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sábado, 24 de fevereiro de 2018

MINISTÉRIO DA SOLIDARIEDADE



O governo da Inglaterra acaba de criar o Ministério da Solidão. Tido como epidemia oculta, o problema afeta mais de 9 milhões de britânicos, que trocariam o saldo bancário por um dedinho de prosa.

Mas se os ingleses são solitários, os brasileiros são por natureza solidários. Talvez aí resida a principal diferença entre os súditos da rainha, aparentemente tão tristes e cabisbaixos em sua nublada rotina, e nós, solares, extrovertidos e sempre sorrindo para a vida ou dando de ombro aos revezes. Um povo prestativo e solícito, pronto a ajudar por vocação, não por obrigação. 

O fato é que, da cinzenta ideia do Ministério da Solidão, surgiu ao Governo Federal a simpática iniciativa de instituir o Ministério da Solidariedade.

Como disse John Kennedy, com raro senso patriótico: "Não pergunte o que seu país pode fazer por você, e sim o que você pode fazer pelo seu país". Nosso Brasil não suporta mais tamanha carga tributária, que tanto onera o preço final dos produtos e o orçamento dos mais necessitados. Assim, ao invés de criarmos novos e impopulares impostos, incentivaremos a solidariedade de nossos cidadãos, para que espontaneamente doem recursos aos cofres públicos - o que é bem diferente da taxação compulsória. 

Sabe-se que todo o alto escalão do Ministério da Economia estará reunido hoje e nos próximos dias, em caráter de urgência, debruçando-se sobre as logísticas de arrecadação e os incentivos necessários a atrair o contribuinte. Uma das ideias em pauta é a emissão, em papel moeda marcado com brasão holográfico da República, do certificado "Cidadão Solidário", a ser entregue a todos os doadores de quantias superiores a R$1.500,00. Nele, o governo compromete-se a ser tolerante em demandas de fiscalização que não envolvam estelionato e outros delitos graves, como forma de recompensar a ajuda extra desembolsada pelo cidadão que aderir às doações. Obriga-se, ainda, a destinar os recursos provenientes da receita solidária exclusivamente à saúde, à educação e à segurança pública, com prestações de contas periódicas no Portal da Transparência. 





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domingo, 18 de fevereiro de 2018

QUEM VAI AVISAR A VERINHA?




- Verinha, a vó morreu. Tinha tido uma melhora ontem de madrugada, mas umas horas depois deu outra falência renal e dessa vez não resistiu. 
- O que é isso, trote? Com identificador de chamada, precisa muita coragem pra fazer isso, ainda mais num horário desse. Vou te pegar, deixa ver aqui no visor... 
- Alô, tá me ouvindo?
- Caramba, o pior é que não aparece número nenhum na tela do celular! Mas a voz é igualzinha à do Camilo... Teve infância não, maninho?
- Verinha, é sério. Vai cair a última ficha, e já tem gente bufando atrás de mim, esperando na fila pra usar o orelhão.
- Camilo, para de brincadeira mórbida, a vó morreu em 85 mas pode muito bem voltar pra te puxar a perna! Ou no caso a orelha, porque isso é coisa de moleque, né?
- Então, sua débil mental, a gente por acaso tá em que ano? Parece até que viajou pra 2020, sei lá. Bebeu, fumou maconha mofada, o que acontece??? Meu Deus, eu saio da aula do cursinho pra te avisar e você fica que nem uma retardada aí do outro lado!
- Ah, beleza. O doutor desembargador voltou pro cursinho pra prestar Direito. Agora chega vai, eu tenho serviço, não tô com a vida ganha que nem você. O funcionalismo em Brasília deve estar em greve, não é possível. Ou então você tirou licença-prêmio de novo e não tem o que fazer em casa.
- A enfermeira da UTI disse que vão liberar o corpo às nove e quinze, e o velório...
- Tá, e você vai chegar lá no velório de fusca azul, aquele com câmbio de caranguejo, acertei?
- E eu tenho outro, por acaso? Olha, vai cair a última ficha, mana. Fala coisa com coisa, eu preciso desligar. Respeita a vó, por favor.
- Hahahahaha, fica assim então, querido. Depois que acabar o capítulo do "Roque Santeiro" eu passo por lá. Pode me esperar. 

(dim-dom da campainha)

- Telegrama pra senhora.
- Telegrama??? Combinou a sacanagem com o meu irmão, seu carteiro? Ah, entendi, pra ver se salva a estatal falida vocês agora partiram pro segmento de pegadinhas. Tá certo...
- Olha, é urgente. Melhor a senhora abrir. 

(abre o telegrama)

Verinha (vg) nossos sentimentos falecimento Dona Matilde (pt). Lamentável perda (pt)



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Imagem: wikipedia


sábado, 10 de fevereiro de 2018

GRANDE MURALHA




Os chineses fazem qualquer negócio. Sabem comprar e sabem vender. Arrematam na bacia das almas, passam pra frente a peso de ouro. Têm a manha de copiar o que o mundo faz de melhor, aperfeiçoar e exportar para a Via Láctea inteira por uma décima parte do preço de mercado.  

Um dos desafios atuais do gigante vermelho é como fazer dinheiro do seu maior e mais valioso patrimônio - a Grande Muralha da China. Construída ao longo de vinte séculos, estende-se ao longo de inacreditáveis 21.196 km e tinha como finalidade original defender as divisas do país contra as invasões de outros povos, especialmente os mongóis. 

Com os mongóis deixando de ser ameaça, essa maravilha da humanidade passou a não ter utilidade alguma além de servir de cenário para fotos turísticas. A lenda arquitetada em torno dela, de que seria a única obra feita pelo homem visível da lua a olho nu, caiu por terra em 2004, quando um astronauta chinês afirmou que do espaço não se enxergava muralha nenhuma. Aliás, é de se supor que quem concebeu tal idiotice viajou na maionese, pois nunca esteve na lua para vir com uma história dessas. 

A primeira ideia ocorrida aos neocapitalistas foi bater a marreta em tudo e exportar nacos a preço de banana para cada terráqueo vivente. Mas um chinês de visão dividiu sete bilhões de possíveis compradores pela gigantesca área da muralha e chegou à conclusão de que o souvenir seria maior do que a casa que o abrigaria, mesmo que fosse uma mansão de príncipe saudita. Ainda iria sobrar muita muralha, uma outra solução teria que ser encontrada.   

Hoje, duas alternativas despontam como as mais viáveis para fazer dinheiro da imensa e inútil tripa de pedra.

Reformatório para pichadores brasileiros.
Um inédito acordo de cooperação entre Brasil e China preveria o seguinte estratagema, vantajoso às letras B e C do BRICS:
1) Venda de tinta spray chinesa a preços módicos para o Brasil.
2) Espetacular crescimento de vendas da tinta no mercado interno, pelo custo inacreditavelmente baixo, atraindo pichadores e aspirantes à prática.
3) Aplicação de multas extorsivas aos meliantes pegos com a mão no spray, com arrecadação extra para Estados e municípios. 
4) Deportação dos contraventores tupiniquins para os domínios de Mao-Tsé. Lá, se debruçarão à vontade sobre os 21.960 km de muralha e gastarão 50 latas de spray cada um para escreverem repetidamente a seguinte frase: " A pichação não compensa". Em seguida, receberão do governo chinês latas de removedor e palhas de aço para apagarem da muralha a merda que fizeram. Os removedores serão comprados pelos brasileiros, com vantagens para a China em duas frentes - venda de removedor e limpeza da muralha, que há séculos vem pedindo por uma boa manutenção. 

A outra alternativa em estudo consiste na venda de parte da muralha para Donald Trump edificar o muro na divisa com o México. Essa opção esbarra no problema, até o momento incontornável, da entrega da mercadoria. A parte vendida da muralha teria que ser fatiada em milhares de pedaços, transportada em imensos navios e reunificada no local de destino. A manobra levaria décadas ou mesmo séculos. Até lá, Trump já teria concluído seu mandato e o presidente que o substituísse poderia muito bem mudar de ideia, tornando inútil todo o esforço. 





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sábado, 3 de fevereiro de 2018

COCA-COLA EM PESSOA




Pouca gente sabe, mas o grande Fernando Pessoa já fez free-lance para a Coca-Cola nos anos 20, quando da entrada da bebida no mercado português. 


- E então, senhor Fernando? Já temos o nosso slogan?
- Aqui está. “Coca-Cola. Primeiro, estranha-se. Depois, entranha-se”. Que me diz?
- Bem... eu entendi o jogo de palavras, muito engenhoso, diga-se. Mas...
- Mas?
- Eu não gostei da primeira parte da mensagem, a impressão que se tem é que o nosso produto causa uma reação negativa. Senhor Fernando Pessoa, se estivesse em meu lugar, precisando de resultados e vendas, sendo cobrado pela matriz e necessitando consolidar a Coca-Cola no mercado lusitano, iria aprovar uma barbaridade dessas?
- Ora pois, que há de errado com o reclame?
- Ao usar o termo "estranhar", o nobre escritor já levanta a lebre que a bebida pode parecer a princípio repulsiva.
- Mas só a princípio. A segunda parte do slogan já rebate essa estranheza.
- Eu entendi o seu raciocínio. Na sequência, temos o "depois entranha-se", querendo dizer que, logo em seguida, o refrigerante passa a ser apreciado. Mas, olha, serei sincero: esse "entranha-se" também não me agrada de forma alguma. Entranha me lembra víscera, tripa, o que não combina nem um pouco com a sensação de sabor e refrescância prometidos pela nossa deliciosa Coca-Cola. 
- Devo entender então que a minha frase foi reprovada por completo? O senhor está fazendo pouco do grande Fernando Pessoa, um gigante à altura de Camões? Um gênio tão inspirado que, não se bastando, teve de criar heterônimos para dar vazão a tudo o que tem a dizer?
- Heterônimos?
- Sim. Tenho dezenas deles, mas quatro são mais famosos: Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Bernardo Soares. 
- Entendi. Eu tenho uma sugestão a fazer: por que você não passa a criação do slogan para esses quatro amigos seus? Vai que sai alguma coisa que preste...
- O senhor não entendeu coisíssima nenhuma. Os quatro são eu mesmo. Eu os criei, cada qual com um estilo peculiar. 
- Então! Mais um motivo para passar esse trabalho a eles. Serão quatro estilos diferentes pensando no nosso slogan. Isso é até bom, pois as opções serão provavelmente bem diversificadas. Vocês fazem uma concorrência entre si, e quem fizer o melhor fica com o dinheiro do freela.
- Mas todos eles são uma única pessoa. O senhor sabe o que são heterônimos?
- Olha, não me interessa se é heterônimo, se é Jerônimo, se é Antônimo, se é Anônimo, o que eu quero é o meu slogan. E que seja único e original, como é a Coca-Cola!
- Bem, eu tenho aqui comigo uma segunda opção. Algo assim: "Tudo vale a pena se a Coca não é pequena". Profundo, heim?
- Então, mas aí o senhor valoriza demais os outros tamanhos do refrigerante, e ao mesmo tempo diz que a Coca pequena não presta. E é das pequenas que vendemos mais! Por favor, senhor Pessoa. Admita que as opções não está lá essas coisas e bote novamente essa sua privilegiada cabeça pra funcionar. A sua e a dos seus amigos, esse Jerônimo e tudo mais. Boa sorte, nos falamos na próxima semana. 






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