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sábado, 25 de agosto de 2012

POR ONDE ANDARÁ?





Rara é a semana em que não me abordam na rua para perguntar sobre o paradeiro de Ditinho Puxa-Uma-Perna, figura que já foi assunto de crônica minha no final de 2009.

Levando em conta o apelido do Dito cujo, é óbvio que o seu paradeiro não pode estar muito longe, mesmo tendo-se passado três longos anos desde a última vez que o avistei, engraxando o sapato da outra perna. A baixa velocidade média com que se locomove e sua aversão a táxis, ônibus, metrôs e caronas, certamente não o levariam a Cingapura e adjacências. Mas o que me intriga nessa história é indagarem a mim por notícias dele, logo eu que não sou de sua família nem nunca fui propriamente chegado à sua pessoa.

É sabido que conseguiu livrar sua tradicional fábrica de gatilhos da concordata no ano de 2010, fase em que andou frequentando assiduamente o santuário de Duña, o oráculo dos oráculos, em busca de luz para o breu empresarial em que estava metido. Daí em diante, por onde andou Puxa-Uma-Perna para mim é uma incógnita. Na verdade, Puxa sempre prezou a sua notória habilidade de esconder-se do mundo quando queria ou se fazia necessário, e não é impossível que esteja neste momento zombando daqueles que o procuram, amoitado em algum porão de mercearia.

Entretanto, do pouco que conheço do sumido manquitola, arriscaria supor que talvez tenha se aproveitado das vagas que as empresas destinam às pessoas com necessidades especiais e se estabelecido como atendente de telemarketing na indústria de adubos de um camarada seu de Mato Grosso, conhecido no pantanal como BB, ou Basílio Bocó.

Outra hipótese bastante plausível é que tenha aberto um posto avançado do santuário de Mestre Duña em alguma cidade aqui da região, já que parecia realmente grande o entrosamento entre ambos. Essa possibilidade ganha força pelo fato de Ditinho possuir uma boa reserva financeira obtida por herança de seu saudoso pai - o não menos popular Jovelino Arranca-Toco, que fez relativa fortuna no setor de terraplenagem e certamente legou a Puxa-Uma-Perna quantia suficiente para um empreendimento desse porte.

Repito, porém, que estas são apenas conjecturas, já que o nosso apaga-pegadas sempre foi um sujeito de comportamento irritadiço e imprevisível. Morto não deve estar, pois notícia ruim corre rápido. Ainda que o defunto, no caso, fosse o bom, velho e sempre vagaroso Puxa, figura folclórica da terra e merecedor de nome de rua. Quem sabe de escola pública, pracinha de bairro ou até mesmo posto de saúde. No mínimo, no mínimo, uma clínica de fisioterapia.


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Foto:
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por maisner Mark





Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
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sábado, 18 de agosto de 2012

UNIVERSO PARALELO





Naqueles dias, o fake do Todo-Poderoso botou as manguinhas de fora e resolveu criar seu universo genérico, plano que acalentava há tempos. Pode-se argumentar que o termo "Universo", significando "todo, inteiro", não poderia comportar uma outra versão, qualquer que fosse ela, sob pena do vocábulo cair em descrédito. Mas não é a essa questão etimológica que vamos nos ater, pelo menos neste despretensioso relato.

Após um longo espreguiçamento, o godzinho de araque estalou os dedos, escovou os dentes, juntou todo o seu ímpeto empreendedor e partiu cheio de vontade para a intrincada missão. Começou concebendo o firmamento, que depois de ficar pronto demonstrou não ser firme o suficiente. Sim, amigos. O firmamento apresentava sérios e incontornáveis problemas de encaixe, não se fixava corretamente sobre o espaço infinito e jamais passaria pelo menos rigoroso dos controles de qualidade. Eram ainda visíveis rachaduras de natureza estrutural, evidenciando erros básicos de cálculo.

Nosso criador do mercado paralelo não se deixou abalar por esse primeiro contratempo e pôs-se a fazer as estrelas, tarefa que o manteve entretido por umas dezesseis longas horas, que teriam sido bem gastas se a empreitada chegasse a bom termo. Mas qual não foi sua surpresa ao constatar que todas elas nasceram cadentes (ou decadentes, como queiram), já que não paravam no já citado bambo firmamento.

É claro que o planeta Terra recebeu especial atenção do fake, que demonstrava o mesmo e incansável empenho em tudo o que executasse, desde o protótipo do abridor de latas até o ciclo das marés. Passou noites e mais noites em claro tentando dar forma ao cavalo de três orelhas e à rosa de pétalas não-despetaláveis (qualidade que, segundo ele, aumentaria em muito a vida útil das mesmas). Todavia, quanto mais tentava implementar aperfeiçoamentos às coisas do universo mais quebrava a cara em seu intento, revelando-se um verdadeiro trapalhão ao trocar as cores das verduras e legumes do tradicional verde para o vermelho, o azul e o rosa-choque, buscando com essa mudança despertar o interesse e a gula das crianças.

As anomalias de fabricação foram se perpetrando em série, como numa linha defeituosa de montagem. Feita também nas coxas, a água materializou-se na forma de H3O, trazendo com isso inconvenientes vários - dentre eles o mais básico e catastrófico, ou seja, o de não matar a sede em hipótese alguma.

Ao contrário do Todo-Poderoso de verdade, o deus postiço prometia a vida eterna mas não tinha a menor ideia de como entregar a mercadoria. O paraíso para os bons ficava só na promessa, uma espécie de título do governo com resgate em data imprecisa. Um precatório celeste, para ser mais exato – o que gerou uma série de processos junto aos órgãos de defesa do consumidor da época, movidos por centenas de milhares de crédulos lesados.


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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
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sábado, 11 de agosto de 2012

LIÇÕES DE SATURNO




Fonte: nasa.gov


Há muito mais para se ver em Saturno além de seus estonteantes anéis. Tudo bem que flanar por eles, admirando seu colorido e sua plasticidade cósmica, é passeio obrigatório de qualquer ser humano em sua primeira viagem ao vizinho planeta. Os preços dos pacotes para lá, aliás, nunca estiveram tão convidativos. Mas a verdade é que os saturnianos têm muito a ensinar a nós, terráqueos, especialmente no que diz respeito à sustentabilidade coletiva.

A mesma lógica que tivemos ao conceber os edifícios de apartamentos, onde várias moradias se acomodam umas sobre as outras ocupando um só terreno, os saturnianos adaptaram às mais diversas aplicações cotidianas. E muito provavelmente a disposição dos seus anéis concêntricos e alinhados, dádiva natural do planeta, inspiraram as inovações ali implementadas.

É sabido que, embora muito maior que a Terra, Saturno padeceu durante milênios por problemas de espaço devido à alta densidade populacional. Mas a engenhosidade extra-terrestre criou prodígios estruturais capazes de intrigar nossos mais audazes inventores.

Para conhecer alguns deles, comece alugando um carro. Você verá que, mesmo na hora do rush, engarrafamentos inexistem. Para cada via expressa ou rodovia construída em terra firme (ou Saturno firme), eles empilham oito outras sobre ela. O resultado é um trânsito tranquilo, seguro e fluente, a ponto de algumas das pistas nem serem ocupadas totalmente pelos carros, o que faz a delícia dos satúrnicos teens e seus skates.

O sistema viário é um dentre muitos exemplos. Também a agricultura e a pecuária tiveram suas áreas multiplicadas por dez, vinte e até trinta, seguindo o mesmo princípio de empilhamento. Placas de solo especialmente formuladas para as lavouras e criações bovinas são produzidas da mesma forma que as nossas placas de grama, que cultivadas em viveiros são posteriormente transplantadas para seus lugares definitivos. A diferença é que tais placas de solo possuem pelo menos 4 metros de espessura, para suportarem o enraizamento das plantas e também o trânsito de agricultores e tratores sobre elas, quando suspensas. Assim, sobre um mesmo espaço, temos uma área aproveitável dezenas de vezes maior - permitindo inclusive que culturas diferentes sejam lavradas simultaneamente, e tal diversidade é um ótimo negócio para o homem do campo de Saturno. Entretanto, um problema ainda desafia os agrônomos siderais: algumas colheitadeiras, excessivamente pesadas, acabam por envergar e romper a placa de solo por onde passa, provocando um efeito-dominó sobre as placas abaixo dela. Árvores robustas e altas, como as sequóias, são utilizadas como colunas de sustentação entre um pavimento e outro. Ou seja, a concepção é totalmente ecológica e prioriza o aproveitamento da água: a rega do andar de cima, ao escorrer, faz as vezes da chuva para o andar de baixo e assim sucessivamente, até chegar ao solo propriamente dito.

Com estas e outras tecnologias, o bem-estar social é tamanho que Saturno vive hoje um Baby-Boom de ETzinhos. Templos religiosos, maternidades e cartórios de registro se empilham pelos quatro cantos do planeta para dar conta da demanda.



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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
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sábado, 4 de agosto de 2012

POMPEIA, 10 MINUTOS ANTES




- Senhores membros do Conselho da Municipalidade, não há verbas no orçamento para o aquecimento das piscinas públicas. Todos os recursos da prefeitura foram alocados na reforma das bigas dos arrecadadores de impostos, até porque sem impostos recolhidos pontualmente não teremos dinheiro para mais nada, nem mesmo para o necessário aquecimento das piscinas.

- Questiono a colocação do Secretário de Finanças e sugiro que coloquemos em pauta uma sindicância para apurar esse repentino esvaziamento de receitas.

- A insinuação do colega é de extrema gravidade e coloca em cheque a honra...

- Um de cada vez, por favor, ordem na casa...

- Se me dão licença, quero reiterar minha opinião de que podemos, com alguns poucos milhares de moedas, implementar o projeto do engenheiro Tenório de aquecimento de água a partir da alta temperatura dos gases exalados na cratera do Vesúvio.

- Bom, pelo menos para alguma coisa esse monstro adormecido pode servir. A ideia me agrada, e não vejo porque não implementá-la nos termos expostos no projeto de lei apresentado pela bancada situacionista. Além disso, lembro aos colegas de casa que a medida tem alcance popular e estamos há poucos meses das próximas eleições.

- Alguns meses é muito tempo, o povo esquece fácil. Temos que anunciar a obra bem à véspera do pleito, para fazer a novidade render votos. Imagino que todos aqui concordam com este raciocínio.

- Nosso partido não vai compactuar com esse conchavo imoral, a menos que sejam reabertas as negociações para os cargos de segundo escalão. Nossa sigla vai emperrar tudo, caso permaneçam inflexíveis.




Os dois minutos derradeiros


- Relaxe. Jamais seremos descobertos, minha doce vereadora, todo mundo já foi embora. Morre aqui com a gente esta gentil troca de favores.

- Por César, o que não temos que fazer em benefício da coisa pública!

- Se me permite o aparte, acho que o termo correto no caso seria "coisa púbica".

- Ah, nobre representante do povo... já imaginou se entra alguém aqui agora?

- Confie em mim, só estamos nós dois no palácio. Espera aí, calma vereadora, devagar. Olha a mancha de batom na túnica...

- Esse seu vulcãozinho aí me parece mais extinto que o Vesúvio. Duvido que ele entre em erupção, ainda que lance mão de todo o arsenal erótico que tenho aqui na bolsa.

- Bom, tudo vai depender da habilidade da nobre colega de legislativo. Confio na sua capacidade empreendedora. Sinto que o chão treme quando a ilustre colega faz assim... Isso, continue.

- Que cheiro de enxofre, vereador, você está usando talco pra chulé?

- Inquestionavelmente, a vereadora sabe como quebrar o clima.

- Não me leve a mal não, coleguinha. É que o ar parece que está meio estra...

(...)


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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
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