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sábado, 28 de novembro de 2015

SHANGRI-LÁ É AQUI



Que ninguém alegue ignorância sobre o castigo que espera quem conhece o lado de lá das nossas montanhas. A ira divina cairá como um raio sobre a cabeça dos desobedientes, assim que chegarem ao topo das fronteiras do reino. Conhecerão a desgraça de uma sociedade injusta e defeituosa, onde prevalece a carência em todos os níveis e onde a alegria é a exceção da regra. Ser curioso, no caso, trará desastrosas e irreversíveis consequências.

Se por aqui nossos orgasmos duram doze miseráveis minutos, lá é ainda pior. Dez segundos, quando muito. Pensem bem: quem é o maluco que vai se dar ao trabalho de se arrumar para sair, conquistar alguém do sexo oposto, adular a presa durante semanas ou meses para tudo acabar no tempo que se leva para dar um espirro?

Sabemos que não há nada de extraordinário em ter 16 narizes. Diria até que, para a maioria de nós, seria muito difícil imaginar a vida com apenas 15, como é o caso de algumas crianças com má formação congênita. Que dirá viver com apenas um? Pois esse é o caso dos povos além-montanhas. O mínimo que se poderia aceitar como razoável seria uns três narizes no rosto e mais uns dois nos ombros ou nas costas - jamais um só, na parte da frente do corpo. A coisa é mesmo estranha e funcionalmente limitada. Além disso, os sovacos tendem a ficar peludos se não forem raspados, as unhas precisam ser cortadas de vez em quando e há quatro dentes que nascem apenas para serem extraídos.

Pela enfadonha e inútil repetição de tarefas, a rotina deles dá pena. Saem de casa toda manhã, se metem em filas intermináveis de automóveis, passam raiva o dia inteiro, se estressam, amaldiçoam patrões e governos, entram de tardezinha em outro comboio de carros para voltar à casa e fazer exatamente as mesmas coisas no dia seguinte. Tudo isso para conseguir juntar um dinheirinho e passar uma semana por ano do mesmo jeito que nós passamos a vida toda: deitados à sombra dos coqueiros, comendo camarão e tomando caipirinha.

Mais ou menos por essa época, nossos desafortunados vizinhos comemoram o réveillon como se algo, finalmente, fosse mudar. Esvaziam seus sacos de cólera e frustração à beira-mar, para enchê-los de novo até a boca nos doze meses seguintes. E assim sucessivamente, até morrerem em seus pijamas, aos cuidados de desconhecidos e com incontinência urinária. Sim, porque estranhamente esses humanoides vão perdendo saúde com a idade, e seus órgãos não se reconstituem como os nossos. O resultado é que não chegam nem mesmo aos 150 anos, idade em que nós celebramos o início da adolescência. Agora, me digam: para viver tão pouco e tão mal assim, vale a pena o trabalho de nascer?


© Direitos Reservados

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

O MBSC E O TORNEIO DE ABDOMINAIS



Respeito as categorias e organizações formalmente constituídas, bem como seus direitos reivindicatórios. Mas desde que suas bandeiras sejam factíveis e que se manifestem pacificamente, sem comprometimento da ordem e do direito de ir e vir da população. Não foi o caso da arruaça travestida de protesto conflagrada pelo MBSC – Movimento dos Botões Sem Casa, na última quinta-feira.

A exemplo do que ocorre anualmente, saíram às ruas, alinhados e em passeata, botões de todos os feitios e tamanhos: brancos e coloridos, de plástico, madrepérola e madeira, os nus e os revestidos de tecido. Até mesmo os botões da Revolução de 32, já partidos ao meio, desfilavam garbosos como numa parada da Independência. Aos gritos de “Queremos Casa!”, procuravam a todo custo sensibilizar os cidadãos de bem a abraçarem seu ideal.

O epicentro da algazarra ocorreu pouco antes das onze da manhã, quando os botões e seus líderes juntaram-se a outra manifestação em curso, esta dos descamisados, no cruzamento da Duque de Caxias com a Quintino Bocaiúva. O desfile tomou corpo e ganhou novo e unificado grito de guerra: “Botões e descamisados unidos jamais serão vencidos!”

Abramos um parêntese e tracemos um paralelo entre o MBSC e o MST. O leitor há de convir que promover reforma agrária vai além da distribuição de terra. As famílias assentadas precisam ter acesso a sementes, adubos, defensivos, meios de armazenagem e toda infraestrutura de escoamento da produção.
Da mesma forma, no caso do MBSC, de nada vale subsidiar as casas dos botões se junto com elas o governo não oferecer os insumos necessários à subsistência dos beneficiados, tais como linhas, agulhas e demais aviamentos. Em suma: a meu ver, criou-se enorme balbúrdia em torno de uma proposta inviável e de contornos nitidamente demagógicos.

Meu outro comentário diz respeito ao Torneio Interestadual de Abdominais, que em sua 28ª edição polariza todas as atenções e reúne dezenas de milhares de participantes no Ginásio de Esportes Joãozinho Rignoto. Rivalizando em porte e prestígio com a Festa do Peão de Barretos, este evento inseriu definitivamente nossa cidade no calendário turístico nacional. Tanto que o chamado “Circuito do Abdômen” já integra os pacotes rodoviários de várias operadoras de turismo.

Nada justifica, portanto, as falhas nos critérios de julgamento e premiação do certame. Como é sabido, as eliminatórias se dão em pequenos grupos de 800 atletas, que executam os movimentos abdominais sob os olhares atentos de 37 juízes. O problema está nas diferenças de constituição física entre os inscritos. Peso, idade, lordose, escoliose, hérnias de disco e pintas de nascença são variáveis que tornam a peleja desigual.

Some-se a isso os fatores genéticos. Existem indivíduos dotados naturalmente de musculatura abdominal mais desenvolvida, e não há nada o que se possa fazer a respeito. Também não me parece razoável colocar, numa mesma eliminatória e em igualdade de condições, um bóia fria com Mal de Chagas e um roliço filho de fazendeiro com o bucho entupido de granola enriquecida de vitaminas e ferro (embora a granola, neste caso, possa eventualmente mais atrapalhar do que colaborar com o desempenho do cidadão).

Estas discrepâncias tornam especialmente meritórios os feitos de Athanazio Lemos, que na categoria meia-idade masculino chegou à marca de quase 59 abdominais no tempo limite de 1min e 35 segundos. Outra conquista de destaque coube a Leocinéia Arcádio, categoria terceira idade feminino, cujo escore alcançou bem mais de 67 movimentos concluídos com sucesso.

Urge que as autoridades se empenhem na normatização de parâmetros mais eqüânimes de disputa, a fim de que doravante nenhum inscrito seja prejudicado.

sábado, 14 de novembro de 2015

MUSEU EM CÁPSULAS



Há o museu das cápsulas do tempo e seu acervo fabuloso. A cápsula do tempo enterrada em 1712 e aberta em 1812. A cápsula montada em 1901 e só violada na virada do século seguinte. A réplica da cápsula enviada ao espaço em 1964 e sabe-se lá quando e por quem será encontrada. Estas e muitas outras cápsulas abastecem o inusitado museu. Uma das mais recentes aquisições foi descoberta por esses dias, próxima a uma aldeiazinha banhada pelo Tejo, e data de 1340. Muito provavelmente, uma das mais antigas cápsulas de que se tem notícia. E também das mais franciscanas: guardava apenas alguns poucos e desinteressantes utensílios domésticos, dois capuzes monásticos, uma roda de alguma estranha traquitana e uma moeda tão gasta que mal se distinguia a cara da coroa.


As que compõem o museu são as encontradas e abertas a seu tempo, diante dos olhares incrédulos das gerações futuras a que eram destinadas. Mas há milhares delas para sempre enterradas e intactas, a menos que o acaso ou algum incidente não previsto venham a atrapalhar seu sono. Dessas o museu jamais terá notícia, embora sejam tantas espalhadas por toda parte.


Daí a pergunta: como alguém se dá ao trabalho de reunir livros, jornais, fotos, filmes, documentos e os mais diversos objetos, para em seguida acondicioná-los, lacrá-los e enterrá-los sem deixar um mapa onde o futuro tesouro poderá ser descoberto? Esses anônimos e abnegados montadores de cápsulas provam com sua tarefa um amor sem medida à raça humana. Justamente por conhecerem bem a curiosidade daqueles a quem tanto amam é que mantêm em rigoroso sigilo a localização de suas arcas históricas. Não querem correr o risco de um vândalo bisbilhoteiro botar tudo a perder antes da hora e acabar com a graça e a utilidade da coisa.


Alguns montadores de cápsulas são egoístas ao extremo e fazem delas investimentos de longuíssimo prazo. Sabem muito bem esses gananciosos que, ao fim de 200 ou 300 anos, tudo o que colocarem em suas caixas blindadas valerá bastante dinheiro. Assim, deixam testamentada sua intenção em documentos e mapas detalhados de localização, guardados nos cofres de suas mansões, para serem abertos no momento oportuno exclusivamente por seus descendentes. Tão logo abertas, tais cápsulas são imediatamente negociadas pelos tataranetos junto aos mais sofisticados antiquários e casas de leilões do mundo. Dessa forma, perpetuam suas fortunas familiares e ao mesmo tempo   prejudicam a missão a que o museu se destina, destruindo cápsulas de valor histórico e científico incalculável.


Fotos do museu das cápsulas do tempo, mostrando o seu acervo no estado em que se encontra hoje, estão anexadas a este documento. Fica assim criada a cápsula que registra a saga das cápsulas, com instruções para ser aberta apenas no ano de 2115.





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