não sei.
- Uma folia emendava na próxima. Ia curando a ressaca de um dia com a bebedeira do outro...
- Você não valia nada, Bruno. Aposto que não se lembra mais daquela terça gorda quando te flagrei no carro com a Soraya-vai-que-é-fácil. E a gente já tinha aliança de compromisso.
- Efeito da tubaína. A Soraya era galinha-d’angola, como as outras...
- Ah, tá. Me engana que eu gosto.
- Eu até que era comportado. Pior foi o Julinho, que colocou uma câmera de vídeo no vestiário feminino. As debutantes todas, nuinhas. A fita circulou a cidade inteira, fizeram não sei quantas cópias. Sorte que você não apareceu no clube aquele dia.
- Olha lá, os caminhões de terra chegando.
- De novo, a velha piscina cheia. Antes fosse de gente.
- Sente comigo esse cheirinho bom de bronzeador. Pelo que vivemos aqui. Pelo que não volta mais.
- Mirtes, dá uma olhada no nome da empresa pintado nos caminhões.
- Júlio Piedade Terraplenagem e Engenharia. Que é que tem?
- É o Julinho. É a última do Julinho.

© Direitos Reservados


sábado, 12 de julho de 2014

TEORIA DA CONSPIRAÇÃO - A VERSÃO DEFINITIVA



Na verdade não se trata de uma teoria da conspiração, daquelas que (no caso da Copa) levianamente se forjam para denegrir um atleta ou o time todo, mas sim de um bem fornido balaio de absurdos, que aos poucos vai vindo à tona e ganhando espaço na imprensa - com provas irrefutáveis da veracidade de muitos deles. Por mais inacreditáveis que sejam.

Descobriu-se, por exemplo, que o tetraplégico que iria dar o pontapé inicial da Copa 2014, de quem ninguém viu a cara e nem o pontapé, era na verdade o centroavante Fred. Isso provocou a indignação de boa parte da torcida e da mídia especializada, que com razão se revoltaram pelo fato de um jogador do Tetra continuar como titular da equipe até hoje, passados 20 anos. As razões que motivaram a escalação do deficiente no time permanecem ainda obscuras, com os envolvidos desviando dos repórteres e evitando falar sobre o assunto.

Há também um fundo de verdade - de triste verdade - na afirmação de que foram Hulk e Davi Luis, aquela bizarra cruza de ovelha com ser humano, os únicos que empurraram o time nos seis horrorosos jogos em que a seleção desfilou seu futebolzinho Louis Vuitton. E realmente foi isso o que aconteceu, pelo menos no jogo contra a Alemanha. Foram coletadas várias fotos amadoras que confirmam essa versão, mostrando ambos empurrando ofegantes o busão verde e amarelo quando este sofreu pane a caminho do Mineirão, para disputar a fatídica semifinal. Esse esforço sobre-humano, que deveria ser gasto em campo, foi antes da hora desperdiçado no empurra-empurra da jabiraca.

Talvez não seja do conhecimento de todos, mas ainda nesse malfadado percurso do buzunga até o estádio belorizontino, houve uma parada de dez minutos para uma esticada de pernas, um alívio no mictório e o indispensável golinho de birita, para encarar mais tranquilo a fria muralha alemã.  Foi quando o Parreira flagrou o goleiro Júlio Cesar em meio a irrefreável impulso glutão. Já tinha mandado pra dentro dezoito olhos de sogra da marca “Da Nega”, produto sem registro no MS nem data de validade estampada na embalagem. Do ponto de vista da ação e reação, seria injusto inocentar a iguaria pelo efeito aparvalhado provocado no goleiro ao contemplar, bovinamente, as sete bolas entrando fáceis na sua meta.

A falta de ferro, cálcio, magnésio e proteínas na alimentação produziu um outro lamentável episódio, desta vez envolvendo o filho do desconhecidíssimo Neymar, o célebre Neymar Jr. Tais deficiências nutricionais explicariam muita coisa, inclusive o calção que caía a toda hora e mostrava a cueca do pobrezinho e sua estrutura corpórea mirrada. Um seguro indício de sérios problemas de inanição, sem dúvida. Retrato fiel da penúria que assola o nosso esporte e que faz com que craques desse gabarito continuem sendo craques apenas nas horas vagas, encarando a dura faina de frentista de posto de gasolina e de freguês cativo do Angu do Gosma Selvice Serv ME.


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sábado, 5 de julho de 2014

A HISTÓRIA É OUTRA



É OUTRA
Nossa história começou lá no tempo do Zagaia, com a primeira oportunidade de contrabando. Eram 200 contêineres abarrotados de absinto de excelente qualidade, provenientes da Itália em conexão mafiosa chefiada pela Famiglia Corroccinne. A partir dessa experiência inicial, coroada de sucesso, nossa rede de contravenção se infiltrou rapidamente por toda a América.

Ano após ano, década após década, fomos nos aprimorando na requintada arte de trapacear sem levantar suspeitas.

Sabíamos muito bem aonde queríamos chegar e seguíamos em frente, com ousadia e determinação. Nos olhos, aquele "vidrado" indisfarçável de quem cheirou três carreiras seguidas de pó pra dar coragem de passar na alfândega sem dar muita bandeira, com os carregamentos de matéria-prima subfaturada. 

O pequeno esconderijo da Avenida Leônidas Goulart Prado, que também centralizava o apoio tático e servia de depósito de muamba, fuzis e munição, acabou ficando pequeno para a dimensão dos nossos planos. Nossa audácia e expertise criminosa era admirada, éramos o assunto da vez nas celas das grandes cadeias.

Experimentamos um crescimento sem precedentes em nossos negócios. Só hoje, foram distribuídos mais de R$350.000 em propinas, cafezinhos, ajudinhas de custo, agrados e presentes dos mais diversos tipos para continuar acobertando a clandestinidade das nossas operações nos 5 continentes.






HISTÓRIA
Nossa história tem início na primeira década do século 20, nos porões de um dos tantos navios que traziam imigrantes da Itália para o Brasil. Viajando na terceira classe, Domenico Estrombotti e famiglia deixavam o velho mundo para fazer a América.

Ano após ano, década após década, fomos nos aprimorando e nos tornando referência em nosso segmento. Com uma visão clara do futuro, mas sempre inspirados pelos ideais dos primeiros tempos.

Sabíamos muito bem aonde queríamos chegar e seguíamos em frente, com ousadia e determinação. Nos olhos, a confiança e a expressão da fé inabalável em vencer os desafios - que foram muitos e grandes, mas nenhum deles maior que a crença no ser humano e na sua capacidade de se superar. 

O pequeno escritório na Avenida Leônidas Goulart Prado ficou pequeno para o pioneirismo e a verve visionária que acompanhavam a empresa desde os seus primórdios. Menos de dois anos após a chegada ao país, a excelência de nossos artigos já estava consolidada, com forte presença nas prateleiras das grandes cadeias varejistas.

Experimentamos um crescimento sem precedentes em nossos negócios. Hoje, são mais de 350.000 toneladas de produtos para exportação com certificação internacional de qualidade, abrindo divisas para o país e elevando o nome da nossa empresa e do Brasil nos 5 continentes. 

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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
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