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sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

ÊTA, UNIVERSÃO VELHO SEM PORTEIRA!


Imagem: wikimedia commons


Eu acredito em terráqueos. É muita pretensão pensar que nós, extraterrestres, estejamos sozinhos nesse universo imenso. Isso contraria qualquer lógica. Por que somente nós, ETzinhos horrendos, cascudos e disformes, teríamos a regalia de sermos os eleitos da criação divina?

Creio piamente que há algo muito mais divertido, entre os terráqueos, do que este nosso primitivíssimo e insípido sistema de teletransporte. Coisas como carros movidos a combustível e autoestradas ligando um lugar a outro, onde se possa aproveitar cada minuto da viagem e torná-la mais lúdica e emocionante - desviando de buracos, parando em praças de pedágio, encarando engarrafamento ou comendo uma coxinha no caminho. Eu diria que isso sim é que é vida inteligente, ou, no mínimo, interessante.

Nós não morremos, não casamos, não nos reproduzimos sexualmente, não temos conta para pagar nem fezinha na loteria para fazer. Só ficamos de um ponto a outro desse universão de meu Deus, cruzando o cosmo na velocidade da luz e sem encontrar coisa alguma que valha uma distração ou um olhar mais atento. E o que é ainda mais triste: sem achar sentido nesse vai-e-vem abestalhado, nessa expedição sem missão determinada.

Terráqueos sim, devem levar a vida, com afazeres que os ocupam, preocupam e ajudam a matar o tempo. Há relatos (pouco científicos, é verdade) de habitáculos denominados casas e apartamentos, onde os terráqueos se abrigariam com seus entes queridos. E dentro deles há fêmeas com seios e nádegas, partes anatômicas que as nossas desengonçadas ETzas nem imaginam o que sejam, e que por certo lhes causariam uma inveja danada. Alguns dos nossos juram ter feito contato com eles e afirmam que os felizardos cortam grama, fazem churrasco, tiram fotografias das formaturas dos filhos e se deslocam diariamente a lugares onde as tarefas que executam são trocadas por uns papéis cheios de números e desenhos - que eles posteriormente utilizam para converter em gêneros de primeira (ou nem tanta) necessidade.

Com exceção de alguns poucos privilegiados, que nada precisam fazer para terem em abundância os tais retângulos com números, os terráqueos lutam bravamente pela sobrevivência. Ah, minha Nossa Senhora da Ursa Maior, como isso seria maravilhoso para combater o tédio eterno que nos atormenta! Tudo bem, sei que sou só um ET lunático, mas não tenho culpa se insisto em sonhar com outras formas de vida. Enquanto esse acalentado encontro não acontece, deixa eu botar os pés no chão, passar na locadora e alugar pela enésima vez "T, o Terrestre", para assistir no DVD do OVNI.



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sábado, 19 de janeiro de 2013

O MELHOR NEGÓCIO DO MUNDO



Imagem: wikimedia commons




- Indo direto ao assunto: a proposta é vendermos cartucho a preço de impressora e impressora a preço de cartucho. Resumidamente, é isso.

- Meio confusa e incoerente essa ideia, não? Explica melhor.

- De novo, curto e grosso: impressora a 170 reais e cartucho de tinta colorido mais o black a uns130 o conjunto.

- Mas com base em que iremos justificar esse preço exorbitante dos cartuchos de tinta? Todos sabemos que, somados todos os insumos e a margem de lucro, o preço final justo seria muitíssimo menor que esse.

- Já pensei nisso. Vamos nos calçar numa hipotética tecnologia HighPrint Ultra Extra Long Lasting Performance. Deu pra entender o raciocínio? Já passei para a gerência de produtos a tarefa de criar um nome bem "tecno" e sonoro.

- Isso não vai funcionar, o consumidor não é bobo. Nada no mundo seria mais caro que tinta de impressora. Até as raríssimas trufas brancas italianas seriam mais baratas, concorda? Não demoraria nada para surgirem fabricantes com cartuchos compatíveis, vendidos pela metade do preço. E ainda assim ficariam ricos.

- Por mais que surjam e cresçam os mercados paralelo e o de remanufaturados, ainda assim será imensa a demanda pelo produto original da impressora. Faremos uma campanha unindo relações públicas, assessoria de imprensa e propaganda, onde venderemos a ideia de superioridade e de garantia da marca original. Quem vai querer arriscar um trabalho mal impresso ou uma foto borrada? Quem?

- Mas...

- E tem outra, meus caros. Quem usa muito a cor amarela nas impressões, por exemplo. Essa tinta fatalmente vai acabar antes das demais, e isso forçará o consumidor a substituir o cartucho todo. O incauto usuário pagará preço do cartucho inteiro para só usar 25 ou 30% dele. Se for ainda mais bonzinho e devolver o cartucho usado nos nossos pontos de coleta, poderemos reaproveitar a tinta remanescente. Ganhamos os tubos, ou melhor, os cartuchos, e ainda passaremos a imagem de empresa ambientalmente responsável. A jogada é perfeita!

O diálogo pode ser fictício, mas não parece estar tão distante da realidade. Veja o leitor os dados abaixo, levando em conta que os valores não estão atualizados, pois são de 2009.

“A grande sacada dos fabricantes: oferecer impressoras cada vez mais e mais baratas, e cartuchos cada vez mais caros. Nos casos dos modelos mais baratos, o conjunto de cartuchos pode custar mais do que a própria impressora. Veja: pode compensar mais trocar a impressora do que fazer a reposição de cartuchos. Exemplo: certa marca de impressora é vendida nas lojas por aproximadamente R$ 170,00. A reposição dos dois cartuchos (10 ml o preto e 8 ml o colorido), fica em torno de R$ 130,00. Daí, você vende a sua impressora seminova, sem os cartuchos, por uns R$ 90,00 (para vender rápido). Junta mais R$ 80,00, e compra uma nova impressora e com cartuchos originais de fábrica.

Para piorar, de uns tempos para cá, os fabricantes passaram a DIMINUIR a quantidade de tinta (mantendo o preço). Um cartucho com 10 ml custa R$ 55,99.  Isso dá R$ 5,59 por mililitro. Só para comparação, a champagne  Veuve Clicquot City Traveller  custa R$ 1,29 por ml. Além disso, algumas impressoras estão vindo somente com 5 ml de tinta! 

Uma outra linha de impressoras vende um cartucho para a linha X com 5,5 ml de tinta colorida por R$ 75,00. Fazendo as contas: 1.000 ml / 5,5ml = 181 cartuchos a R$ 75,00 = R$ 13.575,00. Isso mesmo: R$ 13.575,00, por um litro de tinta colorida.”



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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
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sábado, 12 de janeiro de 2013

A MORTE PEDE SUBORNO


Imagem: http://www.caramarela.com.br/?p=detalhes&id=1759&titulo=ELASTICO+LATEX+100+GR




De que lhe vale esta mansão estilo Tudor, se dorme no chão para não gastar os lençóis? Atravessa os dias e as noites contando dinheiro, e a única coisa que consegue interromper esse passatempo vitalício é o boletim com a movimentação da bolsa e a cotação das commodities.

Ele ainda confia na eficácia redentora do óleo de fígado de bacalhau e desconfia dos comprovantes de banco.

"Que segurança pode ter um papel cuja impressão some toda com meia hora de sol ou três dias dentro da carteira? Se é para ser comprovante e documentar a transação, o que está impresso nele não deveria sumir nunca."

E aí ele tem toda razão. Não dá mesmo pra explicar esse negócio. Mas ele tinha outras e impagáveis assertivas, que repetia em tom ranzinza.

"Há muito tempo ouvi dizer que Aristóteles Onassis começou sua fortuna catando na rua bitucas para fazer novos cigarros. Isso é senso de oportunidade. Isso é erguer tudo do nada, revidando ao mundo e ao destino a pobreza de nascença."

Come maçãs acompanhadas de coisíssima nenhuma, pois lhe disseram que, ao mesmo tempo em que nutre e faz bem à saúde, conforme é mastigada a fruta já vai limpando os dentes, o que lhe poupa gastos com escova e creme dental.

"Uma maçã todo dia, não mais que uma. A ruína de Adão me blindará e será o meu salvo-conduto para o século que vem. Viverei mais que todos e evitarei o Alzheimer contando minhas lindas notas. Contar dinheiro exercita a mente e é tão terapêutico quanto fazer palavras cruzadas."

É, e pelo menos para ele, trata-se de uma tarefa que serve para alguma coisa. De qualquer forma, jamais deixaria outra pessoa fazer isso em seu lugar.

Arranca todas as etiquetas visíveis de suas roupas. Entende ele que essa é uma forma de propaganda do fabricante e, até onde sabe, jamais será remunerado pela veiculação. Então, tesoura nelas. Nem bem saem das lojas e as roupinhas de grife viram artigos genéricos.

"Ainda se a roupa saísse de graça, vá lá, tudo bem. Até toparia a permuta. Eles me dariam as calças, camisas e sapatos e eu sairia pra rua desfilando as marcas deles".

 “Caixão não tem gaveta”, para ele, é só uma frase feita - nunca uma sentença. Como não tem mais ninguém nesse mundo, ocupará sozinho o imenso mausoléu que mandou construir em meados dos anos 80. Sobrará espaço bastante para abrigar, ao lado dos seus ossos, as notas que conta e as que ainda irá contar. Enquanto isso, conforma-se em abrir mão de algumas delas para subornar a morte, que de vez em quando aparece com sua foice para levá-lo.


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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
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sábado, 5 de janeiro de 2013

A CAPITAL MUNDIAL DO BILBOQUÊ






Para os menores de 30, é natural não conhecê-lo. Então comecemos por uma sucinta porém honesta definição.

Bilboquê: originário da França, há cerca de 400 anos, foi o brinquedo favorito do rei Henrique III. Consiste em duas peças: uma bola com um furo e um pequeno bastão, presos um ao outro por um cordão. O jogador deve lançar a bola para o alto e tentar encaixá-la na parte mais fina do bastão. (fonte:www.desenvolvimentoeducacional.com.br).

Mais do que um brinquedo, Bilboquê é o nome de uma cidade, localizada a noroeste da pacata estância de Nhambu Mor. Chamada originalmente de Anthero Lontras, foi rebatizada devido ao número desproporcional de habitantes que fizeram do bilboquê a razão de suas vidas, dedicando-se ao artefato em tempo integral (incluindo-se aí os intervalos para as necessidades fisiológicas).

A tradição se mantém até hoje, ganhando novos e habilidosos adeptos. Nem bem raia o dia na cidade e já se ouvem os toc-tocs dos pinos tentando encaixar nas bolas. Uma distinção semântica se faz necessária: os naturais do vilarejo são denominados bilboquenses, os praticantes são os bilboqueiros e as garotas de torcida, que vibram nos campeonatos da modalidade, são, com todo respeito, as populares bilboquetes.

Bilboqueia-se o tempo todo, em cada esquina, nas salas de aula e nos recreios de todas as escolas, nos guichês da prefeitura e até mesmo nos velórios, onde não raro o defunto segura na mão esquerda a esfera de madeira e na direita o pino de encaixe. Reza a lenda que certo pároco da matriz, adepto fervoroso e compulsivo, foi excomungado pelo bispo de então por manter-se bilboqueando na hora da consagração das hóstias. Assim, desse incessante bilboquear fez-se o encanto e a vocação turística do município. Nos meses de alta temporada, legiões de visitantes tomam a cidadezinha. Muitos em busca de aprimoramento na prática, outros atraídos pelo matraquear das madeiras batendo - tido como um sonífero poderoso e um verdadeiro bálsamo para os workaholics das grandes metrópoles.

Não tardou para que a fama do efeito tranquilizante do brinquedo se espalhasse e  trouxesse novos investimentos. Em 1976, um discípulo do Maharishi Mahesh Yogi fundou, em aprazível colina da zona rural de Bilboquê, o Centro de Meditação Transcendental Bilboquética. Lá se reúnem, em posição de lótus, milhares de praticantes meditativos que encontram no manuseio do bilboquê um mantra dos mais eficazes e um atalho para o nirvana.

No dia 12 de junho, manda a tradição que os namorados presenteiem as moças não com buquês, mas com bilboquês de flores. É quando os mesmos ganham as mais graciosas e criativas estampas florais, que vão das margaridinhas do campo às orquídeas.

À noite, acasalam-se machos e fêmeas nativos para se dedicarem ao ofício da preservação da espécie - o que não deixa de assemelhar-se a um bilboquê carnal. Mudam, porém, os ruidos, e os caracteristicos toc-tocs dão lugar a outras e mais sensuais onomatopeias.


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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
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