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sábado, 27 de abril de 2019

OS ENCOSTADOS, OS VAGABUNDOS E A NOVA PREVIDÊNCIA




Estes adendos à Proposta de Emenda Constitucional número 6 (PEC 6/2097), tratam da regulamentação das aposentadorias dos políticos que constituem na atual legislatura o Congresso Nacional da República Federativa das Bananas, em especial os seus dois mais numerosos grupos multipartidários: os Encostados e os Vagabundos.

Classificar-se-ão os chamados Políticos Encostados nas seguintes subcategorias:
. Encostados padrão encosto básico de aglomerado MDF;
. Encostados padrão encosto em ângulo reto de peroba maciça;
. Encostados padrão encosto de espuma injetada de segunda qualidade;
. Encostados padrão encosto de espuma laminada de primeira qualidade;
. Encostados padrão encosto reclinável em veludo;
. Encostados padrão encosto tipo Chesterfield, em couro legítimo.

A depender do Encosto Classificatório, estarão os senhores parlamentares sujeitos a regras de transição específicas que os habilitem, mediante cumprimento de normas transitórias a serem ainda estabelecidas, a evoluírem da condição de Encostados para a de Vagabundos, com consequente acréscimo de remuneração previsto na norma regimental 14/2784.

Já os chamados Políticos Vagabundos terão seus direitos previdenciários atrelados, a partir da promulgação da Reforma em curso, ao Sistema de Capitalização - onde os proventos auferidos em sua aposentadoria corresponderão ao total de vagabundagem acumulada em conta individual de cada parlamentar, descontada na fonte mês a mês. O cálculo reger-se-á pelas seguintes diretrizes, a serem aprovadas em definitivo por lei complementar:

. A cada 2 anos de vagabundagem, serão acrescidos ao saldo previdenciário do parlamentar o sacrifício de duas emendas, ou seja, o deputado ou senador terá que renunciar ao ato de emendar um feriado no meio da semana ao fim de semana seguinte, tendo que trabalhar normalmente como qualquer cidadão da República das Bananas.

. A cada 4 anos de vagabundagem, o parlamentar - deputado ou senador da República - será obrigado a apresentar ao menos um projeto de lei, ainda que este não conte com o mínimo amparo jurídico para aprovação.

. A cada 8 anos de vagabundagem, ou dois mandatos completos, o legislador inoperante fará jus à merecida aposentadoria.




ESTA É UMA OBRA DE FICÇÃO. ASSIM COMO É OBRA DE FICÇÃO A CRIMINOSA REFORMA DA PREVIDÊNCIA, QUE DENTRE OUTROS DISPARATES PREVÊ UMA REGRA DE TRANSIÇÃO ONDE:
HOMEM, 51 ANOS, 33 DE CONTRIBUIÇÃO, PODE SE APOSENTAR AOS 54 ANOS.
HOMEM, 51 ANOS, 32 ANOS E 364 DIAS DE CONTRIBUIÇÃO, SÓ PODE SE APOSENTAR AOS 62. A REGRA É VÁLIDA, EVIDENTEMENTE, APENAS PARA OS CIDADÃOS DE BEM E PAGADORES DE SEUS IMPOSTOS. OU SEJA, QUE NÃO SE ENQUADREM NEM NA CATEGORIA DE ENCOSTADO, NEM NA DE VAGABUNDO. 

Para saber mais sobre essa INSANIDADE, em vias de aprovação, acesse: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/02/transicao-cria-abismo-para-quem-esta-perto-de-se-aposentar-por-tempo-de-contribuicao.shtml




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domingo, 14 de abril de 2019

FALANTE TAMBÉM É GENTE




Os portadores de fala merecem o respeito da sociedade organizada e a observância aos seus direitos como seres humanos. 

Ao reivindicarem e obterem junto ao Congresso Nacional, há mais de sete anos, a aprovação de lei que obriga a colocação de botões de volume em todos os aparelhos de TV produzidos no país, os falantes sem dúvida deram um passo importantíssimo na luta pela sua inclusão social. 

Mas ainda há muito a ser feito. Embora quase nunca admitido, o preconceito é grande e agride a dignidade e a cidadania dos falantes todos os dias e das mais variadas formas – nas ruas, no transporte público, nas relações trabalhistas, nas redes sociais. E nem é preciso mencionar o quanto é importante o engajamento da nossa categoria profissional nessa dinâmica, abraçando a causa desses irmãos menos favorecidos. 

Queremos e merecemos ser mais do que meros tradutores de gestos para fala. Precisamos assumir um protagonismo mais abrangente e representativo. 

Além disso, iremos mais uma vez pleitear uma antiga reivindicação da classe: o aumento da área reservada ao nosso quadrinho no canto inferior direito da tela dos televisores. Qual a razão para um espaço tão diminuto? Por acaso nosso trabalho é menor ou menos importante para que nos caiba apenas essa insignificância?

Merecemos mais destaque. Nada justifica o fato de não ocuparmos a metade da tela, pois os deficientes que ainda dependem do recurso da fala para compreender o mundo e se comunicar são tão cidadãos quanto os mudos, ou as chamadas pessoas "normais". 

Se a mudez e o silêncio absoluto que norteiam o mundo moderno representam um progresso em nossa escala evolutiva, isso não pode ser pretexto para a segregação aos falantes - que representam apenas 0,06% da população, mas nem por isso merecem o descaso dos governos federal, estadual e municipal.  

Todos sabemos que a fala é um recurso primitivo, praticamente banido da civilização para dar lugar à linguagem gestual, expressivamente muito mais rica que o obsoleto uso da palavra. Porém, precisamos assumir coletivamente o compromisso de oferecer a esses deficientes o mesmo tratamento dispensado aos mudos. É justo que seja assim.



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sábado, 6 de abril de 2019

CHUMBO À MODA DA CASA



É pouco provável que você nunca tenha ouvido falar do Restaurante "Quilão do Janjão", tradicional self-service por quilo e referência na zona leste da nossa cidade. 

Do sistema de alimentação por peso, presente em tudo quanto é canto, também não há nada que se desconheça. Estabelece-se um preço a ser cobrado, determina-se o peso médio do prato e este é descontado do total marcado na balança, que é o chamado peso líquido - aquele que efetivamente será pago. 

Embora a sistemática de cobrança pareça muito simples e transparente, Janjão andou tendo problemas. Pensou até em fechar as portas do seu ganha-pão, tamanho o aborrecimento que passou - e continua passando, a bem da verdade.

Tudo começou quando um cliente antigo, de nome Demerval, se meteu a questionar que o peso de um prato vazio em relação a outro poderia variar muito, prejudicando o consumidor. De uma suspeita pessoal a coisa tomou ares de revolta, para em seguida se transformar em denúncia e logo após em abaixo-assinado na porta do estabelecimento.

Alguém argumentou que seria fácil liquidar de vez a discussão, pesando-se o prato à vista do cliente antes que se enchesse de comida e confrontar depois ao peso bruto. Assim não haveria dúvida do que estaria de fato sendo cobrado. Não tardou, porém, para que surgisse um freguês dizendo que o tempo de fila dobraria com esse expediente, encurtando o horário de almoço da freguesia. O problema seria ainda mais crítico nos dias úteis, quando a corrida contra o relógio é mais acelerada.  

A discussão se alongou por meses. Até que numa quarta, dia de feijoada com suco de graviola à vontade, Demerval reuniu boa parte da clientela mais assídua e apresentou uma solução para o impasse: substituir a balança de pratos por uma de gente. O sujeito se pesaria antes de servir-se e após o repasto, não dando assim margem a fraudes ou manipulações.  

A ideia, aparentemente óbvia, foi aclamada com vivas e aprovada por esmagadora maioria. Mas a alegria durou pouco. Levada à apreciação do dono do restaurante, a proposta foi recusada com veemência e com argumentos de peso (com o perdão do trocadilho). O proprietário alegou que o cliente poderia muito bem se pesar calçando palmilhas de chumbo ou trazendo, sob a cueca ou a calcinha, pesos que aumentassem o resultado obtido na pesagem pré-almoço. Uma vez aboletado à mesa, ele retiraria os pesos e os guardaria na pasta, se homem, ou na bolsa, se mulher, para usar no dia seguinte. E pronto, estava feita a falcatrua. Um prato com 600 gramas de comida se reduziria a 200, com o golpe.

O grupo a princípio se mostrou indignado com a malícia e a desconfiança do comerciante, mas depois rendeu-se à força dos argumentos, que de fato faziam sentido. Além do mais, artefatos como jóias, colares, relógios, braceletes e pulseiras teriam que ser removidos antes da pesagem inicial, causando constrangimento às pessoas e transformando um corriqueiro almoço em algo semelhante a um procedimento alfandegário de voo internacional. 

Enquanto a discussão não chega a um termo, o "Restaurante Kbeção" - que cobra preço único por cabeça, e não por quilo - faz a festa.



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