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sábado, 28 de janeiro de 2012

BOBO E SUA CORTE




Já reparou como os termos “Bobo” e “Tolo” têm sinônimos? Dentre tantos, “Doidivanas” sempre me chamou a atenção. Acho que foi lendo algum romance de cavalaria ou livro de Julio Diniz que vi a palavra pela primeira vez. Recorri a um pequeno e nada confiável dicionário e encontrei lá: “Doidivanas: o mesmo que Estouvado”. Fui em “Estouvado” e li: o mesmo que Doidivanas. Ou seja, o pai dos burros me fez de bobo.







Ser bobo vai além de ser otário. Tem também o sentido de ignorante, que contempla como sinônimos uma extensa família de quadrúpedes: besta, asno, jerico, jumento, jegue e simpatizantes. Sem falar da anta e da toupeira.






Fora do reino animal, um dos meus favoritos é “Bocó”, quase um arcaísmo atualmente. Melhor ainda é “Bocó de Mola”, que sugere um upgrade na acepção original (ou um downgrade, no caso).






Igualmente em desuso está o “Monte”. Largamente empregado na zona rural de São João da Boa Vista e adjacências nos anos 70, o vocábulo com toda certeza é oriundo do sul de Minas. Não sei se continua vigindo. Monte é, basicamente, o mala de hoje. Tem o significado de empecilho, estorvo que fica no meio, atrapalhando tudo e empatando a f...






Vamos ao “Tonto”. Ele é parecido com o bobo, mas não é a mesma coisa. O bobo é menos bobo que o tonto. Historicamente o bobo tem ofício definido. Como todos sabem, era ele quem divertia os reis nas cortes medievais. O tonto, por sua vez, é um Mane-Quarqué (que me perdoem meus leitores Manoéis ou Manuéis), um “Girolas” inofensivo. Por falar em Mané, há que se mencionar aqui os derivativos “Mané-Coco” e “Mané-Jacá”, além do conhecidíssimo “Mané-Patola”, a quem algumas populações ribeirinhas denominam simplesmente de “Patola”.






Temos ainda o “Boboca”, que imagino um semi-bobo, aspirante a bobo ou algo que o valha. É mais do que um bobinho, mas é menos que um bobo 100% genuíno. Na mesma classe estão os “Parvos”, a bradarem suas parvoíces em qualquer tempo e lugar.






A letra “P” é rica em sinônimos de lesos: temos, entre outros verbetes, “Palerma”, “Paspalho” e “Pateta” – todos com sentido semelhante e QI idem.






Na letra “T”, além do tolo e da toupeira já citados, encontramos o “Tapado”. Por analogia, podemos caracterizá-lo como um surdo-mudo neurológico. Nada é capaz de permear sua couraça obtusa. Pra cantar a “Florentina” do Tiririca ele precisa olhar a letra.






Capítulo à parte merecem o “Doido de Pedra” e o “Doido Varrido”, mas não serei eu o maluco a atribuir-lhes o sentido. Só imagino um napoleão-de-hospício esculpido em mármore e um serzinho com camisa de força se debatendo entre ramos de piaçava.






O “Abestado” é tão inclassificável que nem é aceito pelo Aurélio. O insigne dicionarista o cataloga como “Abestalhado” – que particularmente considero um tanto quanto articulado para o caso. Abestado é infinitamente mais besta que abestalhado, concorda?






Muitos termos possuem a mesma raiz etimológica, mas gradientes peculiares de significado. Compare “burro” e “burraldo”. O leitor logo perceberá que o burraldo puxa a carroça com mais força. O burraldo é o burro xucro, incorrigível, que deixa o rastro das ferraduras por onde quer que passe. O burro é menos pretensioso na escala búrrica - de vez em quando é capaz de falar coisa com coisa. Muito de vez em quando, mas é.






“Babaca” e “Panaca”. Mesmo que a grosso modo não pareça, entre eles há uma notável diferença. A grafia semelhante esconde na verdade um abismo conotativo. Explico: o panaca é mais lorpa que o babaca. Panaca ri das cenas de torta na cara; já o babaca não acha mais graça nisso, não. Na escala evolutiva, está um degrau acima do panaca. O máximo que o babaca faz é chifrinho nas fotos de festa de aniversário, embora afirme aos mais chegados que já abandonou o vício.






Pouca gente se dá conta, mas “imbecil” e “idiota” não são propriamente xingos. Idiotia e imbecilidade são estados psíquicos – patologias catalogadas e estudadas pela psiquiatria moderna. Psiquiatria que já vem se debruçando sobre os “Seqüelados” e os “Sem-Noção” – neo-zuretas desse insano início de século 21.






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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.


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sábado, 21 de janeiro de 2012

QUIOSQUE SAGRADO





INSTRUÇÕES GERAIS PARA FRANCHISING NO FORMATO UNIDADE MÓVEL







. Defina um nome para a agremiação religiosa e consulte primeiramente o Google, o site do INPI e www.registro.br para certificar-se de que não existe alguma seita já registrada sob a mesma denominação. Tendo em vista que em média 3 novas associações de cunho religioso são instituídas diariamente, o risco de criar uma igreja homônima é grande.






. O crescimento do negócio está diretamente relacionado às taxas de conversão, ou seja, ao índice de arrebanhamento de novos fiéis para a congregação. Uma base inicial de 2.500 frequentadores é suficiente para que o capital investido em instalações, aquisição de imagens, piscininha de lona para batismo e propaganda com carro de som retorne em 24 meses.






. Tal estimativa de retorno baseia-se numa renda média per convertido de 1,5 salário mínimo, e levando-se em consideração uma décima parte disso como receita líquida da igreja (dízimo).






. Entende-se como quiosque a tenda armada em locais de grande fluxo de pessoas com o perfil socioeconômico visado, compreendendo estrutura em PVC, 3 cadeiras, um frigobar com água mineral benta sem gás, 2 displays acrílicos para folhetos, resma com 500 formulários de conversão, bíblia de isopor para decoração e carimbo “Recebemos”.






. A função do quiosque-franchise consiste na prospecção de convertidos para encaminhamento ao templo mais próximo a cada unidade móvel. Assim sendo, é imprescindível estabelecer um acordo operacional entre o franqueado do quiosque e o pastor responsável pelo templo nas imediações do mesmo.






. Os atores para encenação dos rituais de desencapetamento podem ser recrutados junto a grupos amadores de teatro, nas cidades ou bairros onde os quiosques se instalarem. Para efeito de cachê, sugerimos um percentual sobre os dois primeiros dízimos angariados dos recém-convertidos.






. Mel Curador, Sal da Vitória, Chá Desbrochante, Palitos de Fósforo da Fogueira Divina, Genuflexório de Bolso, Coça-Costas da Prosperidade e Espada da Ira Santa poderão ser exibidos e comercializados em showroom nos quiosques. Todavia, o fiel comprador deverá ser informado pelo franqueado de que tais itens, do catálogo da Sagrada Store, só apresentarão seus miraculosos efeitos após benzimento por missionário, pastor ou bispo e mediante a compensação do cheque utilizado na compra.






. Em toda e qualquer forma de comunicação visual, o franqueado deve comprometer-se a colocar, logo abaixo da logomarca de sua igreja, a informação: “Integrante da Rede Bem-Aventurança de Jericó”.






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sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

ABBEY ROAD REMIXADO




- Ok, boys. Já que a ideia é mesmo essa e parece que não há jeito de vocês voltarem atrás com essa tolice, tenho algumas sugestões para deixar o resultado final um pouco menos ruim. Pra começo de conversa, sugiro que vocês quatro se virem pra câmera dando tchauzinho. Sei lá, penso que assim a coisa ficará mais amistosa e interativa do que todo mundo sério e alinhado, olhando pra frente e atravessando a rua.







- Mas afinal de contas, o que você tem em mente é uma capa de disco ou um cartaz de circo? Só falta você sugerir que o Ringo fique fazendo chifrinho no George na hora do clique...






- Calma, Paul. Eu sei que a ideia é sua, mas vocês contrataram um fotógrafo profissional e eu me sinto na obrigação de orientá-los pra que o resultado fique realmente bom e funcione comercialmente. Uma coisa é certa, rapazes: nenhuma capa de disco entra pra história com quatro sujeitos atravessando uma faixa de pedestres como se fossem uns anônimos e inexpressivos súditos da rainha. Caramba, vocês são os Beatles!!!






- Veja bem, por mim você e Paul decidem o que acharem melhor nessa peleja capitalista de vender mais ou menos discos. A única coisa que peço é que a Yoko atravesse a faixa ao meu lado. Caso contrário, não tem negociação, vamos embora agora mesmo. Vocês sabem que não desgrudo um minuto dela, e isso inclui travessias de rua, partidas de rugby e até exames de próstata.






- John, isso é efeito da maconha, do LSD ou do sol na cabeça? Estamos falando de um disco dos Beatles, e não de Yoko e sua banda. Compreende?






- Espera aí, gente. Se este pobre baterista pode dar um palpite, recomendo que continuemos a discussão num pub ou algo assim. O trânsito está ficando engarrafado e daqui a pouco começam a buzinar. A intenção era perder no máximo vinte minutos com esta merda de foto. Não temos o dia todo e precisamos gravar mais um take de “Come Together” ainda hoje, esqueceram?






- Eu insisto: tá faltando alguma coisa bombástica, arrebatadora, que dê uma sacudida nessa capa. Ou então, sei lá, um toque de humor britânico, mesmo que bem sutil. Por exemplo, um de vocês é o guarda de trânsito, orientando os outros três na travessia. Heim, que tal? Aí sim vai ficar bacana.






- Tudo bem, mas e a Yoko?






- Sugiro que o guarda se distraia e um carro passe por cima dela.






- Por esta gracinha eu poderia te enfiar a mão na cara, Paul. Mas não vou fazer isso porque, independente de como fique essa maldita capa, no final das contas vão achar que o morto é você, e não Yoko. Pode apostar. Babacas do mundo todo vão esquadrinhar cada centímetro da foto, procurando pistas que confirmem a sua morte. O que mais lamento é que ela não passe de um boato.






- Gente, por favor, vamos dar uma trégua na troca de afagos. Daqui a pouco começa a juntar gente pra pedir autógrafos, a imprensa aparece e aí a foto já era.






- Pensando bem, acho que o Ringo está certo. Vamos voltar para o estúdio, terminar “Come Together” e esquecer essa história de capa de disco na faixa de segurança. Temos mais um tempo pra pensar numa solução melhor.














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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.



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sábado, 7 de janeiro de 2012

CASTELO DE CARTAS



Chegou uma hora em que não teve mais o que dizer para as paredes do castelo, pelo menos não naquele dia de 1106. Notando o demorado silêncio e temendo o tédio que lhe pudesse aborrecer, o pajem e o bobo da corte bateram à porta do quarto dela e se apresentaram, cada qual procurando agradá-la mais que o outro. Assim, entre mesuras e acrobacias tolas, mantinham o seu lugar sob a boa e frondosa sombra do reino. Se esforçavam os dois, alternando mímicas e passatempos, embora sabendo que ela os olhava sem ver. Era outro e mais nobre o remédio que daria algum alívio à sua angústia de princesa. Um cavaleiro a se matar por ela, cavalgando pântanos e sítios movediços, a se esquivar de lanças e a erguer mais alto o brasão do seu feudo a cada batalha vencida. Queria o guerreiro das cruzadas, o mais destemido e estrategista deles, que fizesse dela a causa da sua vida e a razão da sua morte. Um herói que guardasse no coração e na mente o seu nome e o seu semblante de donzela, como inspiração e ânimo para o combate.







Mas, pensava ela, todos os fidalgos e guerreiros que meu pai, o Rei, me permite conhecer não passam de gazelinhas a saltitarem pelos campos provençais, com guizos dourados e patinhas lustrosas, carregando entre as pernas, por baixo das armaduras, castos e inofensivos fazedores de xixi. São funcionalmente eunucos. Todos, sem exceção, ostentam uma hombridade de fachada. Papai é tão flagrantemente corno que ele próprio chega a rir com as piadas que toda corte faz de sua extensa galharia. Mamãe, logicamente, manda vir de outros reinos os escultores de chifres – já que aqui não há um que se aproveite. Súditos e nobres esquecem de suas lidas pouco interessantes em torno de coxas de frango e taças de vinho. Duelam sem motivo aparente nos burgos, jogam a dinheiro, perdem suas colheitas, praticam a maledicência, cumprem as penitências que lhes garantirão o céu e fingem dormir o sono dos justos. Mulheres fiam e bordam, lavam e varrem. Algumas pedem ao Criador que a peste venha e as leve o quanto antes, já que o sono eterno parece mais excitante que isso a que chamam de vida.






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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.


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