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sábado, 29 de dezembro de 2012

HOLOCAUSTO GERIÁTRICO



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O inevitável bate à porta: o efeito INSS chega aos fundos privados de previdência e pensão. E é preciso deixar claro que o nosso não é exceção à regra.

Caso não ocorra uma mortandade maciça de beneficiários em curtíssimo prazo, o sistema entra em colapso. A lógica é aritmeticamente implacável: os recursos da base contributiva não chegam a cobrir um terço dos benefícios pagos, e isso inviabiliza qualquer mecanismo previdenciário. Se fizéssemos parte de órgão público, tudo bem. Na falta de dinheiro, o governo – municipal, estadual ou federal – viria para acudir o rombo, logo tampado com novas alíquotas nas tabelas de impostos e outras manobras emergenciais.

Não é esse o nosso caso, e temos que nos virar do jeito que pudermos para que o aumento da expectativa de vida não leve o nosso fundo de previdência prematuramente à morte.

Algumas alternativas se mostram bastante promissoras. Sob o pretexto de transformar os “pés-na-cova” em “geração saúde”, podemos expor os velhinhos a riscos consideráveis de irem dessa para melhor. Se de cada dez tentativas, pelo menos duas forem convertidas em óbito, ganharíamos uma sobrevida de aproximadamente seis meses para que possamos planejar com mais calma novos e bem-sucedidos massacres geriátricos.

A esse esforço mobilizador temos que acrescentar toda a nossa criatividade. É preciso mexer com a vaidade dos velhotes, com argumentos do tipo: “mostre para o seu parceiro de damas que o seu negócio é trilha” (não aquela de tabuleiro, mas a de lama, bichos peçonhentos e caminhos radicais, cheios de buracos e perigos). Já para as meninas beirando os noventa, uma boa estratégia seria uma campanha com o mote “troque o tricô pela tatoo”, na qual milhares de lotes de agulhas infectadas promoveriam o saneamento das nossas contas – se é que entendem o que quero dizer.

Thomas Malthus pregava o controle da natalidade como forma de salvar o mundo da escassez de recursos, mas a redenção de fato está no descontrole da mortalidade. É triste, mas é real. Competições de rapel com mosquetões defeituosos, ônibus de turismo com freios sabotados, teleféricos com cabos rompidos, maioneses com salmonela servidas em bailões da terceira idade são algumas das muitas iniciativas que de imediato devem ser implementadas.

Entretanto, é preciso tomar cuidado com extermínios de grandes proporções. A ocorrência de vários deles simultaneamente pode chamar a atenção da imprensa ou alertar os órgãos reguladores do setor securitário, o que certamente nos trará sérios problemas na esfera jurídica. Precisamos agendar as tragédias região por região, de tal maneira que, perante a opinião pública, a estratégia seja entendida como fatalidade.

Feliz 2013 a todos!




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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
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quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

O DEDÉ






Foi revendo “Forrest Gump” que lembrei do Dedé, o sumido porém inesquecível Dedé. Estava ao seu lado no cinema, na época do lançamento do filme, quando num rompante inspiradíssimo ele lavrou a versão tupiniquim da filosofia do anti-herói americano: “A vida é como uma empadinha de rodoviária: a gente nunca sabe o que vai encontrar”.

Nada do que o Dedé dissesse era levado a sério. Por mais sérios que fossem seus enunciados e máximas.
Consta que foi por volta de 1978 que o Dedé cismou que o tempo estava passando mais rápido. Alardeava aos quatro ventos a singular constatação, dispunha-se a chamar a comunidade científica pra comprovar por A+B a sua tese. Tinha toda uma teoria, amparada por equações complicadíssimas, cálculos quânticos e dízimas periódicas. Porém, mais rápido ou não, o tempo passou e a coisa ficou por isso mesmo.

Uma figura, o Dedé. Pelo seu jeitão aloprado, muitos o chamavam de Lelé. Que maldade.
Líder nato, amava palavras de ordem e gritos de guerra. Adivinha, no colégio, quem era o presidente do grêmio, o chefe da fanfarra, o representante de classe, o orador da turma? Lógico, o Dedé. Na faculdade, estampava e vendia nos intervalos das aulas camisetas do Che, da plantinha de Cannabis e contra o imperialismo ianque.

Se havia alguém perito em arrumar uma confusão, esse alguém era o Dedé. Sem querer, espalhava boatos e insultos difamantes, semeando a discórdia por onde passasse. Aprontava todas e, quando o tempo fechava, escafedia-se em meio à turba se estapeando. O Dedé sumia com a leveza e a rapidez de um ninja. Aquele monte de amigos batendo e apanhando por causa dele, e ele lá, rindo e guardando distância segura do quiproquó.

O Dedé era também um diletante gastronômico, e suas panelas assistiam às combinações mais esdrúxulas – macarrão doce, sorvete de queijo com cobertura de azeite de oliva e polvilhado com orégano, pato ao molho de fanta uva.

São muitas as recordações. Devia ter umas duas semanas de casado, praticamente ainda em lua de mel, e quem me aparece em casa, de mala e cuia? Adivinhou de novo, leitor: o Dedé. Disse que ia ficar só uns dias. E uns dias, para o Dedé, eram muitos. Mais exatamente, 94.
Assaltava a geladeira sem cerimônia nenhuma, esparramava-se no sofá da sala para ver televisão e urinava com a porta do banheiro aberta.

O ecletismo era sua marca registrada no âmbito profissional. Chegou a gerenciar simultaneamente um bingo para a terceira idade, um serviço de telemensagem e um quiosque de tapioca.

Há cerca de dois anos, aconteceu aquela que seria a grande guinada de sua vida. Com a pompa que a circunstância exigia, abriu as portas do “Hair Fashion by Dedé”. Portas que foram fechadas antes mesmo da tesoura de cabeleireiro cortar a fita inaugural, por não ter sido expedido o alvará da prefeitura. Nunca testemunhei tão retumbante fracasso. Mais de 150 convivas, entre autoridades, convidados e representantes da imprensa local, degustando sidra vagabunda e assistindo o fiscal lacrar o natimorto salão de beleza.

O sucesso do Dedé com as mulheres era inversamente proporcional à sua desenvoltura como empreendedor. Tinha todas as que punha em sua alça de mira. Incluindo a filha de um promotor de justiça, com a qual chegou a noivar e a quem dedicou uma canção de relativo sucesso na época, finalista de um festival em Santa Rita do Passa Quatro e terceiro lugar num outro em Ijuí.
Não obstante essas heroicas conquistas, o pai da moça se opunha ao relacionamento, subestimando seus feitos e julgando-o indigno da filha.
Afrontado e ávido por um revide, Dedé foi à luta e um mês mais tarde esfregou na cara do promotor uma medalhinha de menção honrosa no 12º PIC - Piraporinha in Concert, e o cheque de R$ 75,00 a que fez jus.

Convertido a uma seita pentecostal, passou a levar uma vida regrada e produzia, em sociedade com um cunhado, pesos de porta com grandes figuras bíblicas, como Maomé, Isaac e Matuzalém. Mas foi à bancarrota ao ter um contêiner de Isaacs devolvidos. O comprador alegou que os Isaaquinhos rechados de areia trajavam suspensórios, artefatos que ainda não estavam em voga naqueles idos distantes.

Assim era o Dedé. Esse ser que não existe.



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http://www.publicdomainpictures.net/view-image.php?image=19999&picture=homem-triste-e-chuva">Homem triste e chuva
por George Hodan




Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
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sábado, 8 de dezembro de 2012

REVOLUÇÃO DE ISOPOR





Antes de mais nada, agradeço a presença de toda a diretoria do shopping a esta convocação extraordinária.

Bem, indo direto ao assunto: por meio de pesquisas, detectamos que mais de 90% dos homens odeia aquilo que 100% das mulheres adora: experimentar roupas. Para eles, é tortura chinesa entrar e sair de loja, e dentro de cada loja entrar e sair do provador, e dentro de cada provador entrar e sair de ternos, jaquetas, camisas, calças, sapatos... fora isso tem aquela vendedora excessivamente prestativa, em geral comissionada, que fica atrás da cortina perguntando a toda hora se ficou bom. Se não ficou, sem problemas - ela já está a postos com outras nove peças na mão, prontinhas para entrar e sair da máscula carcaça.

Diante dessa constatação surgiu a ideia, que motivou essa nossa reunião. O negócio funcionaria da seguinte forma: o sujeito vem até o shopping, tira a roupa em uma sala reservada e é escaneado em 3 dimensões. A partir disso um software faz todos os cálculos e cria virtualmente um clone do físico da pessoa. Os dados são transferidos para uma máquina modeladora - que irá produzir um manequim em isopor do macho em questão. Todo o processo não leva mais que dez minutos.

Finalizado o boneco, nossos funcionários saem batendo perna pelo shopping procurando os itens solicitados pelo cliente, de acordo com a predileção por marca, cor, numeração, estilo, etc. Encontrando em alguma loja um produto que tenha a cara do nosso amigo, o funcionário põe no boneco e vê se ficou bom. Se sim, nosso cliente é avisado por celular que na loja tal, por tantos reais, tem uma calça x que cai com perfeição no corpo dele. A foto do produto vai junto, e o sujeito só tem que aprovar ou não a compra.

Logicamente que alguns itens ficam fora do serviço. Roupas íntimas, por exemplo. Os lojistas não deixariam experimentar, ainda que o boneco seja de isopor. Com óculos a coisa também não funciona, pois são milhares de armações disponíveis. Além do mais, o rosto não será detalhado no processo de escaneamento, por uma questão de privacidade. Vai que algum credor da pessoa de carne e osso reconhece o seu modelo de poliestireno e resolve atrapalhar a compra ou esquartejar o boneco? O mesmo pode acontecer com um oficial de justiça ou até com alguém da polícia que esteja no encalço de um eventual consumidor foragido... Então, decidimos que o rosto da estátua terá aquela feição padrão de manequim de butique, para não termos problemas.

Enquanto isso o contratante do serviço fica no cinema, toma um chopp ou aproveita para comer um negócio - ele só não pode comer ou beber muito, sob pena do boneco de isopor, ao final da compra, não corresponder mais à silhueta do original.

Resumindo: ao mesmo tempo em que a gente tem a chance de empurrar mais produtos no cliente, ele segue consumindo na praça de alimentação e nos setores de entretenimento. Isso não é um diferencial, é uma revolução mercadológica! No início, podemos causar estranheza e até alguma rejeição, com os nossos funcionários andando pra baixo e pra cima com os bonecos de isopor debaixo do braço. Porém, com o tempo, a conveniência vai vencer a resistência. Podem ter certeza.

Bom, em linhas gerais, é esse o projeto. Perguntas? Dúvidas?


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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
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