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sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

LOOPING





Cristais bisotê: a primeira coisa em que reparei, assim que consegui abrir os olhos. Já tinha ouvido falar em Experiência de Quase Morte, aquilo me parecia isso. Espirais, túneis, uma força puxando para a grande luz.

A mulher muito linda, refletida nos cristais. Mas desconhecida. Nada que me lembrasse, nela, um ente querido já morto me recebendo. Eu poderia estar sonhando no quarto exalando éter. Ou me ambientando ao outro lado. Importava saber. Era justo, era eu no limbo.

- Foi muito tempo na passagem. Você não se deu conta de quanto, ela diz.

Normal. Costelas se descamando, hematomas esparsos, normal. E barba.

-Todos chegam assim, com essa cara de Moisés.

Tentei olhar para os cristais, querendo um reflexo de mim. O carrinho de montanha russa. Descarrilou. Ouço a notícia na TV do quarto, envolto em gesso e calafrios. Mas e a moça dos cristais? Quem? Descarrilei, morri ou alucino em observação?

Água, um jato forte ensopa os meus andrajos. Já sei: estou na montanha russa e passo pela água no final da volta, muitas montanhas russas são assim. Nem morto, nem em observação. Ainda estou no brinquedo, a alucinação está acontecendo pelo excesso de adrenalina.

Assusta o limbo de saber-se ou não no limbo. Assusta e cansa a imprecisão. Random, bola de pinball. Alguém maior que você, dono de você, tentando manter a bolinha pontuando. Game Over? Quando você se põe na minha pele morta-viva, estilingado no caos, puxando um ar que não infla e sem alento que baste, sobram apenas perguntas. Mais e difíceis perguntas. Tento coçar as costas. O gesso não deixa. 


© Direitos Reservados

Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
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sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

RIBAMARES




Ribamar não deve nada a ninguém, este é o fato. Por mais que conspirem e tentem envolvê-lo em imbróglios difamantes, sua ficha permanece incólume. Tão alva e inatacável quanto a consciência dos verdadeiros inocentes.

E olhe que tentam com afinco manchar seu nome, que já batiza dezenas de ruas, viadutos, postos de saúde e unidades de estocagem de macaxeira espalhadas pelo nosso Estado. Sim, as tentativas diárias de desmoralização se multiplicam de maneira estonteante, atingindo não só o Ribamar político, mas também alguns de seus xarás apadrinhados.

Um exemplo recente foi a insinuação desmoralizante contra Ribamar Leocádio, neto de um fiel correligionário, lotado como assessor de gabinete nível sete desde outubro de 2010. Pesa contra ele a denúncia de jamais ter comparecido ao seu local de trabalho, para tomar posse e assento. Imaginem o pandemônio que ia ser se todo nomeado cismasse em ocupar seu cargo na capital federal? Assistiríamos a um overbooking trabalhista sem precedentes!

Percebam que não é Ribamar Leocádio que está lotado no gabinete, é o gabinete que está lotado de gente valorosa como ele. São dezoito Severinos, dois outros Ribamares com problema de obesidade e cinco Raimundos Nonatos dividindo uma salinha de quatro por quatro e meio. O quadro catastrófico assim se desenharia, se todo mundo fosse de fato pegar no batente. Felizmente, a grande maioria fica na praia, mandando ostras goela abaixo e bebericando guaraná Jesus.

Pois é, minha gente, esses arroubos de heroísmo ninguém vê. Para mostrar essa atitude abnegada, essa demonstração de cidadania e de espírito público, a Rede Globo não envia nenhuma equipe de reportagem.  É claro que toda essa gente do agreste preferiria estar em Brasília, se esbaldando em ar condicionado, ao invés de ficar salgando a bunda na praia debaixo de um calor senegalês. Na verdade esses servidores pensam primeiro na pátria e evitam os nefastos efeitos da superlotação, que poderiam culminar em tragédia e, consequentemente, em gastos emergenciais aos cofres do Estado.

Aí me vem a oposição com mais uma infâmia,  fazendo injusto alarde sobre a licitação para compra de meia dúzia de toneladas de lagostas, destinadas ao trivialzinho  variado do Palácio onde a filha de Ribamar governa exemplarmente.

Temendo o desgaste político junto à opinião pública, o governo determinou o cancelamento da compra. E o que acabou acontecendo? Ao abrirmos mão do processo licitatório, tivemos que comprar lagosta no mercado informal, sem garantia de origem e em condições discutíveis de armazenamento e conservação. O produto foi servido em coquetel oferecido a uma comitiva de empresários chineses, que estava em nosso Estado para fechar um grande negócio de fornecimento de catracas de motocicleta. Estragada, a lagosta à Thermidor provocou intoxicação alimentar severa nos membros da comitiva, que assim que obtiveram alta hospitalar retornaram à China sem assinar contrato algum. Se gasto com lagosta de qualidade, o dinheiro retornaria ao governo multiplicado por mil, cinco mil, dez mil, sei lá...

Então por que, pergunto, a perseguição política aos nossos queridos representantes? Por que o linchamento midiático? Ora, vão cuidar de suas vidas e deixem o(s) Ribamar(es) trabalhando sossegados.


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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
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sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

BATE-BOLA




COM NERO

Time de futebol
Botafogo.

Filme
Quanto mais quente, melhor.

Cidade
Lavas.

Música
Me chama.

Uma paixão
Joelma.

Um trauma
Hidrantes.

Um ditado
Onde há fumaça, há fogo.

Jogo
Queimada.

Prato favorito
Macarrão ardente.

Sobremesa
Doce de coco queimado.

Sonho impossível
Extintor de água.

Bebida
Whisqueiro.

Elemento Químico
Fósforo.

Livro
Os segredos do Churrasco.

Cigarro
Aceso.

Pneu
Firestone.

Cor
Cinza.

Desenho animado
Os Brasinhas do Espaço.

Programa de TV
Tela Quente e Temperatura Máxima.

Roupa
Só de queima de estoque.

Lugar mais estranho onde já fez amor
Escada de incêndio.

Viagem
De foguete.

Amar é
Não deixar o desejo apagar.

Defeito
Ter o pavio curto.

Desejo
Tocar cítara tão bem quanto toco fogo.





COM DELFIM NETO

Carro
Renault Selic com câmbio flutuante.

Passeio
Circuito das Águas, com desconto na fonte.

Investimento
Poupe seu tempo e economize espaço no jornal. Duas perguntas já está bom.





COM GIL GOMES

Comida
Presunto.

Música
Ronda.

Filme
Corra que a polícia vem aí.

Livro
Memórias do Cárcere.

Teatro
Uma facada.

Uma virtude
Garra.

Um crime hediondo
Morte seguida de estupro.

Passatempo
Xadrez.

Roupa
Forum.

Sonho de consumo
Cela ampla e luxuosa, com requintes de crueldade.

Lugar legal
O Instituto Médico.

Carro
Envenenado.

Situação econômica
Enforcado.

Cartão de Crédito
Roubado.

Cachorro
Policial.

O que incomoda
Prisão de ventre.

Filosofia
Sorria. Você está sendo filmado.

Acabou.
Que pena.





COM BEETHOVEN

Carro
No concerto. Só andava em ré.

Instrumento
Hein?

Instrumento!
Hein?

Instrumentoooooooo!!!!!
Ah sim, instrumento. Surdo.

Fruta
A Nona.

Lugar
Lá.

Desodorante
Moderato.

Relógio
De cordas.

Comida
Bis.

Cachorro
Bravo!

O que anda ouvindo
Hein?





COM SHERLOCK HOLMES

Música
Adivinhe.

Hobby
Investigue.

Cor
Deduza.

Filme
Sou suspeito pra falar.

Uma pista
Rodovia dos Bandeirantes.

Quem é o culpado
Ele.

Ele quem?
Elementar.

Objeto de desejo
A Lupa do Oliveira.

Prato preferido
Comida álibi.

Caso insolúvel
Água e óleo.

Carro
Siga-o.

Ídolo
Conan. O Doyle, não o Bárbaro.

Amigo de valor
Meu caro Watson.

Filosofia
Agora tudo se encaixa.

Um ditado
A primeira impressão digital é a que fica.

Uma dúvida
Nenhuma. Foi o mordomo.

Animal
A gata Christie.

Finalize o interrogatório
Pergunta pro Nero se ele tem fogo pro meu cachimbo.



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sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

DISCUTINDO A RELAÇÃO




- Alô, Ego? Aqui é o Alter.
- Walter?
- Não, Alter mesmo. Alter-ego. O seu, pra ser exato.
- Olha, eu estou em trânsito. Posso retornar mais tarde a ligação?
- Não, não pode. Seu rato filho da mãe. Pústula, desgraçado, hipócrita... tratante, desalmado, usurpador... não vai se defender, não?
- Absolutamente. Desconheço a razão dessa ofensa descabida e não costumo me influenciar pela opinião dos outros.
- O problema é que eu sou você. E bota problema nisso.
- Nesse caso, eu exijo ser apresentado formalmente a mim pra continuar a conversa. Não é do meu temperamento me abrir com estranhos, ainda que esse estranho aparentemente me seja tão íntimo. A voz, pelo menos, é igualzinha a minha. Impressionante.
- Tudo bem, então vamos marcar um encontro. Na minha mente ou na sua?
- Nenhuma das duas. Território neutro. Talvez entre o hemisfério direito e o esquerdo do nosso amigo em comum, o que me diz?
- Mas ali, bem na fronteira, ninguém fala coisa com coisa. Vamos ficar lá, feito dois idiotas. Só sentindo, sem articular nada.
- Não mistura sentimento nessa história. Não sentimos nada um pelo outro, até porque estamos falando agora pela primeira vez.
- É, mas eu sou uma criação sua.
- Olha, você deve ser fruto de alguma distração minha, isso sim. Um mau passo. Não me lembro de ter criado nada tão sem graça e inconveniente.
- Desculpe, mas foi o que você conseguiu arrumar. Cada um tem o alter-ego que merece.
- Ok, agora sejamos práticos. Por que ligou pra mim?
- Queria um pouquinho de reconhecimento e consideração. É péssimo pra auto-estima ser o outro o tempo todo. Ponha-se no meu lugar, tente entender como me sinto. Você só me aciona quando não quer ser você mesmo, em situações de escape. Eu não passo de um dublê.
- Desencana, passa o mico pra frente. Cria um alter-ego pra você. O alter do alter, que tal? Só torce pra ele não te ligar no meio da tarde com conflitinho existencial, querendo discutir a relação...
- Tá me chamando de fraco? Fraco foi você em me criar pra se esconder de você mesmo. Eu não pedi pra nascer.
- Nossa, é mesmo? Que rebeldinho sem causa. Está querendo o quê, casa, comida, roupa lavada, carteira assinada, fundo de garantia?
- Só o direito de greve, de vez em quando,  já estava bom.
- Pois por mim eu já te dava o auxílio-funeral, seu bosta. Morra agora, e de morte trágica.
- Não me conformo...não é possível que eu, tão mais interessante, seja obra sua. Mas tudo bem. O pai do Einstein foi sem dúvida menos brilhante que ele.
- Não esperneia, não. Aceite sua insignificância. Saiba que você sempre será o outro, um subproduto do original. Alguém que só existe graças a mim. E isso se eu de fato te reconhecer oficialmente, porque por enquanto eu só estou escutando você dizer quem é e presumindo que isso seja verdade. Mas quem me garante que você não é um impostor?
- Esta dúvida eu tiro de você rapidinho. Sei milhares de coisas que só nós dois sabemos. Tenho como provar minha autenticidade, ou seja, o triste castigo de ser você.


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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
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sábado, 4 de janeiro de 2014

MEMORABÍLIA AMERICANA




PALETÓ À BOLONHESA

Sim, é certo que até hoje se discute de onde e de quem partiram os disparos. O que não se discute é o fato de que é mesmo de JFK a carne moída respingada nos ombros do motorista que conduzia o presidente pelas ruas de Dallas. Mais de 50 anos depois, o sangue de Kennedy permanece tão reconhecível geneticamente no paletó quanto o esperma de Clinton no vestido daquela mocinha, frequentadora assídua do salão oval.

Perambulando pelo mundo com o laudo de DNA debaixo do braço, o filho do dono da relíquia promete para breve o lançamento de um blazer styled by Stella McCartney, com estampas reproduzindo fielmente as manchas de miolo espatifado do modelo original. Estima-se que pelo menos um em cada quatro cidadãos americanos deverá abrir espaço em seu closet para a nova peça, que já nasce cult e objeto de desejo até mesmo entre os não apreciadores de molho à bolonhesa - caso do vegetariano pai da estilista.

Após o desfile de apresentação da novidade prêt-à-porter para convidados, autoridades e imprensa internacional, o histórico paletó será leiloado, com lance mínimo presumido de três milhões e seiscentos mil dólares. O citado lance inicial só perde para as pantufas utilizadas por Abraham Lincoln na Guerra Civil Americana, bordadas artesanalmente com motivos cherokees, item arrematado por um magnata saudita de identidade até o momento desconhecida.






MÓDULO LUNAR DE PAPEL ALUMÍNIO

O homem esteve, de fato, na lua? Definitivamente, não. Em www.afraudedoseculo.com.br  os crédulos de plantão irão encontrar evidências contundentes do maior embuste de que se tem notícia, que por décadas vem logrando toda a humanidade.

Mas a verdade vai aos poucos aparecendo, não por bombásticas revelações, mas graças a pequenas peças de quebra-cabeças que, coletadas aqui e ali, vão formando o nada edificante quadro dessa falcatrua histórica.

Veja o caso de Thelonious W. J. Donaldson. Residente no Colorado e funcionário aposentado da agência espacial norte-americana, Thelonious guarda na garagem de sua casa, junto a um velho cortador de grama John Deere e a um feixe de tacos de golfe, exatos quatrocentos e sessenta e cinco cilindros de papelão – desses onde são enrolados papel alumínio. Afirma Donaldson que esse entulho acumulado tem valor documental incalculável, pois as folhas que os envolviam confeccionaram o módulo lunar da Missão Apolo 11.

Segundo testemunhos de funcionários da própria NASA na época, e que preferem não ser identificados, o trabalho era feito por três pessoas. Uma ia desenrolando o papel alumínio dos rolinhos, outra ia desamassando imperfeições na superfície e uma terceira afixava com fita adesiva as folhas metálicas no suposto módulo. Um procedimento tão cientificamente embasado quanto a montagem de alegorias na Marquês de Sapucaí.

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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
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