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sábado, 26 de agosto de 2017

NOME AOS CARROS




- Opala. Na pesquisa apareceu que é uma pedra preciosa. O nome tem uma sonoridade espetacular. Uma coisa nobre.
- É, mas fizemos um levantamento mais cuidadoso de informações e vimos que é considerado um mineraloide. Não chega a ser uma pedra preciosa. E é "a" opala, e não "o" opala. Estamos falando de um carro, não de uma perua. E tem mais: as maiores jazidas de opala do mundo estão na Austrália e no... Piauí!!! Estado sem glamour nenhum, vai desmerecer o lançamento. Esquece, aborta. 



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- Bem, a próxima pauta da reunião de hoje é a escolha do nome do novo modelo Fiat. Selecionamos "Uno". Que tal?
- Eu gosto, passa uma ideia de ser o primeiro, de estar na dianteira. 
- Também achei ótimo, pessoal. 
- É, né? Mas que falta de malícia de vocês... tá reprovado, pensem outra coisa. 
- Por que, chefe?
- Alguma montadora concorrente vai aparecer com o Due, talvez até o Tre. E com o slogan: "Muito mais do que Uno". Entenderam ou querem lançar no mercado e daqui a um mês tomar na cabeça?



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- Meriva! Meriva é bom demais!!!
- Tá se achando o Arquimedes, né? Pois pra mim é uma bela de uma porcaria esse nome. Lembra "Deriva", andar à deriva, entende? Falta de rumo e de dirigibilidade. É o pior nome do mundo pra um carro. Vai encallhar na concessionária e o pessoal de vendas ainda vai tirar uma, chamando o carro de Me Rifa. Nem pensar. 


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- Tipo? Mas o que quer dizer Tipo?
- Também fiquei boiando, pra falar a verdade. Tipo o quê?
- Tipo é tipo, não tem que ficar explicando, gente. Em italiano ou português, quer dizer a mesma coisa. 
- Falta qualificação, falta adjetivação, precisa significar alguma coisa. Nominho mais sem personalidade, faça-me o favor. Tem tipo sanguíneo, tipo de arroz, de agulha de crochê, de esparadrapo, sei lá. Mas nem por isso ser de um "tipo" faz alguma coisa ser melhor que outra. 
- É, a Engenharia também acha o mesmo. Vou pedir mais opções ao Marketing. 


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- Brasília é o nome sugerido. E o que mais agradou, por enquanto.
- Sim, pelo fato do projeto do carro ter sido inteiramente desenvolvido no Brasil. 
- Tá, até entendo, tem a ver. É uma cidade única no mundo e tudo mais.
- Então? Vamos bater o martelo?
- O meu medo é estourar algum escândalo envolvendo a capital, compreende? O nome da cidade pode ficar marcado por alguma coisa ruim. Já repararam como tem muro em Brasília pichado com "Abaixo a ditadura"? Não, não. Melhor não correr riscos. Você tinha aí um outro nome bom, como é que é mesmo? O nome de uma ilha, se não me engano...
- Elba.
- Isso. Elba eu gosto. 
- É, mas eu fico na dúvida. Eu mesmo pensei nesse nome, mas agora estou sendo advogado do diabo. Alguma coisa me diz que um carro com esse nome vai dar problema mais pra frente... e não é problema mecânico. 
- Bom, sendo assim, de volta à velha máquina de escrever. Vocês vão me desculpar... mas Brasília, definitivamente, não. 



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sábado, 19 de agosto de 2017

DIGITE A SENHA DA SENHA DA SENHA




Você precisa de uma senha para o computador. Você precisa de uma senha para o celular. Outra para o(s) e-mail(s). Outra para o Facebook. Outra para o Instagram. Outra para o Twitter. Outra para o seu banco. Outra para a internet do banco. Outra para o aplicativo de celular do banco. Outra para o cartão de débito e crédito do banco. Todas diferentes umas das outras e preferencialmente trocadas a cada três meses. E todas têm de ser improváveis, nem um pouco óbvias. As chamadas "senhas fortes".

Porém, ó santos nerds com óculos de fundo de garrafa, o mundo é inconsequente e não funciona desse jeito. Quase todos têm só uma senha, de segurança duvidosa, para todos os sistemas e não substituída há anos. A chance de um hacker descobri-la e arrombar toda a sua vida com alguns batuques no teclado é tão grande quanto a quantidade de senhas com a sequência 1-2-3-4-5-6.

É consenso no mundo da segurança da informação o fato de que as empresas produtoras de antivírus contratam hackers para criar vírus e posteriormente suas vacinas, para perpetuar o ciclo de ameaça e proteção. O vírus é criado, espalhado, a imprensa se encarrega de fazer o alarde mundial e enquanto isso, nos headquarters do Vale do Silício, a vacina já está pronta para integrar o pacote da versão 22.4 do mega-ultra-master-magic-killer-fast-ultimate-power-virus-exterminator. O mais seguro de todos os tempos, até que chegue o tempo de se criar um outro vírus ainda mais detonador e em seguida seu antídoto invencível, num ciclo criminoso que torna refém toda a humanidade e parcela considerável de marcianos. 

Você descobre a redentora salvação nos Apps gerenciadores de senhas. Com uma senha-mestra, que abre o aplicativo, ele gera instantaneamente centenas de senhas insuspeitas, de combinações improváveis, uma para cada serviço em que uma senha é exigida do usuário. Troca automaticamente, a cada três meses ou a intervalos menores, todas as senhas, alfanuméricas ou não, com o número de dígitos que você determinar. Ao acessar o serviço o programa completa a senha, que na verdade nem você sabe qual é.

Aí aparece um hacker que desenvolveu um vírus que desvenda a senha-mestra, o "Abre-te Sésamo" para tudo que você acreditava que estivesse absolutamente seguro. A coisa é tão verdadeira que o vírus já foi batizado, um cavalo de troia chamado "Citadel".

Esqueça o gerenciador de senha. E nem pense em escrever as senhas em um arquivo comum de processador de texto, pois ele também é um arquivo e, portanto, exposto a ataques. Você tem que escrever as senhas no papel. Guardar o papel em lugar superseguro. Ir trocando as senhas a cada noventa dias. Riscar com a caneta e escrever a nova combinação por cima. Até encher a folha de rabiscos ininteligíveis e transpor tudo periodicamente para uma folha nova e cada vez maior, pois quanto mais o tempo passa, de mais serviços online você se torna escravo e mais senhas exclusivas precisará inventar.

A única solução 100% segura é memorizar, e pode colocar aí uns 3 meses para guardar tudo na cabeça. Só que, depois de três meses, já sabe: é hora de trocar as senhas. 



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sábado, 5 de agosto de 2017

CARTA DE PERO VAZ - A RESPOSTA



Meu caro Pero, 

Tua carta, relatando a descoberta de novas e tão ricas terras para a Coroa lusitana, causou grande satisfação ao nosso Rei, Dom Manuel. Fui testemunha bem próxima - muito mais próxima do que podes imaginar - dos pulos de alegria que dava a cada parágrafo lido. Era tanto contentamento que se mijava nas ceroulas, ora pois. 

Deves estar estranhando o fato de eu, tua esposa, estar a responder-te, e não o Rei. Mas explico-te em poucas linhas, que espero suficientes para que jamais voltes a pisar o solo português e nem olhes na minha cara novamente. 

Saibas que escrevo-te estas mal-traçadas no leito imperial, onde o monarca agora está a ressonar profundamente após uma alucinante noite de amor comigo. Peço-te o favor de não sentires ciúmes de mim. Como vês, não valho nada, nunca vali, e não sou digna nem mesmo do teu desprezo. Do mesmo modo, estejas certo de que nunca reclamarei direito algum se vieres a deitar, nas redes aborígenes que encontrares, com as índias nuas que te apetecerem. Mas aconselho-te a sempre teres contigo um farto e variado estoque de espelhinhos, apitos e outras quinquilharias a que os selvagens daí parecem gostar tanto. Primeiro, para tornares mais fáceis as tuas conquistas - já que não és nenhum modelo de formosura. Segundo, para acalmares os ânimos dos índios não acostumados a emprestarem suas mulheres para portugueses de segunda categoria como tu.

Afirmas em teu relato que, aí onde te encontras, em se plantando tudo dá. Assim, sugiro que por aí permaneças para iniciar uma nova etapa da tua vida e quem sabe fazer a fortuna que não conseguiste nestas paragens. Sim, Pero Vaz, estou a dar-te uma banana. E desejo que a transformes em abacaxis, palmeiras, cocos, carambolas, macaúbas e tudo mais que puderes cultivar na Terra de Santa Cruz (ou seria Ilha de Vera Cruz?). E que te tornes tão rico e poderoso quanto Dom Manuel I, meu amante desde os tempos em que ainda eras um reles aspirante à esquadra de Cabral. 


Esta é uma obra de ficção.



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