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sábado, 28 de maio de 2011

NÃO MAIS QUE DOIS MINUTOS


ILUSTRAÇÃO: THIAGO CAYRES



Caros encarnados iludidos, só tenho dois minutinhos para permanecer neste plano atrasado de vocês e transmitir uma ou outra notícia que dê rumo e alento à crescente legião de humanos sem fé. Por isso falarei o que for lembrando e que seja de relevância, no escasso tempo que me é permitido.







Chico Xavier exerce função contrária à que se dedicava quando estava no horrendo planetinha de vocês, ou seja, psicografa os pensamentos e lamúrias dos vivos dirigidos aos que já foram dessa pra melhor.







Hitler serve uma reconfortante canja diária a todas as vítimas do holocausto (são mais de cinco milhões de refeições a cada 24 horas, o que transformou o seu sono eterno em insônia eterna). Além disso, o dito cujo sofre de LER, devido ao incessante movimento da mão direita levando a colher do prato à boca dos ex-prisioneiros. Por compreensível falta de tempo, o monstro nazista não é frequentador assíduo das barbearias celestes, e seu célebre bigodinho hoje rivaliza com o de Nietzsche.







Suas orações-decoreba são inúteis, pois se perdem nos círculos do purgatório muito antes de alcançarem o mais rasteiro dos planos superiores. É claro que um Pai Nosso bem rezado opera milagres, mas quase sempre é recitado no piloto automático. Não percam mais tempo com fórmulas e mantras, abram o coração e digam o que querem dizer do seu jeito. Dá muito mais resultado e não cansa a beleza do santo de plantão.







Bin Laden não chegou onde vocês imaginam que esteja, ou seja, no inferno não há nem sinal do ex-amiguinho do Bush. Tem alguma coisa errada na informação que seus elementares meios de comunicação difundiram.







Darwin tem passado os últimos cem anos tentando entender e codificar a criação do mundo em 7 dias, pois foi isso o que de fato aconteceu, por mais que ele relute em admitir. O louvado cientista britânico debruça-se numa teoria que denomina provisoriamente de “Evolução dos Espíritos”, e não mais das espécies. Aliás, lá em cima o Charles Darwin não desgruda da Gioconda, aquela do famoso sorriso enigmático que Da Vinci perpetuou no Louvre. Diga-se de passagem que o tal sorriso da moça não tem nada de enigmático, pelo menos depois de morta, embora o Darwin ache lá sua graça. Falar em Da Vinci, o multimídia do Renascimento, ultimamente anda morrendo de rir dos códigos, significados ocultos e símbolos maçônicos presumivelmente embutidos nos seus quadros. Diz que esse tal de Dan Brown é um zombeteiro de marca maior, a quem o Filho do Homem e Maria Madalena irão chamar pra uma conversa séria depois que bater com as botas.







Michael Jackson descobriu que é na verdade fruto da relação extraconjugal que Miles Davis teve com uma pipoqueira carioca, que por sua vez era tida e havida na Cinelândia como amante do Nelson Cavaquinho. A roupa suja ainda está sendo lavada, porém aos poucos os ânimos dos envolvidos vão se serenando com a intercessão de Cleópatra. Contudo, a forma como o rebento nascido em Madureira foi parar no Jackson Five permanece um mistério a ser elucidado.







Quanto à anunciada proximidade do fim do mundo, que alguns vigaristas anunciam como sendo favas contadas, é preciso que se diga que há um fundo de verdade na boataria, já que...







Opa.... espera aí, agora não, eu preciso terminar... mas já passaram dois minutos? Devagar, não me puxa, deixa pelo menos eu me despedir...







© Direitos Reservados










Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.




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www.consoantesreticentes.blogspot.com (contos e crônicas)




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Email: msguassabia@yahoo.com.br




sábado, 21 de maio de 2011

LAMENTAÇÕES DE UM PÉ DE ALFACE




Parem, reflitam e vejam se tenho ou não tenho razão. É vergonhosamente lamentável a forma com que nos arrancam de nossa terra, onde a tanto custo fincamos nossas raízes e deveríamos viver felizes para sempre. Quem nos remove de nosso solo é tão assassino quanto os pecuaristas e açougueiros, que tanta indignação e repulsa despertam na sociedade civilizada pelas atrocidades cometidas nos matadouros. ONGs e associações de defesa dos animais protestam – e com toda razão – contra o confinamento de bois, galinhas e porcos. Mas e quanto a nós? Alguém se compadece ao saber o quanto sofremos, espremidos, nos caixotes da Ceasa?

Somos seres vivos, queremos e devemos ser tratados como filhos de Deus, e reivindicamos igual tratamento dispensado aos mamíferos e galináceos. Está cientificamente provado que ao som de Bach, Mozart e Beethoven os vegetais se desenvolvem com maior força e viço, o que só demonstra que constituímos formas inteligentes e sensíveis de vida. Somos muito mais delicados e sutis em nossa estrutura física, e por isso mesmo merecedores de cuidados especiais.

Seus almoços e jantares são o nosso suplício derradeiro. É uma verdadeira sessão de tortura a acidez do vinagre, do sal e do limão sobre nossas folhas frágeis e tenras. Segue-se o esquartejamento no prato, quando sofremos dores inenarráveis antes de nos alojarmos, mortos, nos buchos de vocês, humanos. À frente deste sadismo estão os vegetarianos e os vegans, que o mundo considera tão idealistas e inofensivos. São eles, obviamente, nossos piores inimigos. Apregoam os vegetais como a solução para todos os problemas, e paradoxalmente os liquidam.

Vocês, bípedes racionais, podem argumentar: ok, o que vamos comer então? Mas isso não é problema nosso. Não matamos ninguém para garantir nosso sustento, já que tiramos da terra e da chuva o que precisamos. Somos – nós sim – sustentáveis e ecologicamente corretos. Ao contrário do bicho homem, que nos dizima impiedosamente. Exceção se faça às crianças, das quais não temos reclamação. Em geral não nos suportam e trocam sem titubear um caminhão de alface lisa ou crespa por meia bolacha Palhacitos.

Reparem no triste espetáculo de uma chicória definhando após um golpe de faca. No último suspiro dos aipos ao serem triturados por seus malditos incisivos. Na indefesa beterraba vertendo seu caldo vermelho, que em nada difere de sangue animal. Em milhões e milhões de batatas que ao dia são escalpeladas, fatiadas em tiras uniformes para serem fritas ou esmagadas até virarem purê. Nem os mais perversos oficiais da SS nazista poderiam conceber tão extenso rol de malvadezas. E o que vemos? A ONU, a Cruz Vermelha, o Greenpeace, todos fazendo vista grossa e se omitindo frente a tamanha barbárie. Calam-se simplesmente ante a mortandade coletiva de almeirões, rúculas, espinafres e salsinhas, ceifados às toneladas na flor – ou na folha – da idade. Basta de sofrimento. Abracem, por favor, a nossa causa.


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sábado, 14 de maio de 2011

BROTHERS





- Não há mais nada a ser feito. Já tentamos todos os recursos imagináveis. Esgotamos as possibilidades de um acordo amigável e na forma da lei. Eu estou jogando a toalha, sinceramente. Minha última esperança era aquele suposto álibi, que já não vale mais nada. Investiguei e descobri que o cara está na Espanha, o porteiro não viu entrar ninguém estranho no seu prédio aquela noite e numa improvável acareação vai ficar a sua palavra contra a dele.
- Você não pode desistir agora, nem a pau que você vai me deixar na mão. Não nessa altura do campeonato. Eu te conheço melhor que você mesmo, e sei que não pegaria a causa se não tivesse certeza de ganhar de cara, em primeira instância. Se o problema for dinheiro, vamos resolver isso agora. Diga quanto a mais.
- Se me conhecesse mesmo, saberia como me ofende falando isso. Como disse, quero equacionar tudo como manda o figurino. E isso inclui o meu modus operandi nessa pendenga. Aliás, é bom deixar claro que eu só me meti nesse embrulho pela nossa amizade.
- Bom, já vi que o buraco é mais embaixo. Sei da sua retidão de caráter, isso é inquestionável.
- E insubornável.
- Claro, principalmente insubornável. Você teve a quem puxar, seu velho era o maior ficha limpa da Via Láctea.
- Pois então. Ontem mesmo antes de pegar no sono eu estava lendo o salmo 91 e pude escutar papai ao meu lado, me aconselhando a abandonar a coisa de imediato, no pé em que está. Ficamos assim, eu te devolvo o adiantamento do serviço, a amizade continua a mesma e vamos fazer de conta que não aconteceu nada. Nada.
- Eu até aceitaria se soubesse que alguém mais nesse mundo poderia me defender nessa história. Só que esse cara não existe, tem que ser você e todo homem tem seu preço, meu velho. Ainda que esse preço não seja em dinheiro.
- Tá querendo dizer o que com isso, exatamente?
- Que o seu preço tá lá no seu passado, e ninguém é ou foi Madre Teresa 24 horas por dia. Tá me entendendo ou quer que eu desenhe?
- Espera aí, nem me passa pela cabeça que você se atreva a mexer nisso.
- Pois é, nem eu me animo muito a revirar essa sujeirada toda que você varreu pra debaixo do tapete. Mas, se não tiver outro jeito...
- O que passou, passou. E eu tenho certeza de que não deixei rasto nenhum, por isso pode ir descartando a possibilidade de chantagem. E tem outra: eu mudei, o mundo deu muita volta e mesmo que você levantasse agora esse delito ele já pres...
- Não prescreveu, não. O que eu tenho na manga faz reabrir o caso, tranquilamente, mesmo com tantos carnavais passados. Aliás, o episódio rolou no carnaval, lembra? Que ano foi, 82, 83? Mas enfim, é toma lá, dá cá. Uma mão lava a outra, meu irmão. Meu irmãozinho de sangue. Sim, porque não é só dessa história antiga que eu estou falando. O seu velho não era tão ficha limpa assim, brother.
- Não envolve o coitado do meu pai nessa merda!
- Então lá vai, na bucha: a gente é irmão, meu camarada.
- Ah, tá bom... a sua mãe com o meu pai?
- O nosso pai com a minha mãe.
- Brincou.
- É, eu sei que é muito pra um dia só. Vai pra casa e dá uma revirada nas suas fotos, descubra semelhanças, deixa caírem as fichas todas. Calmamente, eu não tenho pressa. Se preferir ficar por aqui, pode ir lá no meu quarto e abra a terceira gaveta da cômoda. Meu irmãozinho vai rever algumas das suas roupas velhas, que o seu santo papai dizia que ia doar pro orfanato. Bom, tô de saída. Mais tarde conversamos. Tem uísque no barzinho e gelo no freezer.


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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
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sábado, 7 de maio de 2011

FAZENDO JUSTIÇA A IGNÁCIO ESCORBETA





Existem vultos injustamente esquecidos pela história, não obstante sua farta contribuição ao progresso da humanidade e ao bem-estar social. Dessa malfadada classe faz parte Ignácio Escorbeta, inventor da serpentina carnavalesca e do prendedor de roupas.

A serpentina foi concebida por Ignácio na segunda metade do século 19, a quatro mãos com outro Escorbeta, um primo residente em Mossoró. Desenvolvido o protótipo, de 75 metros de comprimento por 6 cm de largura, Ignácio arregimentou a mulher, os filhos e vizinhos e forjou uma folia doméstica, sem música alguma para animar. Enquanto lançava os rolos da recém-nascida invenção sobre os saltitantes convivas, observou que em 100% dos casos os mesmos não se desenrolavam, sendo arremessados intactos sobre as cabeças das vítimas.

Escorbeta atribuiu o fiasco à excessiva dimensão dos "rolinhos", que mais pareciam bobinas. Perseverante, voltou com ânimo redobrado ao laboratório.
Após meses de pesquisas e cálculos de resistência, Ignácio finalmente brindava o mundo com a serpentina na forma como a conhecemos hoje. Em comemoração o bairro todo foi saudá-lo com uma chuva de confetes, já inventado naquela época - daí se originando a dobradinha que tanto abrilhanta os festejos de momo.

Igualmente complexo foi o processo de criação do prendedor de roupas, outro prodígio de Escorbeta. A bem da verdade esse artefato já existia, com a finalidade de manter fechadas as embalagens de Cheetos na despensa. Coube ao nosso herói o lampejo de adaptá-lo a outro contexto. O problema é que o prendedor não chegava a prender a roupa, apenas a indiciava em inquérito. Somente as peças mais leves, como meias, cuecas, calcinhas e camisetas regata ficavam devidamente suspensas para secagem. O inconveniente foi sanado dobrando-se o número de espirais do arame que unia as duas partes de madeira do prendedor, garantindo assim maior poder de fixação. Os bons resultados não tardaram a aparecer. Maravilhado, Escorbeta foi às lágrimas ao constatar que seu invento prendia eficazmente qualquer tipo de roupa. Incluindo blazers, japonas, sobretudos e até vestidos de noiva.

Enquanto isso, do outro lado do mundo uma nova revolução se processava. Cansado de prender as roupas para secar em encostos de cadeiras, Vladislav Varal, um tcheco naturalizado belga, decidiu inventar algo mais prático. Mas isso pede um outra crônica.

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